“Pouco investimento” e “baixo volume de negócios” leva tecnológicas portuguesas para os EUA

  • Tiago Alexandre Pereira
  • 19 Setembro 2025

A Europa precisa de "mais investimento" para crescer na área da IA, avisam as tecnológicas. Apenas a francesa Mistral AI compete com os EUA, estando ainda "muito distante" do ChatGPT.

Uma grande fatia dos clientes das startups portuguesas é internacional, sobretudo norte-americana, realidade que resulta, em grande parte, da falta de investimento em Portugal e do reduzido volume de negócios no mercado nacional. A forma como as empresas nacionais estão a trabalhar a inteligência artificial e a implementá-la nos seus modelos de negócio esteve em análise, esta sexta-feira, na conferência da Anacom dedicada ao tema “IA e Novas Empresas”.

O encontro reuniu representantes de startups nacionais que, apesar de atuarem em setores distintos, partilham uma visão comum: a tecnologia é o motor da sua diferenciação e a inteligência artificial, aplicada de forma ética e inovadora, é a chave para a sua expansão internacional.

A saúde foi um dos setores em debate, com a empresa Tonic Easy Medical, cuja co-fundadora e CEO, Daniela Seixas que é médica de formação, trouxe uma perspetiva muito prática das fragilidades do setor, após percorrer vários hospitais e perceber as carências. “Num hospital que estive, havia falta de médicos para quase todas as especialidades”. Agora, o “nosso copiloto baseado em IA ajuda médicos no tratamento oncológico. Também conseguimos identificar doentes com doenças ultra raras”, revelou.

A empresa, que trabalha sobretudo com a indústria farmacêutica, já está presente em Portugal, França, Espanha e Itália, e prepara agora a entrada no Reino Unido. Mas a CEO não deixou de sublinhar as limitações do mercado nacional: “O mercado português é cerca de cinco vezes inferior em volume relativamente aos restantes”.

Outra empresa em destaque foi a Defined.ai, em que o desafio é responder à procura crescente de dados para treinar modelos de IA em todo o mundo. A empresa, fundada em Portugal e hoje com presença internacional, sobretudo nos EUA, posiciona-se como parceira essencial das grandes tecnológicas e de empresas que estão a construir soluções de inteligência artificial.

Sebastião Villax, head of business development & AI market intelligence, sublinhou que o grande fator de diferenciação está no compromisso ético: “As empresas têm necessidade de dados e nós viemos colmatar essa necessidade. Mas todos os dados são pagos e remunerados, com rastreabilidade que assegura direitos de autor e de licenciamento.”

Num setor onde muitas vezes os dados são obtidos sem transparência, a Defined.ai aposta na remuneração justa e na garantia de qualidade como pilares do seu crescimento. Sebastião Villax deixou ainda claro que a Europa precisa de “mais investimento” para crescer na área da IA, e que apenas a francesa Mistral AI compete com os EUA, estando ainda “muito distante” do ChatGPT.

Também na área da saúde, a Sword Health destacou o impacto da tecnologia. Para Luís Ungaro, vice-presidente de IA da empresa, a associação à mera automatização não reflete a realidade: “É sobre qualidade”, afirmou, referindo-se à forma como oferecem os próprios serviços. Embora 90 a 95% do mercado esteja nos Estados Unidos, a Sword mantém o centro de operações em Portugal, apostando no talento nacional.

Em termos de competências técnicas, estamos completamente ao nível dos outros países.” A presença americana surgiu quase como inevitabilidade, fruto do financiamento obtido e da dimensão do sistema de saúde. Luís Ungaro sublinhou, contudo, que a missão da empresa é clara: “O sistema de saúde deles é perverso, baseado em custos elevadíssimos, e nós entramos para reduzir esses custos com IA. Esse é o nosso propósito.”

Já a Indie Campers, conhecida pela sua rede global de autocaravanas, mostrou como o turismo e a tecnologia podem andar lado a lado. Presente em mais de 21 países, a empresa começou centrada no produto e na experiência de viagem, mas rapidamente percebeu que o futuro passava também pela inovação tecnológica e agora com o uso de IA.

A Indie Campers é verdadeiramente um produto tecnológico”, explicou Rui Costa, CTO na empresa. A aplicação da inteligência artificial permitiu transformar a experiência do cliente, facilitando o suporte em mais de 160 países, onde as questões vão desde se é possível levar um cão numa caravana até reportar problemas de utilização em regiões como o sul de Itália.

Ao contrário de muitas startups, a empresa não recorreu a capital de risco para crescer, seguindo uma estratégia independente que, segundo Rui Costa, já a levou a ser “o maior operador de road trips do mundo.”

No fecho do debate, o tema voltou a centrar-se no papel da Anacom, anunciada como regulador da inteligência artificial em Portugal. Para Luís Ungaro, o regulador pode ter um papel mais ativo no futuro: “Temos de perceber como a Anacom pode ajudar a ter iniciativas com o Estado até liderar a segurança das mesmas. A Anacom em vez de funcionar só como reguladora, pode ser também parceira.”

Já Sebastião Villax reforçou a importância da proximidade entre regulador e empresas: “O papel preponderante da Anacom é disseminar bem a informação e que venham às empresas e falem connosco.”

As vozes do painel deixaram claro que, para além do dinamismo das startups nacionais, a criação de um quadro regulatório próximo e colaborativo será importante para posicionar Portugal como referência na utilização ética e inovadora da inteligência artificial.

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