Medição de retornos e escassez de talento são travões à adoção de IA
Na 1.ª Talk .IA, sobre barreiras à adoção de inteligência artificial nas empresas, a Visabeira e a PLMJ partilharam experiências e debateram desafios. "Universidades têm um longo caminho a percorrer."

Dificuldades na medição dos retornos, alguma resistência das camadas intermédias e escassez de talento jovem qualificado saído das universidades são algumas das barreiras à adoção de inteligência artificial (IA) identificadas num debate que contou com o testemunho do grupo Visabeira e da sociedade de advogados PLMJ.
Num painel multissetorial onde se discutiram os desafios da implementação de IA, inserido na 1.ª Talk .IA, uma iniciativa editorial do ECO no âmbito da Comunidade .IA, Paulo Soeiro Ferreira, Head of Engineering and Innovation da Visabeira, revelou que o grupo, com ramificações em vários países e setores, conta há cerca de um ano com um organismo interno para avaliar a implementação de soluções IA. “É um grupo de pessoas que faz análise de oportunidades de transformação”, explicou, admitindo que “existem alguns desafios”.
Um deles é a medição dos retornos no plano horizontal, que diz respeito à adoção de ferramentas de IA de produtividade. “Não temos maneira de adotar um KPI que diga que com esta adoção conseguimos aqui um aumento no P&L, ou um aumento do EBITDA, de X%”, rematou. Pelo contrário, no plano vertical, no chão de fábrica, as soluções que têm vindo a ser implementadas pela Visabeira são mensuráveis e estão a permitir atingir um aumento “da eficiência e da produtividade” na ordem dos 10 a 15%, um nível “que é perfeitamente atingível”, assegurou.

Integrando o mesmo painel, Pedro Lomba, sócio da PLMJ, sublinhou que a empresa está a adotar IA “de uma forma organizada”, olhando sobretudo para a oferta de soluções que existe no mercado: “Obviamente, nós somos fundamentalmente utilizadores dos sistemas de IA. Não excluímos que no futuro possamos co-desenvolver ferramentas de IA e, de certo modo, até já vamos avançando nesse sentido, até porque temos uma quantidade enorme de dados e de informação que são preciosíssimos para treinar muitos modelos e muitas ferramentas”, assumiu.
O especialista lembrou que existe “um grande hype sobre IA” e que “há muitos prestadores que aparecem com produtos que ainda não estão devidamente desenvolvidos”, o que também acarreta riscos para as empresas que os venham a utilizar. “Ainda antes de nós contratarmos o que quer que seja, procuramos que as equipas internas experimentem as ferramentas, deem feedback sobre as ferramentas, para que depois possamos tomar uma decisão informada sobre a sua contratação”, explicou. A decisão final é sempre tomada ao nível do board, revelou.
As empresas que aplicam IA como a Visabeira e a PLMJ também estão conscientes da necessidade de gerir a mudança internamente, de cima para baixo na hierarquia, num modelo top-down. “É impossível fazer down-to-top, porque as camadas intermédias tentam parar. É a natureza humana, que quer que o dia de hoje seja igual ao de ontem”, disse Paulo Soeiro Ferreira.
“Quando se faz a implementação de IA numa linha de produção, faz-se duas coisas: muda-se o método de produção, o método de transformação da matéria-prima, e ao mesmo tempo mudam-se todas as funções humanas associadas àquele método de produção. Portanto, tem de se ‘pegar’ nas pessoas e colocá-las a fazer funções de maior valor acrescentado para a empresa”, sublinhou o diretor da Visabeira.
“Eu diria que a nossa empresa não é exemplo para esse ponto, mas no resto das empresas tenho muitos colegas que fazem a mesma coisa do que eu, lutam muito para implementar a inovação nas suas empresas e sinto que é uma batalha difícil, porque eu vou dizer aqui uma coisa polémica, mas as empresas portuguesas têm muitas vezes uma gestão autocrática. Têm ali o dono da empresa e depois as pessoas todas, principalmente alguns departamentos respondem a essa pessoa. Se a pessoa de topo da empresa não tem conhecimentos e não acredita na implementação dessa nova tecnologia, vai ser impossível de a implementar”, concretizou Paulo Soeiro Ferreira.
É impossível fazer down-to-top, porque as camadas intermédias tentam parar. É a natureza humana, que quer que o dia de hoje seja igual ao de ontem.

Outro aspeto que preocupa estas empresas é o talento disponível no mercado, ou a falta dele. Questionado sobre se os novos advogados que saem da academia já trazem competências básicas de IA quando chegam à PLMJ, Pedro Lomba respondeu que “não é pelas universidades”. “Acho que as universidades têm um longo caminho a percorrer nessa matéria. Já começam a dar alguma oferta pós-graduada, mas aí acontece o mesmo que acontecia nos anos 80 e 90, com a velha informática, que era aprendida pelas pessoas de forma informal”, disse.
“Existe de facto uma grande lacuna ainda ao nível de especialistas sobre estas áreas, razão pela qual eu, por exemplo, percebo a opção do Governo e de outros países de criar autoridades coordenadoras únicas. Isso impede um fenómeno que nós antevemos que possa existir em outros países de dispersão e de competição. Às vezes as entidades públicas começam a competir entre si por talento escasso. E acho que, num país como Portugal, seria uma pena”, alertou Pedro Lomba. Dias antes, o Governo anunciou que a Anacom será o regulador da IA, concentrando ainda as principais competências em matéria de regulação dos serviços digitais.
Ambos os especialistas aceitaram o desafio de deixar alguns conselhos às empresas que querem iniciar esta jornada de implementação de IA. “A primeira coisa que é preciso neste tipo de investimento, porque é um investimento muito grande, é ter um apoio incondicional do board. A segunda coisa que é preciso, no nosso caso, em que tratamos de dados internos da companhia, é de infraestrutura (por isso, nós adquirimos a nossa própria infraestrutura, que é uma infraestrutura para o setor privado). E a terceira coisa que é preciso é de pessoas”, afirmou o diretor da Visabeira.
Já Pedro Lomba, à luz do novo regulamento europeu da IA, que é de aplicação geral na União Europeia e estipula regras consoante o nível de risco dos sistemas, considerou que “o futuro vai permitir distinguir as empresas que utilizam a IA de forma transparente, de forma confiada ou de forma ética”. “Portanto, o cumprimento das regras sobre a utilização e a implantação de sistemas de IA julgo que compensará em termos de negócio. Ao invés de uma empresa se limitar a cumprir o mínimo e procurar fugir e atrasar esse processo de cumprimento, no futuro, o compliance será também um fator de competitividade económica dentro das empresas”, defendeu.
Ainda assim, o sócio da PLMJ considerou que o regulamento da IA ainda não é totalmente claro. “Há aqui muitas questões em aberto. Nós vamos ter a Anacom como entidade coordenadora, mas depois que autoridades é que vão fiscalizar efetivamente o mercado?”, questionou. Tendo dito isso, lembrou que o Governo ainda não aprovou o quadro sancionatório: “Não temos sanções cá fora. Enquanto não houver sanções, ninguém tem medo.”
Lançada oficialmente este mês, a Comunidade .IA é uma iniciativa do ECO que junta empresas e academia, focada em acompanhar os últimos avanços na IA e a adoção desta tecnologia pelas empresas ao nível da organização, processos e negócios.
Veja aqui o painel na íntegra:
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