É a 21.ª vez que o Governo federal dos EUA entra em shutdown. O que pára no país?

  • Joana Abrantes Gomes
  • 1 Outubro 2025

A paralisação de serviços públicos, que começou esta quarta-feira, deve afastar inspetores da FDA, guardas florestais e milhões de outros funcionários federais em Washington e em todo o país.

O Governo federal dos EUA entrou oficialmente em shutdown, depois de republicanos e democratas no Senado falharem um acordo sobre o orçamento do próximo ano fiscal. Para já, há uma paralisação parcial dos serviços públicos, mas se o impasse persistir, pode haver um despedimento em massa na Função Pública. O que está, afinal, em causa?

750 mil funcionários públicos afastados

O Gabinete de Gestão e Orçamento da Casa Branca estima que aproximadamente 750 mil funcionários públicos serão afastados devido ao shutdown, enfrentando licenças sem vencimento. No passado, os salários dos trabalhadores nestas circunstâncias foram pagos com retroativos.

Só o Departamento de Saúde e Serviços Humanos está a dispensar cerca de 40% dos seus funcionários, apenas alguns meses depois de ter sofrido cortes particularmente profundos no quadro de pessoal sob a liderança do Secretário da Saúde, Robert F. Kennedy Jr. Também os Institutos Nacionais de Saúde — o maior financiador público de investigação biomédica do mundo — estão a dispensar três quartos do seu pessoal.

Sem salários

As forças de segurança, as Forças Armadas, os aeroportos e a Segurança Social continuarão, por enquanto, a funcionar normalmente. Porém, os funcionários destes setores não irão receber os salários até que o Partido Republicano e o Partido Democrata aprovem um novo Orçamento.

Se o impasse se prolongar e os trabalhadores (não remunerados) dos aeroportos deixarem de comparecer, poderá haver atrasos nos voos.

Apoios sociais suspensos

O pagamento de alguns benefícios sociais deverá ser suspenso. Não é o caso dos subsídios de desemprego pagos pela Segurança Social e do Medicare (programa federal de seguros de saúde) e dos fundos para a Ucrânia, mas a verificação dos benefícios e a emissão de cartões e de créditos para estudantes poderão ser interrompidas. As prestações dos empréstimos estudantis já existentes continuarão a ser cobradas

O Departamento de Estado poderá também demorar a emitir passaportes.

Pentágono sem novos contratos e programas

Serão mais de um milhão as pessoas que servem nas Forças Armadas norte-americanas e que, desde esta quarta-feira, estão a trabalhar sem remuneração.

O Pentágono também não pode adjudicar novos contratos ou iniciar novos programas. E, embora os postos no estrangeiro permaneçam abertos, eles e outros serviços nas bases nos EUA fecham ou estão a operar de forma limitada. Cirurgias e procedimentos eletivos em instalações médicas e dentárias militares também são adiados.

É possível que o Senado aprove uma lei para garantir que os militares no ativo e os funcionários do Pentágono continuem a receber o seu salário durante a paralisação. Mas os militares ficam sem remuneração se o shutdown não for resolvido antes de 15 de outubro.

Uma área que não foi interrompida é a Operação “Atlantic Resolve”, a enorme operação militar que realiza exercícios na Europa e apoia o transporte de equipamentos militares para a Ucrânia.

Parques nacionais sem guardas florestais

Numa altura em que já se entrou no outono, período que atrai milhões de turistas aos Estados Unidos, os parques nacionais terão equipas reduzidas, ficando privados, por exemplo, dos guardas florestais responsáveis pela sua manutenção.

O Serviço Nacional de Parques está a manter algumas operações como o combate a incêndios, resposta a emergências e manutenção de energia na maioria dos mais de 400 parques nacionais do país, enquanto alerta que “apenas serviços básicos ou nenhum serviço ao visitante” estão em funcionamento.

O que continua a funcionar

Não obstante, há alguns serviços considerados “essenciais” que se mantêm em funcionamento, tais como a proteção das fronteiras, os cuidados médicos hospitalares, a segurança pública e o controlo do tráfego aéreo. O Serviço Nacional de Meteorologia também continuará a produzir previsões.

Também os funcionários dos serviços da receita federal (IRS), responsáveis pela recolha dos impostos dos contribuintes, continuam a trabalhar. Um plano de paralisação divulgado na segunda-feira informou que a IRS poderá usar um financiamento especial que os democratas aprovaram em 2022 para evitar a dispensa de qualquer um dos seus quase 75.000 funcionários nos primeiros cinco dias úteis após o shutdown, mas ainda não é claro o que acontecerá se a paralisação se estender além desse período.

De igual forma, os funcionários encarregados de processar licenças de perfuração de petróleo e gás natural e operações de mineração de carvão continuam a trabalhar — mas a paralisação suspende a maioria das inspeções de fiscalização e do trabalho regulatório realizado pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), retardando os esforços do Governo de Trump para revogar um conjunto de regras climáticas.

Há ainda as muitas agências responsáveis por auxiliar o Presidente norte-americano nas negociações comerciais e das tarifas, que estão a ser protegidas do shutdown. O Gabinete do Representante Comercial dos EUA divulgou, na terça-feira à tarde, o seu documento de planeamento, mostrando que a agência não está, por enquanto, a dispensar nenhum dos seus 237 funcionários a tempo inteiro. A agência afirma que está a utilizar fundos que não estão vinculados a dotações anuais, enquanto a agência encarregada de recolher as receitas tarifárias, a Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA, também continua a funcionar, de acordo com os planos divulgados no fim de semana.

Shutdown mais longo foi no primeiro mandato de Trump

Os shutdown têm sido bastante comuns nos Estados Unidos nos últimos 50 anos. Só no primeiro mandato de Donald Trump à frente da Casa Branca houve três, incluindo o mais longo da história do país, de 36 dias, que terminou em janeiro de 2019 — causado por um desacordo acerca do financiamento de um muro na fronteira com o México.

O Gabinete Orçamental do Congresso estimou que essa paralisação reduziu a produção económica dos EUA em cerca de 11 mil milhões de dólares, incluindo três mil milhões de dólares que nunca foram recuperados.

Na década de 1980, a presidência de Ronald Reagan (republicano) teve oito paralisações, embora todas tenham sido relativamente breves.

Os shutdown por causa dos orçamentos são quase exclusivos da política norte-americana, cujo sistema prevê um acordo entre os diferentes poderes sobre os planos de despesa antes que se possam tornar lei.

Crescimento económico pode baixar entre 0,1 e 0,2 pontos percentuais por semana

A dimensão dos danos desta paralisação na economia norte-americana depende, em grande parte, da duração e do alcance do shutdown. No passado, as perturbações tenderam a ser temporárias, com a maior parte da atividade perdida a ser recuperada nos meses após o fim do shutdown.

Desta vez, as estimativas dos analistas apontam para que a 21.ª paralisação reduza o crescimento económico em cerca de 0,1 a 0,2 pontos percentuais por cada semana que o shutdown durar — embora grande parte disso possa ser recuperado.

Mas, por outro lado, há alguns fatores que podem tornar esta paralisação diferente das anteriores, a começar pelo facto de Trump ter ameaçado despedir — e não apenas dispensar — alguns trabalhadores, o que tornaria o impacto mais duradouro.

O desacordo entre democratas e republicanos também está a causar mais turbulência numa economia já abalada por mudanças como a introdução de novas tarifas e o impacto da inteligência artificial, com o provável atraso de dados económicos importantes, como o relatório mensal oficial de empregos dos EUA, que deve aumentar a incerteza.

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