Portugal arma-se em Bruxelas para financiar seis mil milhões para defesa

Cumprir a meta de 2% do PIB de investimento em defesa vai implicar uma despesa de cerca de seis mil milhões de euros, verbas que, segundo o primeiro-ministro, não vão sair de áreas críticas.

  • Na semana de entrega do Orçamento do Estado para 2026 (OE2026), o ECO publica um conjunto de artigos dedicados a áreas-chave da economia e finanças públicas portuguesas.

Portugal prevê investir um limite mínimo de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em defesa, o que vai resultar numa despesa de cerca de seis mil milhões de euros no Orçamento do Estado (OE) para 2026. Um esforço financeiro que contará com a afetação de fundos europeus e os empréstimos de 5,8 mil milhões reservados por Bruxelas para Portugal investir no setor da defesa. Mas será suficiente?

“Apresentarei, na próxima Cimeira da Nato, a antecipação do objetivo de alcançarmos 2% do nosso PIB nos encargos desta área, se possível já no ano de 2025“. A declaração feita por Luís Montenegro marcou o discurso de tomada de posse no atual Executivo, em junho passado, confirmando o compromisso do País em cumprir aquilo que são os objetivos da NATO em termos de investimento na defesa.

Nuno Melo, ministro da Defesa, garante que está a investir para atingir meta de 2% na DefesaHugo Amaral/ECO

Enquanto a Aliança Atlântica estima que Portugal terá investido 1,46% do PIB no ano passado, surgindo como o sexto país da aliança que menos investiu no setor em 2024, o ministério da Defesa, tutelado por Nuno Melo, aponta para um investimento de 1,58% do PIB, “correspondente a 4.481,50 mil milhões de euros”. Tendo em consideração estes valores e os números do PIB em 2024, atingir a meta de 2% implica uma despesa global de 5,8 mil milhões de euros.

Caso o Executivo pretenda manter a mesma meta, os valores de despesa no OE de 2026 andarão em redor destes montantes. “O cumprimento da meta de 2% do PIB, seis mil milhões de euros, na defesa” só será cumprido agora, com o atual Governo, com 1,2 mil milhões de euros para gastar em bens, infraestruturas e equipamentos, adiantou recentemente o ministro da Defesa.

O governante explicou que dos seis mil milhões de investimento em defesa previstos para este ano, 70% são para “investir em defesa pura e dura” – desta fatia serão afetados 20% para bens, equipamentos e infraestruturas (1,2 mil milhões) – e “30% em outras áreas relacionadas com áreas de soberania relacionadas com a tutela, por exemplo pensões”. “Estamos a investir em linha com o que a NATO pede, não apenas em armamento, mas envolvendo as indústrias de defesa. Encaramos a necessidade de investir como uma oportunidade para Portugal. Estamos a pensar em materiais de duplo uso: um helicóptero pode ser usado em combate, mas também em urgência médica ou no combate aos incêndios”, afiançou Nuno Melo.

Mas onde vai o Executivo buscar estas verbas? Numa tentativa de tranquilizar os receios que o reforço do investimento em defesa seja feito à custa de áreas críticas, como a saúde ou a educação, Luís Montenegro tem garantido que não vai “retirar o esforço do lado da despesa com os serviços sociais”, nem “colocar em causa o equilíbrio das contas públicas”.

“Vamos fazê-lo de acordo com as disponibilidades que estão no Ministério das Finanças e tencionamos, no próximo ano, aprovar um Orçamento do Estado que contemple também esse caminho”, referiu em declarações aos jornalistas na Alemanha.

O plano do Executivo passa por reforçar gradualmente o investimento em defesa, até atingir a meta de 5% da NATO até 2035: 3,5% em investimento direto e 1,5% em investimento indireto, que inclui infraestruturas.

“A contabilidade criativa e outras estratégias similares como a reclassificação de despesa públicas civis como despesas em defesa vão dificultar uma boa gestão das despesas em defesa. O processo de desviar recursos alegadamente para a defesa é um processo complexo, demorado e que pode ser capturado por grupos de interesse“, escreve Miguel Gouveia, professor Católica Lisbon Business & Economics, num artigo publicado no site da instituição.

“Por exemplo, é seguro e sabido que se o dinheiro para a defesa aumentar haverá esforços corporativos para capturar esses recursos e aumentar as remunerações, sem que isso contribua para uma melhor defesa”, acrescenta o docente, que nota que “estas dificuldades não nos devem distrair dos problemas reais. Mesmo que 5% seja um objetivo exagerado, faz todo o sentido aumentar os recursos dedicados à defesa nacional“.

Miguel Gouveia acrescenta que o País tem passado por um processo de degradação dos stocks de equipamentos e das capacidades militares, “devido à longa acumulação de défices na capacidade defensiva, nas infraestruturas e nos recursos humanos”. “Para garantir que os recursos adicionais a dedicar à defesa nacional nos próximos anos sejam bem empregues é importante que haja uma definição clara e transparente das intervenções a fazer e que a sua priorização tenha algum respeito pelo custo-efetividade de tais intervenções”, remata.

Empréstimos e fundos de Bruxelas são alavanca

À imagem do que tem acontecido com outros investimentos estratégicos nos últimos anos, o Executivo deverá recorrer a programas europeus para levantar as verbas exigidas para reforçar a aposta no setor. Desde logo, Portugal pode contrair um empréstimo de 5,8 mil milhões de euros através no novo instrumento financeiro concebido para dar apoio aos Estados-membros para acelerar os investimentos em defesa, nomeadamente na indústria, no âmbito do programa Ação para a Segurança da Europa (SAFE).

A Comissão Europeia decidiu ainda no mês passado que investimentos em competitividade, defesa, habitação acessível e sustentável, resiliência hídrica e transição energética financiados com fundos da coesão vão poder ter taxas de adiantamento até 20%. O objetivo, mais uma vez, é libertar fundos nacionais para áreas estratégicas.

Conforme explicou Bruxelas, os fundos reprogramados beneficiarão também de taxas de cofinanciamento europeu mais elevadas – dez pontos percentuais acima das taxas aplicáveis – reduzindo assim o complemento necessário proveniente dos orçamentos nacionais.

O próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já admitiu que os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e outros fundos europeus “podem ser alocados a outros usos sociais e eventualmente também em matéria de segurança”.

Quanto ao impacto orçamental do reforço das despesas militares, os dois maiores partidos da oposição, Chega e PS, concordam com um maior investimento no setor, mas querem saber como serão aplicados estes fundos e ambos concordam que pode catapultar a economia.

“O Chega está alinhado com a preocupação de modernizar as nossas Forças Armadas, a nossa estrutura de defesa e que deve estar atenta a ameaças reais à soberania e ao espaço português”, adiantou o líder do Chega, após um encontro com o primeiro-ministro, antes da reunião da NATO do passado mês de junho.

Já o PS acredita que a Defesa “pode constituir-se como uma oportunidade de desenvolvimento do país” e “Portugal deve procurar as condições para melhor responder de forma realista e ambiciosa aos desafios industriais e tecnológicos definidos na Haia”, defende o secretário-geral do partido socialista, José Luís Carneiro, que desafiou Montenegro a fazer um “acordo estratégico” para o setor.

Vários setores têm-se posicionado para beneficiar com o investimento na defesa, desde a aeronáutica, à indústria, passando por setores mais tradicionais, como o têxtil, vestuário e calçado.

“Considerando [a meta de investir] 2% do PIB, Portugal vai investir na defesa acima de cinco mil milhões de euros, entre 2025 e 2029, em equipamentos e outros investimentos. É uma oportunidade ótima para as empresas portuguesas”, adiantou Ricardo Pinheiro, presidente da idD Portugal Defence, entidade promotora de políticas públicas para a Economia da Defesa, em declarações ao ECO, no passado mês de maio.

Portugal está bem posicionado para aproveitar as oportunidades na defesa. O Estado vai aumentar o investimento, é uma prioridade política, mas também de outros países da União Europeia”, reforçou Ricardo Pinheiro, na mesma ocasião. O responsável realça que “também há mais oportunidades para as empresas portuguesas para exportação”.

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