Sanae Takaichi, a admiradora de Thatcher que vai comandar o governo nipónico
Sem maioria no Parlamento, a primeira mulher a governar a quarta maior economia do mundo inspira-se em Shinzo Abe para combater a inflação, mas não deverá melhorar os níveis de igualdade de género.
Sanae Takaichi fez história no passado dia 21 de outubro ao tornar-se a primeira mulher a chegar ao cargo de primeira-ministra no Japão, um país onde a política tem sido dominada por homens e o sexo feminino representava apenas cerca de 10% dos lugares no Parlamento em 2024.
O caminho até ao poder não foi fácil: além de ter derrotado quatro homens para conquistar a liderança do Partido Liberal Democrático (PLD), Takaichi viu-se obrigada a formar uma aliança estreita com uma nova força política, depois de o centrista Komeito ter abandonado a coligação que vigorava desde 1999.
Mas, diante de uma situação económica com uma inflação acima da meta de 2% prevista pelo Banco do Japão – que tem levado o banco central a aumentar as taxas de juro que estavam, há vários anos, perto ou abaixo de zero –, bem como um cenário político de uma extrema-direita em ascensão e, a nível internacional, a imprevisibilidade dos EUA e as guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, governar será ainda mais difícil para esta admiradora de Margaret Thatcher e do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe.
Contrariamente a boa parte dos seus colegas do PLD, Sanae Takaichi, de 64 anos, nasceu no seio de uma família modesta. O pai trabalhava numa empresa do ramo automóvel afiliada à Toyota e a mãe trabalhava para o departamento de polícia local.
Embora tenha chegado a passar nos exames de admissão para algumas universidades privadas de elite no Japão, os pais recusaram-se a pagar a mensalidade no ensino privado, preferindo que frequentasse a prestigiada Universidade de Kobe. Takaichi pagou os seus próprios estudos com trabalhos de part-time e fazia uma viagem de ida e volta de seis horas da casa dos seus pais.
Apesar das suas tendências conservadoras, Takaichi mudou-se para os Estados Unidos em 1987 para trabalhar como assessora no gabinete da congressista Pat Schroeder, uma democrata do Colorado. Depois de voltar ao Japão, conseguiu promover-se em programas de televisão como especialista em política internacional.
“A partir daí, deixou de ser uma personalidade da televisão para se tornar uma política, o que é um caminho comum no Japão. Se és famoso na televisão, tens boas hipóteses de ganhar eleições”, observou Jeffrey Hall, professor da Universidade de Estudos Internacionais de Kanda, no Japão, à emissora norte-americana NPR.
Foi em 1993 que Takaichi foi eleita pela primeira vez para a Dieta Nacional (Kokkai, designação do Parlamento bicameral nipónico), representando a sua terra natal, Nara, como independente, e iniciando, assim, o que Raquel Vaz-Pinto, professora de Estudos Asiáticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL), descreve ao ECO como um “percurso de perseverança“. Só três anos depois viria a filiar-se no PLD.
Mas a sua ascensão meteórica só teve início em 2011, quando votou em Shinzo Abe para líder do PLD e, posteriormente, para o cargo de primeiro-ministro, o que lhe valeu uma pasta ministerial no Governo e um cargo na cúpula do partido conservador. Além de ter tutelado o Ministério dos Assuntos Internos e Comunicações (2014-2017 e 2019-2020), foi ainda ministra da Segurança Económica entre 2022 e 2024.
Depois de duas tentativas falhadas, Takaichi conquistou a liderança do PLD no início deste mês, mais um feito inédito para uma mulher, após uma disputa ferrada contra outros quatro candidatos. Na passada terça-feira, obteve 237 votos na Câmara dos Representantes (câmara baixa) e outros 125 na Câmara dos Conselheiros (câmara alta), conseguindo a nomeação como primeira-ministra por curtas margens de nove e quatro votos, respetivamente.
Se és famoso na televisão, tens boas hipóteses de ganhar eleições.
Troca de parceiro de coligação pode dar menos margem de manobra para aumentar gastos com Defesa
O problema mais significativo que Takaichi enfrentou para formar um Governo foi a retirada do Partido Komeito, no início de outubro, do acordo de coligação que partilhavam desde há 26 anos. A decisão deste partido centrista teve por base as polémicas financeiras que envolveram membros do PLD nos últimos meses, mas sobretudo as opiniões conservadoras da nova primeira-ministra.
Para garantir a eleição para a chefia do Executivo e suceder ao primeiro-ministro cessante, Shigeru Ishiba, Takaichi formou na segunda-feira uma aliança com o Partido Japonês para a Inovação (Ishin), uma formação reformista de centro-direita. Ainda assim, esta é uma coligação frágil, pois fica a dois lugares da maioria na Câmara dos Representantes e a cinco na Câmara dos Conselheiros. Isto significa que o Governo de Takaichi precisará sempre de conseguir o apoio de mais um partido para aprovar qualquer legislação, incluindo o orçamento do Estado.
Manter a coligação unida será um dos maiores desafios da nova líder nipónica. Enquanto o Ishin defende uma redução da despesa pública, Takaichi pretende aumentar o investimento no setor da defesa perante uma “vizinhança extremamente hostil”, descreve Raquel Vaz-Pinto.
A investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-Nova) lembra que o Japão tem “duas ameaças muito relevantes”: de um lado, a política externa da China “cada vez mais assertiva, forte e presente”; do outro, a Coreia do Norte, com o desenvolvimento do seu arsenal nuclear.

Não obstante, o novo parceiro de coligação “tem uma atitude mais agressiva em relação à política externa e de segurança do que o próprio PLD e está alinhado com a visão da primeira-ministra”, o que “remove” as restrições anteriormente impostas pelo Komeito às ambições de reforçar as capacidades militares do Japão, escreve Kazuto Suzuki, associado do Programa Ásia-Pacífico do think tank britânico Chatham House.
Raquel Vaz-Pinto realça mesmo que a quarta maior economia do mundo, sendo “muito forte” no setor da tecnologia e da eletrónica, “tem muito a ganhar” com uma maior componente militar.
Se, em relação à China, a posição de Takaichi foi claramente de confronto. O principal desafio, indica Suzuki, será ” articular a diferença entre a sua posição quando estava fora do Governo, e podia falar livremente, e o seu novo papel como primeira-ministra”. Mas a maior dificuldade deverá ser a relação com a Administração norte-americana.
Depois de o seu antecessor ter chegado a um acordo para pagar tarifas aduaneiras adicionais de 15% e investir 550 mil milhões de dólares (cerca de 473 milhões de euros) nos Estados Unidos, cabe ao Governo de Takaichi implementá-lo. Fracassar nessa tarefa “poderá gerar uma maior pressão” de Donald Trump e, potencialmente, piorar as relações entre os dois países, antecipa o analista da Chatham House.
Raquel Vaz-Pinto considera, porém, que a nova primeira-ministra japonesa tem um “trunfo grande”, designadamente o facto de ela reconhecer e encaixar-se no legado de Shinzo Abe, que, “com imensa habilidade, conseguiu estar nas boas graças de Donald Trump” no primeiro mandato deste na Casa Branca. Acresce que o Presidente norte-americano irá pedir ao Japão para aumentar os gastos em defesa – algo que a própria Takaichi já anunciou.
Na sua primeira conferência de imprensa depois de ser designada como chefe do Governo, Takaichi disse que queria levar as relações com os Estados Unidos a “novos patamares” durante o encontro que terá com Trump na próxima semana. O líder da Casa Branca deverá chegar a Tóquio na segunda-feira para uma visita de três dias, durante a qual a nova primeira-ministra irá discutir questões bilaterais, bem como a situação no Indo-Pacífico, a guerra na Ucrânia e as tensões no Médio Oriente.
Contudo, não especificou se irá discutir com Trump a questão das taxas aduaneiras norte-americanas ou o acordo comercial com Washington, depois de declarar, após a sua eleição para chefiar o PLD, no início de outubro, que não descartaria uma revisão do pacto com os Estados Unidos se este não servir os interesses do Japão. “Faremos o nosso melhor para aliviar o impacto das tarifas norte-americanas”, disse na terça-feira.
No que diz respeito às políticas económicas, Sanae Takaichi é considerada a herdeira ideológica do ex-primeiro-ministro assassinado Shinzo Abe, tendo sempre elogiado as opções económicas do seu mentor. As políticas económicas, defendidas por Abe durante o seu segundo mandato como primeiro-ministro (2012-2020), baseavam-se numa flexibilização monetária agressiva, no estímulo orçamental e em reformas estruturais.
Pouco feminista e anti-imigração
Menos conservadora em questões fiscais em comparação com outros membros do seu PLD, Takaichi é bastante conservadora em matérias sociais. Embora a sua ascensão ao poder rompa uma barreira de género no país que ficou em 118.º lugar entre 148 países em termos de igualdade de género — o mais baixo de todos os países do G7 —, de acordo com o Relatório Global de Desigualdade de Género 2025 do Fórum Económico Mundial, parece improvável que dê prioridade a estes temas.
A nova primeira-ministra quer criar programas para promover a natalidade e não concorda que as mulheres mantenham o nome de solteira após o casamento (apesar de ela própria ter usado o seu nome na vida profissional e pública). Por outro lado, chegou a falar, durante a campanha, sobre as suas dificuldades para engravidar – Takaichi não tem filhos biológicos, é apenas madrasta de três fruto do casamento anterior do seu marido.
Apesar disso, afirmou ser favorável à concessão de incentivos fiscais às empresas que ofereçam creches aos seus trabalhadores e a possíveis isenções fiscais para despesas familiares com creches.
Admiradora da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, apelidada de “Dama de Ferro”, Takaichi prometeu um Executivo com um número de mulheres “à escandinava”, em contraste com as duas presentes na equipa do antecessor. Uma delas é Satsuki Katayama, ex-ministra da Revitalização Regional, que ocupará o cargo de ministra das Finanças.
“Este não será um período em que a igualdade das mulheres ou outras questões de género serão promovidas de forma agressiva. Mas acho que há alguma vantagem em ter uma mulher como líder do país, para mostrar às jovens que, no futuro, elas também podem se tornar primeiras-ministras“, argumenta Jeffrey Hall, da Universidade de Estudos Internacionais de Kanda.
Takaichi também tem o que Jeffrey Hall descreve como opiniões radicais sobre a história do Japão na Segunda Guerra Mundial. Ao longo dos anos, a política conservadora minimizou a agressão do país asiático durante a guerra e criticou os julgamentos de crimes de guerra que os aliados realizaram posteriormente para condenar os líderes japoneses.
Além disso, é conhecida por visitar regularmente o controverso Santuário Yasukuni, que homenageia os 2,4 milhões de soldados mortos nas guerras travadas pelo Japão desde o século XIX e honra japoneses condenados por atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial.
A sua posição anti-imigração e até mesmo contra turistas – quando no ano passado o país registou um novo recorde, acima dos níveis pré-pandemia, de mais de 36,8 milhões de visitantes, segundo a Agência do Turismo do Japão – também causaram controvérsia, com alguns críticos a apelidarem-na de xenófoba.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Sanae Takaichi, a admiradora de Thatcher que vai comandar o governo nipónico
{{ noCommentsLabel }}