Indústria química pede custos de energia mais competitivos e alerta para impacto do fim do desconto no ISP

Indústria química portuguesa quer compensações do Estado mais elevadas para poder concorrer em igualdade de condições com rivais europeus no custo da energia.

Os preços da eletricidade e do gás natural em Portugal são inferiores à média da União Europeia, mas essa vantagem é distorcida por apoios mais generosos para os consumidores eletrointensivos, gerando uma desvantagem para as empresas em Portugal. O fim da dedução do ISP irá agravar ainda mais o problema, alerta a associação que representa a indústria química.

A APQuímica vai divulgar esta quarta-feira um estudo de competitividade, durante um evento que terá lugar no Complexo Químico de Estarreja, carregado com 78 recomendações, dispersas por diferentes áreas, que vão desde o ambiente regulatório ao capital humano, passando pela sustentabilidade.

A apresentação acontece num momento difícil para o setor no Velho Continente. “A indústria química europeia está num ponto de rutura”. O cenário é assumido pela Cefic, a associação europeia do setor, que aponta para o encerramento de 11 milhões de toneladas de capacidade industrial entre 2023 e 2024 e uma quebra de 14% na produção entre 2021 e 2023, seguida de uma ténue recuperação em 2024. Entre as causas apontadas está a perda de competitividade devido aos custos da energia, quatro a cinco vezes mais elevados do que nos EUA, e à exigência regulatória.

Portugal não escapa a esta tendência e assistiu ao encerramento da Indorama, em Sines, em março de 2025. “Fecharam mais duas a três empresas que faziam o mesmo produto e só depois a Comissão Europeia abriu uma investigação por dumping. Há distorções no mercado”, denuncia Luís Gomes, presidente da APQuímica, num encontro com jornalistas para apresentação do estudo.

Há um conjunto de ajudas às empresas eletrointensivas que é maior noutros países do que em Portugal e fazem com que o custo da energia em Espanha, em França ou na Alemanha acabe por ser mais baixo.

Luís Gomes

Presidente da APQuímica

Uma dessas distorções é criada pelos diferentes apoios estatais que são concedidos às empresas eletrointensivas dentro do espaço da União Europeia (UE). Em 2024, o preço final da eletricidade foi 27% inferior ao da média da UE e o do gás natural 15%. Mas quando se compara o custo final da eletricidade por MWh para os clientes eletrointensivos, em Portugal ele é quase o triplo do que em França, mais 72% que na Alemanha e mais 167,4% do que em Espanha, refere o estudo, com base em dados deste ano.

“Há um conjunto de ajudas às empresas eletrointensivas que é maior noutros países do que em Portugal e fazem com que o custo da energia em Espanha, em França ou na Alemanha acabe por ser mais baixo”, afirma o presidente da APQuímica.

A diferença mais expressiva diz respeito às chamadas compensações por CO2 indireto, que são muito mais generosas noutros países. A revisão do Estatuto do Cliente Eletrointensivo trouxe valores mais altos, mas para a associação não é suficiente. “É um passo em frente, mas mesmo assim compara mal” com outros países, diz Luís Gomes.

Os novos apoios ainda não chegaram às empresas, mas são esperados para breve. “Os apoios previstos na revisão do estatuto dos eletrointensivos ainda não estão a ser pagos. Acho que só falta o processamento”, afirma Carla Pedro, diretora-geral da APQuímica.

A desvantagem no preço da energia será agravada caso o Governo avance com o fim do desconto no Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), que agravará o preço em 15 euros por MWh. “A competitividade no gás natural desaparece”, vaticina Carla Pedro.

Em Portugal, só as empresas CEL [Consumidores Eletrointensivos de Eletricidade] é que podem ter acesso ao mecanismo. Os outros países vão ao montante máximo permitido e abrangem as empresas não-CEL.

Carla Pedro

Diretora-geral da APQuímica

Segundo a associação, o problema não reside apenas no montante das ajudas mas também na sua abrangência. “Em Portugal, só as empresas CEL [Consumidores Eletrointensivos de Eletricidade] é que podem ter acesso ao mecanismo. Os outros países vão ao montante máximo permitido e abrangem as empresas não-CEL”, assinala Carla Pedro, defendendo que é preciso abrir o âmbito.

Preservar clusters críticos

A energia é o entrave à competitividade mais sublinhado pela APQuímica — chega a representar 70% do custo de algumas empresas — mas há outros temas destacados pela associação.

Um deles é a regulação. “Há em Portugal uma tendência para fazer o gold-plating [excesso de transposição na legislação europeia]”, afirma Luís Gomes. Segundo o estudo, o enquadramento jurídico para a indústria química em Portugal compara mal com o de países europeus com que concorre, “o que inviabiliza novos investimentos e põe em risco a permanência de sites estratégicos instalados há décadas“. O presidente da APQuímica dá como exemplo o facto de uma empresa que avance com um pedido de licenciamento ter de esperar que esse processo esteja concluído antes de poder avançar com outro.

A defesa dos clusters críticos é também uma das prioridades. O Industry Chemicals Industry Plan, lançado pela Comissão Europeia em julho, recomenda que se identifiquem sites críticos que é necessário manter na Europa. Em Portugal, a indústria está concentrada em Estarreja, Sines, na região de Lisboa e na Península de Setúbal.

Se alguns desses sites fecharem é o conjunto destes clusters que fica em causa, porque as empresas funcionam em rede e produzem subprodutos que são utilizados por outras empresas.

Luís Gomes

Presidente da APQuímica

“É muito importante que esta recomendação tenha uma tradução nacional em Portugal e se mantenham estes clusters”, sublinha Luís Gomes. “Se alguns desses sites fecharem é o conjunto destes clusters que fica em causa, porque as empresas funcionam em rede e produzem subprodutos que são utilizados por outras empresas”, acrescenta.

Para sublinhar a importância de manter um setor químico forte, o presidente da APQuímica assinalou que foi a presença de empresas de fabrico de gases medicinais em Portugal que garantiu o fornecimento para os hospitais durante a pandemia de covid-19.

O quarto desafio prioritário identificado pelo estudo é a escassez de recursos humanos qualificados. “Conseguir eletricistas, soldadores, tubistas e técnicos de instrumentação é um terror. São altamente especializados, bem pagos, mas não se conseguem encontrar. Temos de reproduzir para o ensino técnico-profissional o que conseguimos no ensino universitário”, apelou Luís Gomes.

Ainda na formação, a APQuímica tem há 15 anos um protocolo com a Fundação para a Ciência e Tecnologia para doutoramentos em ambiente industrial, que com a extinção daquela entidade ficou “num limbo”. O programa, de nome EngiQ, já formou cerca de 90 doutorados, tendo mais de 80 ficado a trabalhar na indústria em Portugal. “Se um programa destes não é apoiado não sei o que apoiado”, desabafa Luís Gomes.

A indústria química portuguesa gerou um volume de negócios de 16,9 mil milhões de euros em 2023, ano em que foi responsável por 12,8% do total de exportações nacionais de bens, assegurou 52 mil empregos diretos e indiretos e investiu 1,1 mil milhões de euros.

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