Governo promete “desonerar proprietários para os convidar para o arrendamento”
Ministro da Habitação garante retroatividade do IVA a 6% na construção e contratos a 25 anos com blindagem fiscal total, notando que medidas isoladas não resultam, mas em conjunto podem atenuar crise.
O ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, reforçou esta terça-feira o compromisso do Governo em construir 150 mil novas habitações públicas até 2030 e detalhou o pacote de medidas fiscais para atrair proprietários ao mercado de arrendamento.
Na conferência anual da APFIPP — Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios, que se realiza sob o tema “Uma solução para a poupança e para a habitação”, Miguel Pinto Luz defendeu uma intervenção robusta do Estado na crise habitacional, mas sem abdicar do papel do mercado.
“O problema da habitação toca a todos. É abrangente”, começou por dizer, traçando a visão do executivo para o setor. “A nossa agenda resume-se a uma frase muito simples: mais oferta, mais casas”, destacou o governante perante a uma plateia de gestores e responsáveis de sociedades gestoras de fundos de investimento.
Segundo o ministro, esta estratégia assenta em três eixos principais: aumentar significativamente o parque público de habitação, estimular o mercado privado por benefícios fiscais e simplificar os processos de licenciamento.
O Estado tem de intervir para responder àquelas situações que o mercado não responde e não pode ser apenas através [de uma forma] regulatória.
O investimento de 9 mil milhões de euros para construir 150 mil novas habitações públicas até 2030 constitui o pilar central da política habitacional do Governo, destacou. Segundo o ministro, esta verba tem origem no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), no Orçamento do Estado e em linhas de financiamento do Banco Europeu de Investimento (BEI). “O PRR foi o driver para toda esta transformação. Mas não chegou”, reconheceu Pinto Luz, admitindo que o sistema estava subfinanciado.
“O Estado tem de intervir para responder àquelas situações que o mercado não responde e não pode ser apenas através [de uma forma] regulatória”, defendeu o governante, justificando a magnitude do investimento público.
Para dar uma dimensão do esforço, o ministro apontou aos dados do Programa Especial de Realojamento (PREP). “O PREP, talvez a maior dimensão de investimento público até ao momento presente, representou alguma coisa como 40 a 50 mil fogos em dívida.” O Governo já entregou 14 mil casas este ano e prevê chegar às 20 mil até dezembro, segundo anunciou o ministro. A meta ambiciosa de 150 mil habitações até 2030 representa o triplo do que foi feito no PREP, programa que decorreu entre 1993 e o início dos anos 2000.
Choque fiscal para desbloquear 300 mil casas
Para atrair ao mercado as cerca de 300 mil habitações que o Governo estima estarem fora do circuito de arrendamento — algumas segundas residências, outras no mercado de alojamento local — o Executivo aprovou um pacote fiscal que Miguel Pinto Luz não hesitou em classificar como “agressivo”.
A pedra angular desta estratégia é a redução da taxa de IRS sobre rendimentos prediais de 25% para 10% para senhorios que pratiquem rendas até 2.300 euros mensais. “Queremos desonerar os proprietários para os convidar a vir de novo para o mercado [de arrendamento]”, explicou o ministro. Complementarmente, o Governo introduziu a isenção de mais-valias em IRS para quem venda imóveis e reinvista em habitação destinada a arrendamento a preços moderados (até 2.300 euros mensais).
Contudo, o ministro reconheceu que os incentivos fiscais, por si só, não são suficientes. “Não chega”, admitiu Pinto Luz, aludindo ao facto de muitos proprietários não quererem arriscar “colocar lá um inquilino e depois não conseguirem” recuperar o imóvel em caso de incumprimento.
Miguel Pinto Luz sublinhou que o anterior Simplex “não teve [qualquer] efeito. Se [calhar] foi pior, criou enormes incertezas do lado das [autarquias], do lado dos bancos, do lado dos notários, do lado dos engenheiros, do lado dos arquitetos, do lado dos fundos”.
Para dar previsibilidade aos investidores e combater a insegurança jurídica que afasta proprietários, o Governo criou os contratos de investimento a 25 anos, uma das medidas incluídas no pacote fiscal que será discutido na Assembleia da República. Estes contratos destinam-se a quem disponibilize imóveis para arrendamento a preços moderados (rendas até 2.300 euros) e incluem benefícios fiscais significativos, lembrou Pinto Luz: IMI a zero, adicional ao IMI a zero, IMT a zero e imposto de selo a zero durante todo o período contratual.
“Estamos a falar de contratos a 25 anos assinados [com] um compromisso de ter-se ativos ao serviço do mercado de arrendamento, com regras [definidas] dos tais 2.300 euros”, explicou o ministro. “Amanhã não estão cá estes [governantes], estão cá outros, mas nós temos um contrato na mão, o Estado é uma pessoa de bem, e este contrato é a garantia que eu tenho durante estes 25 anos [de] previsibilidade do meu investimento.”
Simultaneamente, o ministro referiu também que o Governo prepara uma reforma da relação entre senhorios e inquilinos que deverá estar concluída até dezembro, para simplificar os processos em caso de incumprimento.
Aquilo que fazíamos no início da década de 2000, chegámos a construir 120, 140 mil fogos por ano, às vezes até mais, e hoje construímos 20, 30 [mil]. Este ano podemos terminar o ano com 40 mil fogos construídos.
Pinto Luz anunciou também a criação de um fundo de emergência na habitação para funcionar como “mola amortecedora”. “O mercado fica blindado a esta dimensão da relação e o Estado [surge] como fundo de emergência” para apoiar inquilinos em dificuldades temporárias. Além disso, o governante lembrou ainda a redução da taxa de IVA de 23% para 6% na construção de habitação para venda até 648 mil euros e em projetos de arrendamento com rendas até 2.300 euros, medida em vigor até 2029.
Esta alteração inclui a aplicação do regime de “reverse charge”, que transfere a liquidação do IVA do fornecedor de materiais para o construtor, simplificando o processo. “Fomos muito criticados”, reconheceu o ministro, referindo-se à amplitude da medida face à diretiva europeia do IVA, que só permite um segundo escalão reduzido para habitação a preços acessíveis.
“Mas é bom, como estamos a ser criticados, é necessariamente bom. Quer dizer que estamos [num] rumo claro”, defendeu. Segundo Pinto Luz, o objetivo foi interpretar de forma ampla o conceito de “affordable housing”. “O affordable housing para nós é isto. Portanto, vamos lá descer os custos [de construção], vamos lá tentar que o mercado funcione de uma forma melhor, mais justa, mais capaz de oferecer casas que não [estava] capaz de oferecer nos últimos 10 anos.
Mercado a aquecer, mas sem balas de prata
O novo regime de licenciamento urbanístico, designado por RJUE (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação), foi igualmente enviado para discussão na Assembleia da República, referiu Pinto Luz. O ministro sublinhou que o anterior Simplex “não teve [qualquer] efeito. Se [calhar] foi pior, criou enormes incertezas do lado das [autarquias], do lado dos bancos, do lado dos notários, do lado dos engenheiros, do lado dos arquitetos, do lado dos fundos”.
Desta vez, o Governo optou por uma abordagem diferente. “Pegámos dentro do que foi feito [pelo] Governo [anterior], não fizemos tábua rasa e fomos discutindo. Então, afinal, o que é que está aqui mal? Como é que nós podemos acelerar, simplificar e garantir [segurança] a todos?” O objetivo é reduzir a burocracia sem comprometer a segurança jurídica dos diversos intervenientes no processo de construção, destacou o ministro.
O ministro da Habitação mostrou-se cauteloso quanto à possibilidade de alterações parlamentares. “Tivemos experiências no passado, nomeadamente [com a] Lei dos Solos. Entrou a Lei dos Solos, saiu uma lei, que se pode continuar a chamar a Lei dos Solos, mas não foi a lei que o Governo lá colocou”, alertou. “Portanto, que não aconteça [o] mesmo com o pacote fiscal.”
O ministro reconheceu que o mercado da construção está a recuperar gradualmente. “Aquilo que fazíamos no início da década de 2000, chegámos a construir 120, 140 mil fogos por ano, às vezes até mais, e hoje construímos 20, 30 [mil]. Este ano podemos terminar o ano com 40 mil fogos construídos”, afirmou.
No entanto, Pinto Luz deixou o aviso: “Não há balas de prata. Nenhuma destas medidas individualmente terá efeito. Mas todas em conjunto, e com este otimismo, e com a banca a querer vir a jogo, e com os fundos a querer vir a jogo […] eu penso que, em conjunto, vamos conseguir [atenuar] esta crise.”
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