Gestão de risco e IA ganham força na governação das empresas, que ainda falham nos independentes

Matérias relacionadas com independência dos administradores não executivos, remunerações e nomeação de quadros dirigentes mostram-se enfraquecidas.

Num mundo com cada vez mais volatilidade, há mais empresas a procururar seguir as melhores práticas de gestão de risco e a inteligência artificial também tem merecido mais atenção. Já a existência de administradores independentes e a visão de longo prazo continuam a ter menos prevalência do que seria aconselhável aos olhos da boa governança.

Estas são algumas das conclusões do sétimo Relatório Anual de Monitorização (RAM) elaborado pelo Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), respeitando o Código de Governo das Sociedades e olhando ao desempenho das sociedades ao longo de 2024. É o segundo RAM desde a última revisão do código, em 2023. Foram analisadas 35 empresas, das quais 15 integram o índice bolsista PSI e três são empresas não cotadas, tendo todas aderido ao exercício voluntariamente.

O relatório aponta que a adesão das empresas ao total das recomendações foi de 87%, mantendo o patamar do ano anterior. Já olhando ao universo do PSI, há uma ligeira melhoria, de 94% para 95%.

É positivo que haja a consolidação das melhores práticas“, avalia o presidente do IPCG, João Moreira Rato, em declarações ao ECO/Capital Verde, assinalando áreas “importantes” que “parecem estar relativamente sólidas”, como é o caso da gestão de risco, fiscalização e controlo interno.

Em contraponto, refere áreas em que podem existir melhorias, como é o caso da inclusão de administradores independentes e das políticas remuneratórias. Existe pouca ênfase num programa mais de médio a longo prazo, que esteja alinhado com o plano estratégico“, remata.

Gestão de risco cada vez mais central

O IPCG conta dez recomendações que foram acolhidas pela totalidade das empresas monitorizadas. Estas dizem respeito, em parte, a questões mais burocráticas como a elaboração de atas das reuniões dos órgãos de administração e fiscalização, a divulgação online da composição dos órgãos de administração e a atribuição ao órgão de fiscalização do papel de principal interlocutor do revisor oficial de contas.

Contudo, também há adesão total a questões mais estratégicas, como a não delegação de competências consideradas centrais pelo IPCG e a criação de procedimentos relativos à gestão de risco, desde a sua identificação e cálculo da probabilidade de ocorrência até à avaliação do seu impacto e respetiva monitorização.

Esta última recomendação (de cálculo da probabilidade do risco e do impacto) está também entre as oito que mais cresceram no acolhimento, acompanhada do “debate e aprovação, pelo órgão de administração, da política de risco da sociedade”, que foi adotada por 89% das empresas, quando antes se ficava pelos 85%.

O cumprimento alargado das recomendações no que diz respeito à gestão de risco estará relacionado, na visão de Moreira Rato, com o surgimento de “vários riscos” relevantes nos últimos anos, como pandemia de covid-19, a invasão da Ucrânia pela Rússia, as mudanças geopolíticas e as tarifas comerciais lançadas pela administração norte-americana.

A nível nacional, pesarão também nestes cuidados “alguns falhanços de controlo interno que custaram a existência de empresas relativamente consolidadas”, como a Portugal Telecom ou o Banco Espírito Santo. A combinação destes contextos favorece o “fortalecimento dos órgãos de fiscalização e a preocupação com a gestão do risco, conformidade e controlo interno”, enquadra João Moreira Rato.

Inteligência artificial dá salto nas preocupações mas terá de ir mais longe

Entre as recomendações cujo acolhimento mais cresceu está a prestação de informação sobre o uso que está a ser feito da inteligência artificial na tomada de decisões pelos órgãos sociais: subiu de 82% para 89%, o terceiro maior salto, e foi acolhida por todas as empresas cotadas no PSI.

Esta recomendação facilita a vida às empresas porque, de alguma forma, foi precursora, e dada a evolução da tecnologia, pode ser vista como mínima“, balança o líder do IPCG, considerando que “a IA está muito mais espalhada e os seus riscos estão muito mais imbuídos do que seria de prever na altura” em que a recomendação foi criada. Aliás, muitas empresas estarão já a ir além desta recomendação, indica.

A partir do próximo ano, irá ser criada uma nova Comissão de Acompanhamento e Monitorização, a qual apoia as empresas na adoção das melhores práticas e elabora, depois, o relatório. Nessa altura, deverá também ser revisto, mais uma vez, o Código de Governo das Sociedades. “Nessa altura a inteligência artificial vai com certeza ser tema de discussão“, afirma o líder do instituto.

Órgãos de administração “podiam enriquecer-se mais” com independentes

A recomendação menos acolhida, contando apenas 46% de adesão e apresentando uma quebra de 4 pontos percentuais, é a criação de uma comissão especializada para nomear os membros de órgãos sociais, seguida da recomendação que pede a existência de uma comissão de acompanhamento e apoio às designações de quadros dirigentes (50%). A terceira recomendação menos acolhida, com apenas 57% de adesão, refere-se à criação de uma comissão especializada em matéria de governo societário, tendo o acolhimento recuado em 2024, neste caso dois pontos percentuais.

Na lista das menos acolhidas cabem ainda várias recomendações relativas à independência dos membros da administração. Só 59% das empresas monitorizadas contam um número não inferior a um terço de administradores não executivos que cumpram os requisitos de independência.

A esta recomendação, na mesma lista, segue-se a de inclusão de uma maioria de administradores independentes na comissão de nomeações de membros dos órgãos sociais (60%) e a designação de um coordenador, por parte dos administradores independentes (61%). Apesar de tudo, esta última recomendação foi a que apresentou um maior crescimento em todo o relatório face ao ano anterior, subindo 11 pontos percentuais.

Olhando a estes números, João Moreira Rato considera que “os órgãos de administração podiam enriquecer-se mais no que toca a nomeação de independentes“, para que estes fossem forças adjuvantes no desenho da estratégia e na identificação de riscos.

O líder o IPCG faz a ponte entre as falhas na participação de independentes com outra das recomendações menos acolhidas, o “diferimento de parte significativa da componente variável de remuneração dos administradores executivos, por período não inferior a três anos“, que teve uma adesão de apenas 66%. Isto porque, considera, os administradores independentes serão provavelmente os membros “mais bem colocados” para motivarem uma visão de longo prazo.

Para Moreira Rato, o fraco acolhimento da recomendação que apela ao diferimento da remuneração é “sintoma de alguma miopia nas políticas de remuneração, muito focadas no curto prazo“.

Sustentabilidade com melhoria muito ligeira

O IPCG introduziu duas recomendações, em 2023, relativas à sustentabilidade. A primeira indica que as empresas devem criar processos para recolher e processar dados ESG (ambientais, sociais e de governança), de forma a alertar o órgão de administração sobre riscos relacionados com essas matérias e proporem-se estratégias para a sua mitigação. O acolhimento desta recomendação subiu para 86%, um aumento de apenas 1 ponto percentual, entre 2023 e 2024.

O mesmo salto de um ponto, para “aterrar” nos 80%, verifica-se quanto à segunda recomendação relativa a sustentabilidade. Esta indica que a sociedade informe, no relatório de governo, sobre o modo como as alterações climáticas são consideradas na organização e sobre a forma como pondera a análise do risco climático.

Apesar da evolução modesta, Moreira Rato assinala que “nota-se preocupação por parte dos acionistas em especificar mais as questões de sustentabilidade, torná-las mais concretas e quantificadas”.

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