Agricultores antecipam “perdas enormes” por causa da seca. Preços podem subir, mas rejeita-se escassez
Representantes do setor antecipam que a seca deste ano deixará marcas nas pastagens e no gado, nas culturas de sequeiro e nos cereais. Antecipa-se aumento de preços mas rejeita-se escassez.
“Não podemos continuar a assobiar para o lado. A seca veio para ficar, por isso temos que nos acautelar”, é o principal alerta deixado por Firmino Cordeiro, diretor-geral da Associação dos Jovens Agricultores de Portugal (AJAP). Para o responsável, as próximas semanas serão determinantes para o setor agrícola. “Se não chover, será complicado”, admite ao Capital Verde, alertando que as pastagens e o gado, as culturas de sequeiro e os cereais serão os principais prejudicados.
Numa altura em que cerca de 40% do território encontra-se em situação de seca severa e extrema, já se fazem ouvir as preocupações da parte dos agricultores. Na verdade, o próprio Ministério da Agricultura reconheceu que a situação de seca não mostra sinais de abrandamento, e a expectativa é que se agrave significativamente nos próximos meses. De tal forma se agravará, prevê o gabinete, que se espera um impacto “forte” não só no setor agrícola como também no rendimento dos agricultores.
Questionado pelo ECO/Capital Verde, o Ministério do Ambiente e da Agricultura ressalva que, neste momento, “todas as produções agrícolas nos territórios onde foi declarada a seca severa e extrema encontram-se em potencial risco”, ainda que a campanha de rega esteja assegurada e não existam, para já, condicionamentos ao acesso à água. Realidade que pode, contudo, mudar, conforme decorrem as reuniões mensais com a Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca, tal como já admitiu o ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro.
Quanto aos rendimentos, o gabinete de Maria do Céu Antunes diz que também não é possível “prever, nem calcular, com precisão” de quanto será a redução, consideração partilhada pelo secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). Para Luís Mira, “ainda é prematuro” quantificar esses impactos, “já que muitos dos efeitos da seca ainda não são conhecidos nem se sabe quando esta situação de seca terá um fim”. No entanto, antecipa “perdas enormes em alguns setores ou produções” que se irão somar à quebra de cerca de 12% da atividade agrícola registada em 2022, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística. “Estamos a falar de uma situação que é, há muito, insustentável para os agricultores portugueses”, sublinha.
Uma das principais perdas de rendimento será proveniente das pastagens e do gado, tendo já levado a CAP a alertar que o abate de animais para evitar o encerramento das explorações “poderá tornar-se inevitável”.
Para Firmino Cordeiro, “sem chuva, não há pastagens” o que obriga, consequentemente, que os agricultores recorram a alimentos alternativos fortes em proteína, como a ração ou fenos. Estes alimentos, detalha o responsável da CAP, são tendencialmente mais caros e estão atualmente sob pressão devido ao aumento da procura por parte dos agricultores espanhóis, “que também estão a ser muito afetados pela situação de seca”.
“Sem pastagens, o gado que pastoreia até come terra. Limpa as pastagens todas e perde-se qualidade. A palha fica seca”, considera o porta-voz da AJAP, acrescentando que a situação confere “riscos de prejuízo muito grandes” e obriga a que os agricultores “pensem em vender os seus animais” caso não recorram ao abate, principalmente nas regiões do Alentejo, Beira Baixa e Trás-os-Montes.
"Quem tem gado, pastagens e sequeiro vai ter problemas.”
Olhando para as culturas de sequeiro, — isto é, em terrenos que não dispõem de qualquer sistema de rega ou de aproveitamento de águas, incluindo águas pluviais — onde predomina o olival e vinha, em Portugal, as perspetivas também não são animadoras. Se da parte da produção do azeite, os produtores consultados pelo ECO/Capital Verde já antecipam dificuldades face aos “índices preocupantes” de falta de chuva dos últimos meses, as expetativas não diferem muito da produção da vinha, do amendoal e até dos cereais.
“Há culturas que estão em fase de preparação da floração. Na vinha, nos pomares em algumas regiões que são de sequeiro, as amendoeiras e pessegueiros… sofrem muito por causa das temperaturas elevadas que não são favoráveis à floração“, aponta o diretor-geral da AJAP.
Apesar das fracas condições meteorológicas, o secretário-geral da CAP explica que, nas últimas semanas, os cereais ainda conseguiram beber do resto da água que estava no solo mas nem assim terá sido suficiente, tendo afetado “o normal desenvolvimento” destas plantas, “o que terá impacto na qualidade e quantidade das produções” para o resto do ano.
Seca deverá pressionar preços mas não haverá escassez de bens
“Se a seca fosse só em Portugal, vale o que vale. Mexe pouco nos preços a nível europeu. Mas também há seca em Espanha, Itália, França… e quando estes países, que são grandes produtores, são afetados, é preocupante“, alerta a Associação dos Jovens Agricultores de Portugal, recordando que, em 2022, o preço do azeite subiu cerca de 50% face à evolução dos preços no país vizinho. “Nos cereais, seguramente, também o preço do que é produzido em Espanha vai crescer“, aponta.
Da parte da Confederação dos Agricultores Portugueses, “num cenário de subida dos custos de produção ou de redução da produção, torna-se inevitável o aumento do preço dos produtos disponibilizados aos consumidores”. Ainda assim, descarta qualquer cenário de escassez de bens alimentares, dada a integração de Portugal no mercado comum da União Europeia.
Ao ECO/Capital Verde, o Ministério da Agricultura explica que ainda não é possível “prever, nem calcular o impacto da seca nos preços de venda final ao consumidor”, mas ressalva que as evoluções estão a ser acompanhadas pelo Observatório de Preços – Nacional é Sustentável.
“Incompetência” do Ministério “roça níveis impensáveis de insensibilidade”
Para os dois porta-vozes dos agricultores, é “inadmissível” e “grave” que o problema da seca continue sem uma resposta estrutural da parte do ministério liderado por Maria do Céu Antunes. O secretário-geral da CAP acusa o gabinete de manter “tamanha inércia e falta de visão estratégica”, considerando que existem medidas estruturais “que há já muito tempo deviam estar em marcha para tornar o país mais resiliente a este flagelo”.
Já o diretor-geral da AJAP defende que sejam inauguradas “entre quatro a cinco Alquevas no país”, argumentando que devem existir “mega barragens para alimentar as restantes que têm pouca capacidade de reserva e acabam por secar no verão, altura em que o país precisa de água”.
“Esta inércia, se não fruto da incompetência que se instalou no Ministério da Agricultura, começa a roçar níveis impensáveis de insensibilidade para com não apenas o setor agroflorestal, mas também as populações de um território que agoniza sem água“, refere Luís Mira.
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