Inflação de 4% sobe pressão no Governo para aumentos salariais
Em apenas duas semanas, o Governo revê em alta a taxa de inflação prevista para 2022. Com este passo, admite que manter-se-á alta no segundo semestre e sobe a pressão para aumentos salariais.
Da esquerda e da direita, assim como dos sindicatos, chegam pedidos para aumentar os salários no setor público e no setor privado. O Governo tem colocado um travão, temendo uma “espiral inflacionista”, e tem o apoio das empresas. Porém, a revisão em alta da taxa de inflação que constará no Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) para 4%, acima dos 3,3% estimados há apenas duas semanas, coloca pressão no Executivo para aumentos salariais — ou para ir mais além na compensação do aumento do custo de vida.
Perda de poder de compra: este é o tema que está a dominar atualmente a discussão política, com o Governo a admitir que não conseguirá compensar totalmente e a oposição a acusar o PS de praticar uma “austeridade encapotada” por não atualizar os salários à taxa de inflação. Os socialistas consideram que este período inflacionista será “temporário”, mas com a revisão em alta da previsão do OE2022 a ser entregue esta quarta-feira admitem que a inflação será maior e mais persistente.
O Ministério das Finanças, agora liderado por Fernando Medina, aproxima-se assim das previsões para a inflação do Conselho das Finanças Públicas (3,9%) e do Banco de Portugal (4%). Porém, há apenas 15 dias, as Finanças, ainda lideradas por João Leão, argumentavam que a sua previsão era inferior à das outras instituições por duas razões: anteviam uma travagem da inflação no segundo semestre, “devido ao efeito base relacionado com a inflação já muito elevada no final de 2021”, e incorporavam “o efeito das medidas de política que atenuam o efeito dos preços”.
Contudo, mesmo tendo apresentado um pacote de medidas ainda mais extenso desde então, o Governo parece ter deixado cair a ideia de que a inflação vai travar na segunda metade do ano. Nos 4%, o dobro da meta do Banco Central Europeu (BCE) de 2%, a taxa de inflação coloca ainda mais pressão mediática e social nos socialistas para aumentarem os salários dos 733 mil funcionários públicos (e as 3,6 milhões de pensões), aqueles que dependem diretamente do Estado. Se um aumento intercalar — o qual é pedido por sindicatos, PCP e Bloco — está, para já, colocado fora da mesa, a dúvida está no que será negociado para o próximo ano.
A lógica deste Governo tem sido aumentar os salários com base na inflação passada (a taxa a 12 meses em novembro do ano anterior) e não na esperada para aquele ano. No Programa de Estabilidade 2022-2023, o anterior Executivo previa um aumento de 3,7% das despesas com pessoal em 2023, assumindo então uma taxa de inflação de 2,9% (IPC), o que já indiciava que não haveria lugar à aplicação do mesmo critério. Com a inflação nos 4%, torna-se praticamente impossível enquadrar nessa previsão — são automaticamente mais mil milhões de euros a que se somam os custos das progressões e promoções –, mas a previsão de subida dos gastos com pessoal pode ser revista em alta.
Será, por isso, preciso esperar por outubro (entrega da proposta do OE2023 no Parlamento) e novembro (apuramento da inflação) deste ano e o próprio primeiro-ministro remeteu essa decisão para uma “avaliação ao longo do ano” com os parceiros sociais. “Se se confirmar a natureza iminente conjuntural desta tensão inflacionista, como afirmam várias instituições internacionais, temos de olhar para a política de rendimentos do próximo ano não à luz da tensão ocasional deste ano, mas à luz do que tem de ser o poder de compra que, sustentadamente, temos de garantir às famílias portuguesas, evitando qualquer espiral de inflação”, disse António Costa no Parlamento.
Oposição acusa PS de “austeridade encapotada”. Patrões do lado do Governo
Durante o fim de semana, o ainda líder do PSD, Rui Rio, atacou o PS por “adotar uma política de austeridade” dado que “não vai adaptar os salários ao nível da inflação”, incluindo o salário mínimo (promessa mantém-se nos 750 euros em 2023), acusando o Governo de mandar as promessas eleitorais “às malvas” logo no início do mandato. Esta segunda-feira, após ter conhecido as linhas gerais do OE2022, o líder parlamentar do PSD, Paulo Mota Pinto, acrescentou que o “Governo tem como objetivo evitar a criação da espiral inflacionista, mas no fundo há aqui um regresso encapotado a uma certa austeridade“.
Costa rejeita essa abordagem dos social-democratas. No sábado, perante a comissão nacional do PS, o primeiro-ministro argumentou que “se os preços estão a subir porque os custos de produção estão a aumentar na área da energia, [ao aumentar o rendimento] iríamos só aumentar mais os custos de produção e os preços iriam aumentar e iríamos na ilusão do aumento do rendimento que rapidamente seria comido pelo aumento da inflação“. “Não, não é essa espiral inflacionista que nós queremos alimentar”, assinalou.
Esta segunda-feira, na concertação social, o patronato colocou-se ao lado do Governo. “Não podemos ser cegos e pensar que o problema da inflação se resolve com aumento de salários“, disse António Saraiva, presidente da CIP, pedindo “moderação” e argumentando que “se vamos atrás da inflação para subir os salários, não a conseguimos controlar, apenas a potenciamos“. O foco no médio prazo deve estar no crescimento económico e na produtividade e no curto prazo nas medidas que possam mitigar o aumento dos preços.
Do lado do Governo está também Mário Centeno, ex-ministro das Finanças e atual governador do Banco de Portugal, que disse, quando questionado especificamente sobre o caso da Função Pública, que as “indexações automáticas, que não é o que acontece neste caso, não são desejáveis face à inflação prevista” uma vez que dificultariam a gestão da política monetária. A previsão do Banco de Portugal para a inflação tem subjacente a continuação da “contenção salarial” e sem incorporar “efeitos de segunda ordem”, isto é, uma espiral de preços e salários.
Na discussão no final deste ano deverá pesar não só a taxa de inflação registada na altura, mas também o que se prevê para 2023, de forma a confirmar (ou desmentir) o argumento do Governo de que este fenómeno é passageiro. A previsão do CFP aponta para 2,2%, a do Banco de Portugal para 1,6% e das Finanças para 1,7% (no Programa de Estabilidade). O Fundo Monetário Internacional vai rever as suas previsões na próxima semana e a Comissão Europeia divulga novos números a 16 de maio.
No final de março, o anterior Ministério das Finanças deixava a questão em aberto. “Para 2023, assume uma taxa de crescimento das despesas com pessoal de 3,7% e existem diferentes formas de concretizar este aumento, entre o normal desenvolvimentos das carreiras, revisões das carreiras, contratações de trabalhadores para a Administração pública e atualizações salariais”, explicava então o gabinete de João Leão, notando que “o PE não concretiza esta decomposição”.
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