Susana Afonso, sócia da CMS, esteve à conversa com a Advocatus sobre as lideranças dos escritórios de advogados portugueses, a retenção de talento, a CPAS e a área de laboral.
Susana Afonso lidera a área de Trabalho e Fundo de Pensões na CMS Portugal, onde está desde 2010. Membro do Conselho de Administração do escritório, coordena e supervisiona o aconselhamento jurídico e laboral diário a empresas nacionais e internacionais, através da preparação de pareceres e memorandos, acompanhamento de negociações para a cessação de contratos de trabalho, condução de processos coletivos de despedimento e rescisão, acompanhamento e representação de clientes na negociação e revisão de instrumentos de regulamentação coletiva, condução de processos relacionados com a transferência de locais de trabalho, transferência de estabelecimento, definição de planos de compensação e organização do tempo de trabalho.
Nos últimos anos, participou e coordenou alguns dos mais importantes processos de reestruturação no país, nomeadamente no setor financeiro, segurador, industrial, farmacêutico, da construção, da aviação, do comércio a retalho e dos serviços. Faz parte ainda da atual direção da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS).
É uma das poucas rainmakers em Portugal, ainda mais numa área não transacional e tradicionalmente menos forte nos escritórios. Como é que encara essa posição? É uma fonte de pressão?
A primeira coisa a dizer é que ser advogado é, por natureza, uma profissão de alta pressão por vários motivos que facilmente se compreendem: os clientes dependem de nós em momentos muitas vezes decisivos das suas vidas ou da vida das suas empresas. Depois existe a pressão que, naturalmente, advém da confiança que os clientes depositam nas nossas mãos. Mas estas questões são algo que a experiência, a maturidade, os resultados consolidados e o crescimento, ano após ano, vão resolvendo. Hoje não sinto qualquer pressão porque, olhando em retrospetiva para o caminho que tenho feito, diria que o meu foco nunca esteve nesses resultados, mas na dedicação, no compromisso, empenho e até paixão que coloco em cada assunto, em cada cliente. É sempre difícil qualificarmo-nos a nós próprios, mas diria que também trouxe uma forma de estar na profissão e de abordar os desafios que me são colocados – a mim e a toda a equipa, que é fantástica –, uma forma mais fora da caixa e que segue quase sempre caminhos menos óbvios. Nós temos uma metodologia de trabalho muito diferente, nos processos de reestruturação, por exemplo, trabalhamos numa lógica de puro project management: concebemos, criamos e implementamos e o que entregamos ao cliente é o resultado. Os clientes valorizam imenso isso. O que faço é por prazer, por isso não sinto qualquer pressão, o sentimento é quase sempre de pura adrenalina, porque ganhar a confiança dos clientes passa sempre por muito compromisso, proximidade, disponibilidade e depois, naturalmente, no saber pensar na estratégia certa, ver o que está escrito nas entrelinhas da lei, ser criativo, ser diferente, ser arrojado, tomar risco e, no final, ser bem sucedido. Quando trabalhamos com paixão, os resultados quase sempre aparecem por si. Tem sido assim comigo, felizmente.
Temos assistido à mudança de lideranças nos escritórios e mais mulheres a assumirem o cargo de MP. Sendo a CMS um escritório internacional, as questões de género são levadas ainda mais a sério. Que caminho vai tomar a CMS Portugal neste aspeto?
Na CMS não esperámos pela entrada deste tema na agenda do setor. Há muito que as questões de género são levadas a sério, assim como o reconhecimento do mérito das pessoas, independentemente do seu género. Já há quase uma década que metade do nosso Conselho de Administração, do qual faço parte, é composto por mulheres e acho mesmo que essa diversidade faz muita diferença, proporciona ângulos de visão diferentes, que geram debate e pensamento crítico. Esta é, de resto, uma tradição que encontramos nas restantes jurisdições onde a CMS está presente. Por exemplo, na CMS de Londres, o cargo de senior partner é ocupado por uma mulher. Falando da CMS Portugal, a transição de liderança não está em cima da mesa, pelo que é cedo para prever o caminho que tomará, mas não vejo razão para a orientação e princípios de que falei se alterarem.
Como é que a CMS tem endereçado o tema da transição geracional?
A CMS mudou muito nos últimos anos, desde logo porque fizemos a transição de um escritório de raiz local para uma firma internacional. Essa realidade torna o contexto de mudança algo que, em vez de desconforto, nos traz um sentimento de renovação permanente, de energia e desafio. Os últimos anos foram também anos em que fizemos crescer significativamente as nossas equipas e juntámos mais sócios ao escritório, sendo que parte deles desenvolveram carreira sempre no escritório. São talento novo, trouxeram muito valor às equipas que tínhamos connosco e que já eram extremamente competentes, motivadas e a locomotiva da sociedade. Apostar na geração que se segue é o compromisso dos sócios atuais com o futuro do escritório.
Com o passar do tempo, as relações contratuais tendem a ser mais flexíveis e provavelmente teremos mais contratos à tarefa e menos relações estáveis.
Quais os fatores de retenção e captação de talento que destacaria?
Na advocacia, parece-me fundamental a reputação da equipa que integram, os projetos a que têm acesso, o plano de carreira associado e, naturalmente, as condições financeiras ao longo de toda a carreira. Ninguém abraça realmente um projeto que é tão exigente do ponto de vista profissional e pessoal se a organização não retribuir com um plano de carreira verdadeiramente compensador em todas as fases.
No caso da CMS, para além desses fatores, trabalhar num ambiente internacional distingue-nos de quase todos os outros players nacionais. Permite-nos antecipar problemas e soluções, ser ainda mais exigentes na qualidade do trabalho, ter acesso regular a formações internacionais, através da CMS Academy, nas mais diversas fases de carreira.
Na CMS temos três valores que aplicamos diariamente nas relações entre advogados e que permite que todos se sintam parte do projeto: envolver, energizar e impactar. É um exercício de iniciativas exigentes mas que geram resultados muito positivos do ponto de vista motivacional.
Qual o peso do departamento de laboral na CMS?
Temos tido o privilégio de nos terem vindo a confiar grandes projetos, sobretudo, de reestruturação, de contratação coletiva e de contencioso, e essa circunstância permite-nos manter uma posição de liderança no mercado. Nesse contexto é natural sermos uma área com relevância significativa no escritório. Mas o que é mesmo relevante é termos consciência diária da importância de assegurar a confiança que os nossos clientes renovam em nós, ano após ano e trabalhamos muito para devolvermos essa confiança materializada em resultados que contribuem para o crescimento da sua atividade, do seu sucesso e prosperidade. Nada se faz sem um profundo conhecimento jurídico de equipas ágeis, trabalhadoras e comprometidas e a equipa de Laboral da CMS é isso tudo e muito mais porque somos uma equipa muito coesa, com muito valor técnico e apostamos muito no desenvolvimento de soft skills, competências que nos fazem únicos na abordagem dos assuntos relacionados com pessoas. Mas uma vertente, que é a nossa assinatura, é a capacidade de fazer a entrega do trabalho jurídico assentar em relações fortes com os nossos clientes. Essa construção da relação é tão fundamental nas relações pessoais como profissionais e não sabemos nem queremos trabalhar de outra forma. Somos parceiros jurídicos, não somos prestadores de serviços jurídicos, e queremos estar e crescer juntos com os clientes.
E em termos de faturação?
A área de laboral da CMS é um departamento que também existe por si próprio, no sentido de que não vivemos exclusivamente do cross selling de outras áreas e isso também faz diferença para contribuirmos para o crescimento da sociedade.
A nossa legislação laboral consegue o pretendido equilíbrio entre trabalhadores e empregadores?
Não tenho dúvidas que o legislador em matérias laborais procura balancear os interesses das empresas com o dos trabalhadores, mas a lógica de assegurar uma justiça e paz social através de regulamentação, por vezes feita à medida dos acontecimentos, acaba por originar excesso de regulamentação e gerar entropias e comportamentos disruptivos de ambas as partes, empresas e trabalhadores.
Numa entrevista que deu há dez anos, referiu que “o emprego para a vida acabou”. Essa realidade é ainda mais expressiva em 2022?
Claro que sim e já é cultural. Se numa entrevista de emprego, quiser aliciar um advogado saído da faculdade com a ideia de um emprego para a vida, ele vai querer fugir! As novas gerações procuram/exigem flexibilidade, anseiam por diversidade de conhecimento, valorizam a inter culturalidade. O trabalho está de mãos dadas com a valorização pessoal e por isso querem viver novas experiências, ter know how em áreas totalmente distintas e em pouco tempo. E isso é fundamental para sobreviver e ser competitivo, é que hoje não há empregos, nem profissões para a vida, tudo muda muito rapidamente, há que ter sempre um plano B. Esse é o grande desafio das gerações que estão a meio das suas carreiras: adaptarem-se ao novo paradigma e para isso têm de fazer uma aposta continua na valorização e na experimentação de culturas. Para estas gerações pode ser assustador, mas não é original. Importa ter presente que estamos em plena 4.ª revolução industrial, o que significa que estas metamorfoses são cíclicas, são irreversíveis e só temos um caminho: aproveitá-las.
“Um modelo mais ambicioso da CPAS, e diria desejado, tem de passar por uma consciência de todos os advogados de que recebem na proporção do que contribuem e fazerem a sua carreira sempre pelos escalões mínimos tem consequências”
Um modelo mais ambicioso da CPAS, e diria desejado, tem de passar por uma consciência de todos os advogados de que recebem na proporção do que contribuem e fazerem a sua carreira sempre pelos escalões mínimos tem consequências.
Pela sua experiência como sócia de um escritório mas também porque lida com os departamentos de RH das maiores empresas nacionais, o que é que mudou no que faz um líder do futuro? Acha que há um gap geracional que inviabiliza que os líderes de ontem sejam os líderes de amanhã?
Não é a questão geracional que determina se uma pessoa pode liderar, ou não. São as características individuais e as circunstâncias. É a capacidade que uma pessoa tem de causar impacto nos outros e isso não tem idade.
Os líderes têm de estar atualizados e disponíveis para anteciparem a mudança. Para isso é preciso criatividade, capacidade para inspirar, promover eficiência e…. resultados.
Quais são as características de um grande advogado em 2022?
Pensamento critico, criatividade e capacidade de antecipação. Dito assim parece fácil, mas para conseguir estes três desideratos há que ter muitas outras características: a capacidade de escuta ativa, de ser adaptável à cultura do cliente, de perceber as suas necessidades, de assumir risco, este que é um tema sempre desafiante para um advogado. Estas características vão ser ainda mais valorizadas num futuro muito próximo, em que a inteligência artificial vai alterar as necessidades do serviço jurídico pelos clientes. Sim, os advogados também estão a ser desafiados a mudar os paradigmas. Já hoje temos sistemas que substituem os advogados em algumas tarefas e a IA vai oferecer uma segurança jurídica ímpar, num tempo recorde, que não está ao nosso alcance, seres meramente humanos. Então o que fica? A estratégia. Em suma: Pensamento critico, criatividade e capacidade de antecipação.
O que é que os clientes vão exigir daqui a 10 anos?
Há uma coisa que nunca irá mudar: os clientes vão sempre exigir resultados. Mas, para os alcançar, e tal como disse anteriormente, vamos ter que estar dotados de grandes níveis de criatividade, pensamento critico e disruptivo. É evidente que os clientes estão cada vez mais concentrados em trabalhar com consultores externos que estão empenhados em fornecer soluções jurídicas inovadoras, rentáveis e eficientes. Assim, a melhoria da produtividade / eficiência dos serviços será, cada vez mais, fundamental para o sucesso contínuo de qualquer escritório de advocacia, particularmente num mercado altamente competitivo como o da advocacia.
Com a pandemia já ouvimos que o futuro era o teletrabalho e agora já ouvimos que poucos querem realmente o teletrabalho, pelo menos permanente. Para onde acha que caminhamos?
Quando falamos de teletrabalho estamos sempre a falar de um balancear de interesses: as empresas reduzem os espaços e os custos associados, enquanto os trabalhadores alcançam um equilibro entre vida profissional e pessoal. Por isso, haverá sempre um modelo híbrido. Mas se me pergunta para onde caminhamos respondo-lhe que, com o passar do tempo, as relações contratuais tendem a ser mais flexíveis e provavelmente teremos mais contratos à tarefa e menos relações estáveis. A componente da relação humana vai-se tornar menos relevante e o que fica será a realização de tarefas concretas. É a flexibilidade exigida pela sociedade atual e a tal alteração de paradigma que vai acontecer e tocar a todos.
O regime está a tornar-se de tal ordem complexo e exigente, que as empresas ponderam deixar de lado o teletrabalho como opção para os seus colaboradores.
A nossa legislação está adaptada a esse modelo do futuro?
O futuro é uma alteração total de paradigma nas relações laborais, não há como evitar isso. O que a nossa legislação laboral está a fazer é criar níveis de protecionismo à medida do acontecimento. Temos o exemplo do teletrabalho, da regulação da gig economy e os temas de governance mais recentemente relacionados com o ESG, como o direito a desligar. No final a revolução vai acontecer e estará sempre à frente do legislador. É uma corrida desigual.
O regime em vigor há seis meses estabelece o dever de o empregador compensar integralmente todas as “despesas adicionais” do trabalhador em regime de teletrabalho. Tem sido fácil definir o que são estas despesas adicionais?
A dificuldade não está tanto na definição, mas sim na sua fórmula de cálculo, i.e, na sua quantificação e repartição. Os acréscimos com luz e internet, por exemplo, levantam uma séria de questões de ordem prática que, a meu ver, não foram contempladas pelo legislador. Quando se vive em casa partilhada, em que há várias pessoas em teletrabalho, de que forma é que se repartem as despesas? Ou um trabalhador que nunca teve despesas em seu nome? Ou seja, há uma série de questões que ficam em aberto e às quais a legislação, até agora, não soube responder.
As empresas têm optado por pagar um valor fixo a título de “compensação” aos teletrabalhadores?
Essa solução evitaria muitas questões e trazia maior segurança perante este cenário de indefinição que descrevi. O regime está a tornar-se de tal ordem complexo e exigente, que as empresas, que têm já uma estrutura montada e condições para receber trabalho presencialmente, ponderam deixar de lado o teletrabalho como opção para os seus colaboradores. Este é mais um caso em que o excesso de legislação, em vez de facilitar as relações entre empregador e colaborador, acaba por ser contraproducente e criar entropias entre as partes.
A maioria dos trabalhadores optam por não fazer o pedido às empresas?
Por ocasião do confinamento o teletrabalho foi, em muitos casos, a única solução. Atualmente é, sobretudo, um regime que interessa mais ao trabalhador, pois vê no teletrabalho uma possibilidade de uma maior conciliação da sua vida profissional com a sua vida pessoal, e em que, um eventual acréscimo de despesas, acaba por compensar uma diminuição de um gasto que deixa de ter por estar neste tipo de regime. Falamos concretamente em custos como o transporte ou a alimentação em restaurante. Há um justo equilíbrio e interesse que se paga a si mesmo.
A CPAS é um tema sensível para a classe, como bem sabe. O ponto é: a CPAS tem capacidade para proteger os advogados com doenças ou advogadas acabadas de ser mães?
A CPAS já hoje tem essa capacidade e tem vindo progressivamente a aumentar as coberturas sociais, designadamente através dos Benefícios Imediatos de nascimento, maternidade, internamento hospitalar e de apoio à recuperação e através da oferta de um Seguro de Acidentes Pessoais, de um Seguro de Assistência Médica Permanente e, mais recentemente, de um Seguro de Proteção de rendimento em caso de Incapacidade Temporária para o exercício da profissão em caso de doença ou acidente. Complementarmente, a CPAS tem ainda vindo a celebrar protocolos com companhias de seguros para que os advogados possam reforçar as suas coberturas de saúde, vida, incapacidade temporária absoluta e doença ou acidente. A questão que julgo que se coloca é de saber se, porventura, a CPAS tem condições para proteger mais do que protege atualmente e, nesse caso, e quero deixar claro que é uma posição pessoal, o que posso responder é que um modelo mais ambicioso, e diria desejado, tem de passar por uma consciência de todos os advogados de que recebem na proporção do que contribuem e fazerem a sua carreira sempre pelos escalões mínimos tem consequências, pois há que ter presente que a CPAS é um caixa de previdência, pelo que a sua principal preocupação tem obrigatoriamente de ser a salvaguarda da reforma dos advogados e outras proteções nunca podem por em causa este seu propósito.
E tem sustentabilidade?
Se compararmos com o sistema alternativo da Segurança Social, sem dúvida que a CPAS tem uma sustentabilidade mais robusta. O último estudo de sustentabilidade, que é o de 2021, demonstra que num cenário meramente teórico em que não sejam recebidas quaisquer contribuições, o montante do fundo de Reserva da CPAS permite o pagamento de pensões e subsídios durante sensivelmente 4 anos e 8 meses, que compara com os 18 meses que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social garantiria em igual cenário (dados de 2020). Nenhum dos cenários é famoso, mas sem dúvida que a CPAS está em melhor posição de garantir uma maior sustentabilidade.
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