Exclusivo As almofadas do défice e os riscos da economia em 2023
Fernando Medina entrega esta segunda-feira a proposta de Orçamento para 2023, com objetivo de défice que mostra uma almofada para o que aí vem. E um crescimento económico que depende do investimento.
Fernando Medina entrega esta segunda-feira, às 13h00, a proposta de Orçamento do Estado para 2023, com um cenário macroeconómico e objetivo de défice e de dívida pública já conhecidos. A economia crescerá 1,3%, enquanto o défice deverá cair para 0,9% do Produto Interno Bruto (PIB) e a dívida pública para 110,8%. É um quadro macroeconómico e orçamental que tem almofadas do lado do défice, mas também tem riscos do lado da economia.
De acordo com as informações partilhadas por Fernando Medina no encontro com os grupos parlamentares na última sexta-feira, a estimativa de défice para este ano mantém-se nos 1,9%, depois de um ano em que o Estado está a registar um aumento da receita fiscal que deverá superar em cerca de quatro mil milhões o valor orçamentado. No Orçamento de 2022, que entrou em vigor final de junho, o Governo apontou para um crescimento da receita de três mil milhões de euros (em contabilidade pública), mas, até agosto, segundo os dados de execução orçamental, o aumento da receita já estava acima dos seis mil milhões. Esta evolução poderia sustentar a possibilidade de uma atualização da estimativa da conta das administrações públicas para este ano, mas o Governo, pressionado pelo contexto de elevada inflação e impacto no rendimento real das famílias e nas contas das empresas, avançou com planos de apoio anunciados num valor global de 3,8 mil milhões de euros.
O ponto são as medidas do plano de apoio às famílias, como medidas Covid que acabaram por se estender para 2022, além da injeção de capital na TAP, cuja última prestação será realizada este ano.
As contas do Conselho das Finanças Públicas são claras: “A incorporação das medidas de mitigação do choque geopolítico e das medidas do Plano ‘Famílias Primeiro’ na atual projeção implica, por si só, um impacto desfavorável de 3.525 milhões de euros no saldo orçamental no corrente ano, estimando-se um impacto favorável de dimensão semelhante em 2023, no pressuposto da eliminação da quase totalidade dessas medidas no final do corrente ano”, lê-se relatório do organismo independente liderado por Nazaré da Costa Cabral. Face às projeções de março do Conselho das Finanças Públicas, as contas de 2022 foram prejudicadas em cerca de mil milhões de euros pelas medidas Covid, além da capitalização da TAP.
Assim, na verdade, a redução do défice das Administrações Públicas entre 2022 e 2023 não é, na verdade, de 1,9% para 0,9%. Há várias almofadas que permitirão a Fernando Medina gerir o objetivo de défice e sobretudo a redução da dívida pública num ano de instabilidade económica e financeira — a guerra da Ucrânia ainda não tem desfecho claro, e os seus impactos nos preços são difíceis de determinar. Um exemplo: com o “truque” das pensões, isto é, com a antecipação de mil milhões de euros de pagamento das pensões que seriam pagos em 2023 por força da lei da atualização das pensões, e que serão pagos esta segunda-feira, são menos 0,4% do PIB de despesa que não se repetirá no próximo ano.
As contas orçamentais de Fernando Medina para 2023 têm uma prioridade de política externa: retirar Portugal tão rapidamente quanto o possível do grupo dos países do euro com dívida pública mais elevada, a Itália e a Grécia. O ministro das Finanças aposta tudo — foi exatamente o que disse nas reuniões com os grupos parlamentares, segundo informações a que o ECO teve acesso — na redução do peso da dívida em 2023 e 2024, colocando Portugal num grupo de países intermédios, e mais próximo da média da dívida pública nos países da União Europeia. Por razões de risco perante os investidores, mas também orçamental: ao contrário do que sucedeu nos últimos anos, a despesa com juros vai aumentar em 2023, decorrente da pressão de novas emissões de Bilhetes do Tesouro (até 12 meses) a um juro que já ultrapassa os 2%.
O risco está do lado da previsão de crescimento económico, 1,3% em termos reais e uma evolução do PIB nominal de 4,9%, isto é, com um deflator do PIB de 3,6%, de acordo com o cenário macroeconómico subjacente ao orçamento de 2023. Mas esta evolução do crescimento económico é, no mínimo, ambiciosa. Por razões de ordem externa, que não estão nas mãos de Costa e Medina, e por motivos internos, esses mais na esfera de decisão do Governo e da Administração Pública.
Por um lado, a principal economia do euro, a Alemanha, vai entrar em recessão. No boletim de setembro, publicado há dias, os economistas do banco central da Alemanha, o Bundesbank, anteciparam que a economia alemã entrará em recessão, o que consideram ser “um declínio acentuado, grande e duradouro da produção económica”. E mesmo a Zona Euro vai apresentar uma situação económica de estagnação, como aponta a OCDE.
Por outro lado, tendo em conta a mais do que previsível retração do consumo privado, o crescimento económico em Portugal estará dependente da aceleração da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), leia-se o investimento público e privado. Mas a realização de investimento em 2022 deixa no mínimo dúvidas sobre os objetivos para 2023.
No boletim económico de outono, o Banco de Portugal alerta para o andamento lento do investimento, e aponta para uma variação de 0,8% em 2022, abaixo do crescimento nominal da economia, e quando em 2021 o crescimento deste indicador foi de 8,7%. “Nas estatísticas de 2022, será o primeiro ano, depois de muitos, em que o consumo privado cresce mais do que o investimento. Esta é uma grande preocupação para o futuro. O investimento é o que gera rendimento no futuro”, referiu o governador Mário Centeno no encerramento da conferência “O Impacto da Nova Ordem Mundial na Economia Europeia”, organizada pelo ECO, em parceria com a Morais Leitão, PLMJ e VdA.
A execução do PRR, a chamada “bazuca” europeia, é crítica para o crescimento económico em 2023. Mas como alertava o Conselho das Finanças Públicas, “de acordo com a informação disponível ao primeiro semestre de 2022, a estimativa de execução do CFP seria cerca de 300 milhões de euros, o que representa aproximadamente 10% do valor constante na previsão do OE/2022 [Orçamento do Estado para 2022]. Apesar desta baixa execução na primeira metade do ano, a estimativa anual do CFP considera ainda assim uma execução aproximada de 60% do valor previsto no OE/2022″. Para se cumprirem os objetivos de 2023, a execução do PRR tem de acelerar.
Sobra a inflação, que o Governo aponta para 4% em 2023, um abrandamento significativo face às estimativas para este ano, entre os 7% e os 8% (o Governo refere uma inflação de 7,4%). É, como na evolução do PIB, um número… ambicioso, e totalmente dependente do que suceder no contexto externo. O Banco de Portugal considera que o pico da inflação foi atingido no terceiro trimestre deste ano, mas em outubro chegam, por exemplo, as atualizações dos preços de bens energéticos, e a Euribor continua a pressionar os custos de financiamento, seja de habitação ou de investimento.
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