Comércio internacional: As viagens de Marcelo, Costa e Caldeira Cabral

As exportações têm puxado pela economia portuguesa nos últimos anos. Mas existem pressões protecionistas a prejudicar o comércio internacional. Quais têm sido as apostas do país nas visitas oficiais.

Fotomontagem de Raquel Sá MartinsFotomontagem: Raquel Sá Martins

Em 2015 a economia portuguesa cresceu 1,6%. Em 2016, no total do ano, o PIB desacelerou ligeiramente crescendo 1,4%. No entanto, o quarto trimestre surpreendeu com a economia a acelerar novamente. Nos últimos anos o Produto Interno Bruto tem sido impulsionado pelas exportações com o saldo comercial a dar um contributo positivo. 2017 recebeu por arrastamento a aceleração do final do ano passado, mas terá desafios: mercados como o angolano já não são o que eram e a ligação ao Reino Unido e Estados Unidos — dois parceiros comerciais fulcrais — pode vir a deteriorar-se.

Esta sexta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa discute com os seus conselheiros de Estado a situação do comércio internacional. O Conselho de Estado contará com um convidado especial relacionado com o tema: o brasileiro Roberto Azevêdo, recentemente reconduzido como diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), fará parte da discussão.

Numa altura em que a pressões protecionistas se acumulam em várias áreas do globo, têm sido várias as visitas oficiais ou de Estado que têm como objetivo desbravar terreno para consolidar as trocas comerciais. Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, acumulam já várias milhas nos seus passaportes. O ECO selecionou as principais viagens e os seus objetivos para perceber quais são as apostas dos atuais responsáveis políticos para Portugal.

1 – Índia

De todas as visitas, esta foi a mais badalada. O protagonista? António Costa, o primeiro chefe de um Governo ocidental com origem indiana. A Índia recebeu de forma pomposa o primeiro-ministro português de tal forma que havia cartazes espalhados pelo país, como se tratasse de um artista de música ou uma estrela de cinema. Entre as várias iniciativas, Costa e o secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos, participaram num evento sobre startups. Em Goa, o primeiro-ministro encontrou-se com empresários de Bollywood para captar investimentos na área do cinema.

Apesar de o crescimento económico na Índia estar a abrandar, mesmo assim esta é uma economia emergente a crescer a mais de 7% ao ano. É até superior ao da China. Em 2015, Portugal exportou apenas cerca de 80 milhões de euros para a Índia. Os indianos foram o 46º cliente de Portugal e o seu 17º fornecedor. Já Lisboa era o 58º cliente de Nova Deli e o seu 106º como fornecedor. Além disso, as receitas provenientes de turistas indianos em Portugal na hotelaria ascenderam a 10,1 milhões de euros em 2015, uma subida de 97,8% face ao ano anterior. Isto resulta num saldo negativo da balança comercial de 350,3 milhões de euros para Lisboa.

Na Índia já operam empresas portuguesas como a Efacec, a Brisa ou a Visabeira. A ideia da visita foi reforçar as áreas do ambiente (saneamento, recolha de lixo e abastecimento de água), da defesa (a Índia é um dos principais compradores mundiais de armamento), ciência, turismo e de startups. O primeiro-ministro Modi, antes da visita, tinha destacado os vários setores onde as empresas portuguesas têm experiência útil, conhecimento e competências: áreas como a das “infraestruturas — especialmente na área das estradas, portos e vias navegáveis interiores –, a defesa, a energia (eólica, solar e hidroelétrica), as TIC e as startups, gestão de águas e resíduos, agricultura e processamento de produtos agrícolas, cooperação marítima, cinema, turismo e hospitalidade”.

As startups indianas marcaram forte presença na Web Summit, em novembro do ano passado. Na visita à Índia, o primeiro-ministro anunciou que o Governo português vai adotar um programa de facilitação de vistos destinado a jovens indianos, abrangendo universitários empreendedores em ‘startups’. Depois de assinado um memorando de entendimento entre a Start-up Portugal e a Start-up Índia, o primeiro-ministro deixou um apelo para que os jovens indianos tirem partido desta medida de facilitação de vistos. Além disso, o Governo irá avançar com a desburocratização administrativa para facilitar as relações entre os dois países no âmbito do Simplex+.

Em julho do ano passado, o ministro da Economia já tinha ido à Índia. Também nessa visita foi anunciado que a Índia escolheria Portugal como base europeia de negócios, não só pela ligação à União Europeia, mas também pela proximidade com os mercados africanos.

2 – China

Logo a seguir à Índia, a China é das economias que mais cresce atualmente: para 2017 a meta é de 6,5%. O país esteve em destaque no encontro de Davos deste ano com uma participação recorde. Xi Jinping foi o primeiro Presidente chinês a participar no Fórum Mundial, o que demonstra uma maior abertura perante o comércio internacional. Outro sinal foi o anúncio de que a China ia reduzir, rapidamente, em 2017, as restrições ao acesso de investidores estrangeiros. O investimento chinês em Portugal — até agosto de 2016 — excedeu os 6,6 mil milhões de euros, em setores que vão desde a energia, eletricidade, comunicação, aviação civil, bancos, seguradoras, cuidados de saúde, proporcionando oportunidades de emprego a mais de 21 mil pessoas.

Em fevereiro, Portugal passou a estar mais ligado à China: os produtos vindos de países de língua portuguesa vão ter direito a condições especiais de entrada no território chinês. A isenção de impostos alfandegários, acesso a uma linha de financiamento, uma estrutura logística que considera transporte, armazenamento, centros de exposição e distribuição, campanhas de marketing e organização de ações promocionais são algumas das medidas que integram a criação da zona livre de comércio para produtos dos países de língua portuguesa, apresentada em Tianjin, na China.

Ainda no final do ano passado, o Expresso noticiou que o Governo estava a preparar a criação de um fundo para atrair investimento estrangeiro por parte de países como a China, a Coreia do Sul ou os países do Golfo Pérsico para Portugal. Na visita que António Costa fez em outubro à China, o primeiro-ministro trouxe vários avanços na bagagem: uma parceria entre a NOS e a Huawei, uma ligação direta aérea entre Portugal e a China em junho deste ano, um memorando de entendimento com foco no empreendedorismo entre Portugal e Macau, um acordo para promover a vinda de empresas chinesas para a Zona Industrial e Logística de Sines e, finalmente, um interesse particular das autoridades chinesas na Base das Lajes, depois do desinvestimento feito pelos Estados Unidos.

Muito recentemente, o Ministério da Economia regressou à China para fazer um ‘pitch’ aos empresários chineses. O objetivo de Caldeira Cabral, presente no Boao Forum (o Davos asiático), era vender a imagem de que os portos portugueses são uma porta aberta para o mercado único da União Europeia. Ao contrário do que acontece noutros mercados, os chineses estão neste momento abertos a uma maior globalização, rejeitando o protecionismo que emerge em alguns países. “Não podemos ignorar que metade do crescimento no mundo está a acontecer na Ásia. A China, e também a Índia, são parceiros chave para o desenvolvimento mundial”, disse Caldeira Cabral, esta semana, em declarações à CGTN.

3 – Davos (Suíça)

No final de janeiro, a pequena cidade de Davos, na Suíça, voltou a ser invadida pelos mais importantes nomes políticos e económicos do mundo. Entre eles estiveram vários portugueses: António Guterres enquanto secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Horta Osório enquanto presidente executivo do Lloyds, António Costa enquanto primeiro-ministro, Manuel Caldeira Cabral enquanto ministro das Economia e João Vasconcelos enquanto secretário de Estado da Indústria. O evento serviu, tal como no passado, para projetar a imagem de Portugal no mundo como uma economia em recuperação.

Um desses casos foi o encontro entre o chefe do Governo português e a líder do Fundo Monetário Internacional. Christine Lagarde terá elogiado não só a consolidação orçamental mas também “a criação de emprego, o crescimento económico e a estabilização do sistema financeiro”. Depois do encontro, Costa revelou que a “primeira mensagem foi de congratulações” por Portugal ter tido “um resultado surpreendente para aquilo que eram as previsões iniciais do FMI”. Os encontros alargaram-se ao comissário europeu Carlos Moedas, ao presidente do Banco Europeu de Investimento e do mayor de Londres, Sadiq Kahn. Além dos políticos presentes, também os principais empresários portugueses estiveram no encontro, ao lado de investidores internacionais e potenciais clientes.

O ministro da Economia não aproveitou o encontro para convencer os executivos da Tesla a instalarem uma sede em Portugal, mas deixou uma garantia: a dívida portuguesa vai baixar. Manuel Caldeira Cabral teve na agenda várias reuniões previstas com empresários e empresas. Mas também reuniu com outros ministros da Economia de vários países, como é o caso do Canadá, Argentina e Arábia Saudita. “Este ano vamos a Davos com uma mensagem mais positiva, de um país que está a sair de um problema de défice excessivo, uma mensagem do país que teve no terceiro trimestre do último ano o melhor crescimento da União Europeia, uma mensagem do país que também está a desenvolver políticas de atração de investimento, políticas de apoio ao empreendedorismo e às startups”, revelou Caldeira Cabral antes da visita.

4 – Brasil

Em novembro do ano passado, Caldeira Cabral foi a São Paulo, onde assinou um memorando de cooperação para o desenvolvimento e internacionalização de startups com a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), o maior sindicato patronal do Brasil. Em declarações à Lusa, nessa altura, o ministro das Economia referiu que “num futuro próximo, poderemos ter empresas portuguesas desenvolvendo negócios interessantes no Brasil ou sendo apoiadas financeiramente pelas incubadoras que atuam aqui“. Caldeira Cabral prometeu ainda apoiar um evento de startups brasileiro, a Acelera, e trazer mais empresas inovadoras brasileiras à Web Summit nos próximos anos.

Em setembro, foi a vez de secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos, ir a Belo Horizonte assinar um contrato entre o CEiiA (Centro de Engenharia e Inovação) e o Estado de Minas Gerais, cujo objetivo é a implementação do projeto mais avançado do Brasil na área dos veículos elétricos.

O Brasil é também um dos vários países onde Portugal está à “caça” de mais turistas. A Estratégia Turismo 2027 classifica o mercado brasileiro como um mercado com potencial de crescimento. Os turistas brasileiros têm uma despesa média elevada e baixa sazonalidade. O país esteve até presente na 29º edição da Bolsa de Turismo de Lisboa.

Em setembro, António Costa também esteve no Brasil, mas a visita foi mais focada no setor cultural, nomeadamente no Museu da Língua Portuguesa, e também nos Jogos Paralímpicos. Um depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter estado em Terras de Vera Cruz, o primeiro-ministro foi ao Brasil para lançar uma iniciativa de captação de investimento empresarial. “Portugal e o Brasil não se podem conformar com a relação económica que têm”, afirmou na altura à Lusa, referindo que “tem havido uma melhoria nos últimos 20 anos, mas ainda há muito para avançar”.

Já no verão, em julho, os dois países tinham celebrado o resultado de uma parceria a nível militar com a construção da aeronave KC-390, que vai ser usada no combate dos fogos florestais.

5 – Reino Unido

A meio de novembro do ano passado, cerca de cinco meses depois de o britânicos decidirem sair da União Europeia, o Presidente da República visitou o Reino Unido. Marcelo Rebelo de Sousa encontrou-se com a Rainha Isabel II, Theresa May, empresários e banqueiros. A comitiva do Presidente foi acompanhada por uma comitiva do Governo liderada pelo ministro das Finanças, Mário Centeno. As preocupações na bagagem estavam relacionadas com o Brexit, nomeadamente as trocas comerciais, mas principalmente sobre a situação dos portugueses que vivem no país.

As autoridades portuguesas estão a confiar no passado histórico entre os dois países, mas tudo vai depender da forma como decorrerem as negociações entre o Reino Unido e a União Europeia. Na comitiva estava a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, mas também o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro. Ambos tiveram um encontro com Alan Duncan, o secretário de Estado britânico responsável pelos assuntos europeus mas também com os presidentes da comissão dos assuntos europeus da câmara dos lordes e da câmara dos comuns. A preocupação esteve centrada na situação da comunidade portuguesa no Reino Unido.

Pelos encontros que teve e pelo discurso de May, Margarida Marques interpretou, em declarações ao ECO em janeiro, a ambição britânica: “Não pretende o mercado interno, mas pretende um acordo comercial de livre circulação de bens, serviços e capitais com a UE. Por outro lado, propõe um outro acordo que tem a ver com a mobilidade das pessoas”. É que o Reino Unido acolhe mais de 200 mil emigrantes portugueses e o futuro destes cidadãos continua a ser incerto. A questão coloca-se ainda para as empresas que lá estão e para as exportações portuguesas, que têm sido um dos motores da economia: o Reino Unido é o quarto maior cliente e sexto fornecedor de comércio internacional de bens para Portugal.

O Presidente da República afirmou, nessa altura, que “o mundo muda, a Europa muda, mas as nossas relações bilaterais não mudam”. “Eu e o Governo português estamos profundamente empenhados nesta ambição nacional de captar investimento estrangeiro direto essencial para manter crescimento, empregos e desenvolvimento social e económico”, concluiu Marcelo Rebelo de Sousa, mantendo a aposta na “ancestralidade” das relações entre os dois países. Tudo vai depender da resposta à seguinte questão: o Reino Unido vai ou não manter o acesso ao mercado único europeu? Se as outras visitas tinham como objetivo a expansão, no caso dos britânicos Portugal tentou e tentará manter a relação benéfica para o saldo comercial.

A alegria de Moçambique e os problemas diplomáticos em Angola

Em ano e meio de Governo e um ano de Marcelo já foram muitas as milhas acumuladas. Além da Índia, China, Davos, Brasil e Reino Unido, as autoridades portuguesas já mantiveram contactos com outros Estados. Uma das visitas mais badaladas, apesar do seu teor económico ter sido menor, foi a do Presidente da República a Moçambique. A visita, em maio do ano passado, foi marcada por imagens de alegria, mas a situação política interna era de tensão. Com a crise financeira moçambicana em mente, Marcelo quer que haja investimento português em força para ajudar o país. Este é um mercado com 25 milhões de pessoas que, apesar de terem pouco poder de compra, está em desenvolvimento e pode ser aproveitado pelas empresas portuguesas, como é o caso da fábrica da Sumol+Compal.

Mais uma visita emblemática de Marcelo foi o encontro com Fidel Castro, em Cuba. Em outubro do ano passado, o Presidente da República, acompanhado por uma comitiva parlamentar, foi em visita de Estado a Havana e concluiu que este é “um momento único” para estreitar as relações económicas entre os dois Estados: “Há um clima favorável, há um diálogo reforçado, há uma empatia”, disse na altura. Este é mais um exemplo que se junta a muitas outras visitas: António Costa já foi a Cabo Verde, Alemanha, Grécia, Suécia e Marrocos, e Caldeira Cabral tem um passaporte recheado com visitas à Colômbia, Itália, Luxemburgo, Estados Unidos e Macau.

Um dos problemas das exportações portuguesas no último ano chama-se Angola. Mas o problema alargou-se ao âmbito diplomático, político e empresarial quando o Ministério Público constituiu arguido o vice-presidente angolano, Manuel Vicente. Em causa ficou logo de imediato a visita da ministra da Justiça ao país — que foi adiada –, mas também uma futura visita de António Costa. No final de fevereiro, o Jornal de Angola insistiu nas críticas a Portugal acusando o país de fazer uma “campanha orquestrada para denegrir a imagem de Angola”. O Estado português reiterou a disponibilidade do primeiro-ministro para fazer uma visita a Angola. A meio deste mês, a operadora de televisão por satélite angolana Zap, da empresária Isabel dos Santos, interrompeu a difusão dos canais SIC Internacional e SIC Notícias nos mercados de Angola e Moçambique.

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