Da construção ao têxtil, empresas pagam salários mínimos acima do definido pelo Governo
Governo aplicou "maior aumento alguma vez ocorrido" ao salário mínimo nacional, puxando-o para 820 euros. Mas há empresas nas quais o ordenado mais baixo já está acima dessa fasquia.
Mesmo sem acordo de todos os parceiros sociais, o Governo avançou com o “maior aumento alguma vez ocorrido” do salário mínimo nacional, que chegou, assim, este mês aos 820 euros. Há empregadores, apontam os economistas, para as quais esse salto será desafiante. Mas também há empresas nas quais o ordenado mais baixo já está (bem) acima da fasquia fixada pelo Executivo de António Costa, da indústria à banca, passando pela construção. O próprio Estado, enquanto empregador, já têm um salário mínimo superior ao nacional, mas a diferença é de menos de dois euros.
Comecemos pelo setor do papel. A partir deste mês, o salário mínimo de entrada praticado na Navigator está fixado em 907 euros, avançou ao ECO fonte oficial. Em causa está uma diferença de 87 euros face ao salário mínimo nacional.
Além disso, ao fim de seis meses com avaliação positiva, o trabalhador passa a receber 937 euros, aumentando o fosso face ao salário mínimo nacional para 117 euros.
Fonte oficial da papeleira destaca ainda que a estes montantes é preciso somar o subsídio de refeição (189 euros mensais), os subsídios de turno, os prémios e a distribuição de resultados e os benefícios sociais. Contas feitas, “atualmente, nenhum colaborador da Navigator aufere menos de 1.000 euros mensais“, garante esta empresa portuguesa.
Esta diferenciação face ao salário mínimo nacional serve para valorizar os 3.450 trabalhadores ao serviço desta empresa, mas também se enquadra numa lógica de responsabilidade social e está ligada a questão de atratividade, detalha a Navigator.
A Navigator vai continuar a reforçar o rendimento disponível dos seus colaboradores, nomeadamente através da subida do salário mínimo que em 2025 será, isoladamente, perto de 1.000 euros.
De olhos no futuro, a papeleira adianta ao ECO que já em 2025 o seu salário mínimo subirá para 1.000 euros, aos quais acrescerão os tais subsídios e benefícios. “Com esta medida, a empresa visa antecipar, em três anos, o objetivo (de 1.000 euros para 2028) proposto pelo atual partido no Governo“, observa fonte oficial.
Do papel para o mobiliário e decoração. Depois de, no último ano, ter aumentado o seu salário mínimo de 750 euros para 1.000 euros, a IKEA decidiu manter esse valor em 2024.
Conforme avançou em primeira mão o ECO, a diretora de recursos humanos, Eliska Novotná, considera que esse é um “valor competitivo“, até porque está a ser complementado por uma subida do subsídio de refeição, para sete euros diários.
Em conversa com o ECO, a responsável salienta também que o custo de vida em Portugal “aumentou muito”. Ora, a IKEA, realça Eliska Novotná, tem “a visão de uma vida quotidiana melhor”, a começar pela dos seus trabalhadores. “E para que sejam capazes de viver uma vida melhor precisam de um salário decente. É a nossa maior motivação” para pagar um salário mínimo acima do nacional, adianta a diretora de recursos humanos.
Razões semelhantes levaram a construtora Garcia Garcia a subir o seu salário mínimo para 875 euros este ano, 75 euros acima do que tinha praticado no último ano e 55 euros acima da fasquia nacional.
Com a subida do ordenado mínimo, a Garcia Garcia procura potenciar a captação e retenção, assim como promover o bem-estar dos seus colaboradores
Um dos motivos para essa subida foi, então, a promoção do bem-estar dos trabalhadores, num momento em que a inflação ainda gera preocupação entre as famílias portuguesas. Outro foi, assinala a empresa, a atração e retenção de talento, numa altura em que a mão de obra escasseia e a busca de talento tornou-se mais complicada.
Da construção para a indústria, a gigante têxtil Riopele anunciou que o seu salário base mensal iria subir de 780 para 840 euros, ou seja, 20 euros acima do salário mínimo nacional. Na visão desta empresa portuguesa, tal subida salarial visa “contribuir para a melhoria da situação social de grande parte dos trabalhadores“.
Esta medida foi tomada pela Riopele, apesar de o enquadramento económico não ser, neste momento, o mais favorável para a indústria têxtil. A gigante fala em “mercados externos em situação anémica”. E o desafio é tal que o Governo criou um apoio para a manutenção do emprego no setor têxtil.
Já na banca, o Santander Totta, por exemplo, também está a garantir um salário mínimo acima do nacional. Fonte oficial indicou ao ECO que o ordenado mais baixo é de 1.400 euros, quase 600 euros acima do limite definido pelo Governo de António Costa.
No retalho também se promete diferenciação face ao mínimo nacional
No retalho, o Lidl, por exemplo, aumentou em janeiro do ano passado o seu salário mínimo para 820 euros, valor que se mantém por agora — ficando alinhado com o salário mínimo nacional –, mas poderá vir a mudar em breve.
O departamento de comunicação corporativa explica ao ECO: “o Lidl Portugal estabelece como condição mínima de entrada aos seus trabalhadores na operação — loja e entrepostos — para uma carga horária de 40 horas semanais, um vencimento base de 820 euros brutos mensais. No entanto, como parte da nossa estratégia salarial, queremos posicionar-nos acima do salário mínimo nacional, pelo que no início de fevereiro anunciaremos outras medidas que nos diferenciarão”.
Segundo essa fonte, tal divergência face à fasquia nacional pretende que os trabalhadores se sintam reconhecidos e valorizados pela empresa. Além disso, praticar um salário mínimo acima do nacional “continua a ter um grande peso na atração de talento“, reconheça a retalhista.
E enquanto as referidas medidas não são conhecidas, o Lidl avança que reviu em alta o subsídio de refeição, de 7,63 euros para 9,6 euros, “o valor máximo legal não tributável”, num investimento de 3,5 milhões de euros“.
“Adicionalmente, desde janeiro deste ano, como parte da revisão salarial anual da empresa, todos os colaboradores de loja e entreposto sofreram aumentos salariais de até 10%, seja por progressão em escalões já existentes ou pela criação de um escalão adicional”, revela a mesma fonte.
Em outubro outubro do ano passado foi assinado um acordo na Concertação Social que previa uma subida do salário mínimo nacional para 810 euros em 2024. O Governo de António Costa veio, porém, mostrar abertura para ir mais longe, e em outubro deste ano, esse acordo foi revisto.
Assim, afinal, o salário mínimo nacional subiu este mês de 760 para 820 euros, ou seja, deu-se um salto de 60 euros, o equivalente a 7,9%. “É o maior aumento anual do salário mínimo alguma vez ocorrido“, realçou o primeiro-ministro.
Também a ministra do Trabalho tem feito questão de destacar a expressividade dessa subida. Ana Mendes Godinho acrescentou, numa audição Parlamentar que, apesar da trajetória ascendente da retribuição mínima garantida, o número de trabalhadores abrangidos por ela está em mínimos de sete anos.
Partidos prometem novas subidas, de olho na urna
O acordo de rendimentos assinado pelo Governo de António Costa com as quatro confederações patronais e a UGT previa que o salário mínimo chegaria a, pelo menos, 900 euros em 2026. A demissão do primeiro-ministro e a antecipação das eleições legislativas colocaram, contudo, em causa essa trajetória.
Num momento de pré-campanha eleitoral, os vários partidos já têm sinalizado que aumentos pretendem aplicar ao salário mínimo, caso saiam vencedores da ida às urnas de 10 de março.
No caso do PS, Pedro Nuno Santos prometeu puxar o salário mínimo nacional para 1.000 euros até 2028. No entanto, ainda esta semana, o socialista deixou claro: só será possível aumentar os salários, se a economia portuguesa for forte e diversificada.
Já à direita, a Aliança Democrática — que junta o PSD, o CDS e o PPM — ainda não revelou em que valor quer ver o ordenado mínimo. Mas em maio, na corrida interna do partido laranja, Luís Montenegro tinha acenado com um salário mínimo nacional de 1.200 euros no horizonte de oito anos.
Entre os demais partidos, o PCP quer o salário mínimo nacional nos 1.000 euros já este ano — em linha com o que defende a CGTP, conforme já escreveu o ECO. E o Bloco de Esquerda está a apontar para 900 euros em 2024.
Da parte dos patrões, até ao momento, nenhuma das confederações fechou a porta a aumentos do salário mínimo nacional. Os empresários fazem, contudo, um aviso: não basta querer subir os salários. Há que criar condições para que tal aconteça, incentivando a produtividade e a competitividade. Ou seja, rejeitam falar do salário mínimo nacional de modo isolado e apelam a um debate que inclua, nomeadamente, um alívio fiscal para as empresas.
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