Caixa contrata auditoria forense à venda de Vale do Lobo

A Caixa tem um acordo de princípio para transferir Vale do Lobo ao fundo ECS, mas para blindar a operação pediu à PwC uma auditoria forense a todo o processo, desde 2012 até ao momento.

O empreendimento turístico de Vale do Lobo é conhecido pelas melhores e pelas piores razões. Agora, depois de várias tentativas de venda, pelo menos desde 2012, a Caixa Geral de Depósitos vai transferir o empreendimento de luxo para o fundo de reestruturação ECS, com a expectativa de vir a receber cerca de 200 milhões de euros a três anos. Mas, para blindar possíveis críticas à operação, pediu à PwC para realizar uma auditoria forense a todo o processo de venda.

A decisão da CGD de entregar Vale do Lobo ao ECS, de António de Sousa e Fernando Esmeraldo, está tomada, e só falta mesmo a formalização do negócio em conselho de administração. Contactada oficialmente, a CGD não faz comentários e invoca o sigilo bancário. O banco público é o maior credor da sociedade que controla Vale do Lobo, além da participação de 25% nesta sociedade que, neste momento, está insolvente e vale zero. Mas o BCP — o outro credor relevante — também já terá chegado a um acordo com o fundo. E, segundo as fontes contactadas pelo ECO, o negócio tem condições para ser concluído até ao final do ano.

A Caixa, como acionista e maior credor, tem uma posição relevante no futuro do negócio. E tinha, como o Expresso revelou há algumas semanas, duas alternativas para a venda de Vale do Lobo. Um fundo imobiliário internacional, que manteve-se no anonimato, e o ECS. A opção recaiu no fundo nacional de reestruturação, com uma operação diferente daquela que poderia fazer com o fundo imobiliário internacional. Mas fontes do banco público asseguram que a diferença entre as duas propostas é da ordem dos 100 milhões de euros, com vantagem para o ECS. Além da auditoria forense, para evitar as críticas, a administração da CGD liderada por Paulo Macedo decidiu também envolver o Banco de Portugal e o BCE na monitorização da operação. Vale do Lobo exige todos os cuidados e Macedo sabe que o negócio será escrutinado ao milímetro.

Vamos por partes: O fundo internacional fez uma proposta de 185 milhões de euros pelos créditos da CGD e do BCP, com um upside de 10 a 15 milhões em função dos resultados. E, já esta semana, em mais um esforço, infrutífero, para convencer a CGD, os responsáveis daquele fundo aumentaram a oferta para 195 milhões de euros fixos. Mas para a CGD seriam cerca de 150 milhões de euros, o remanescente para o BCP, a pagar em cinco prestações anuais, com um pagamento inicial e, depois, dois anos de carência. E com três níveis de garantia: os próprios lotes de Vale do Lobo, uma carta de crédito do Citigroup e pelo próprio fundo, que terá ativos de seis mil milhões de euros. Não foi suficiente para convencer o banco público, que tem avaliações a apontar para um valor do que tem em Vale do Lobo entre os 200 e os 250 milhões de euros.

A Caixa vai assim transferir os créditos sobre Vale do Lobo para um fundo da ECS que já tem outros imóveis, como as Torres de Lisboa ou o novo edifício na Fontes Pereira de Melo (a terminar a construção). O ECS emite unidades de participação que serão subscritas pela própria CGD e que são, na prática, o financiamento do próprio ECS para comprar aquele ativo. Daí que esta operação corresponda, na prática, a uma transferência ou ‘parqueamento’ do empreendimento e não a uma verdadeira venda. Caberá, depois, ao ECS gerir Vale do Lobo e gerar as mais-valias para reembolsar, em três anos, as unidades de participação que são agora subscritas pela Caixa. Aquele fundo, note-se, tem outros subscritores, como o BCP e o Novo Banco, que têm de aceitar o valor a que Vale do Lobo será ‘comprado’ pelo ECS.

Uma fonte conhecedora do processo garante que, com esta operação, a Caixa vai recuperar cerca de 200 milhões de euros dos 230 milhões que financiou em 2006. Conta, para isso, que o fundo do ECS ganhe dinheiro na venda de Vale do Lobo e dos ativos que já integram aquele fundo, nomeadamente os dois edifícios de escritórios em Lisboa. Já outra fonte do fundo internacional que perdeu a corrida, em declarações ao ECO, critica a opção pelo parqueamento e acrescenta que o aumento de capital na Caixa com dinheiro público não serviu para financiar operações destas. A mesma fonte garante, também, que a Caixa continuará exposta ao risco de Vale do Lobo e a uma crise imobiliária no país, o que não sucederia com a venda ao fundo internacional. “Risco, há sempre”, responde uma fonte do banco público, “e há nas duas soluções”.

Por isso, a administração da CGD — que é na verdade secundada também pela do BCP — tem um entendimento oposto. Acredita na capacidade de gestão do ECS para recuperar um empreendimento e cita o que fez nos Salgados (Algarve), um empreendimento CS que caiu e foi recuperado. Por outro lado, salienta a diferença significativa de taxas de desconto (que revertem em rentabilidade) entre a ECS e o fundo internacional. E, finalmente, acrescenta uma razão de capital. Se a Caixa vendesse com desconto implícito na proposta do fundo internacional, teria de assumir perdas definitivas, quando a operação financeira com a ECS tem um impacto mais limitado nos rácios do banco público.

Uma história que começou mal e tarda em endireitar-se

Criada nos inícios dos anos 1960, a Vale do Lobo Resort Turístico de Luxo é descrita, pela própria empresa, como um dos mais importantes resorts de luxo na Europa e o maior em Portugal. A ocupar 450 hectares no concelho de Loulé no Algarve, a Vale do Lobo tem em sua posse dois quilómetros de praia e 1.500 propriedades.

Desde 1965, quando se deu o primeiro investimento no resort de luxo para a construção do campo de golfe, a Vale do Lobo foi, ao longo dos anos, recebendo vários prémios e distinções na área do ténis e do golfe. No entanto, tudo viria a mudar.

Foi em 2006 que a Caixa Geral de Depósitos teve em mãos um projeto para se tornar acionista da Vale do Lobo. Algo que, na altura, agradou a Armando Vara. “Entusiasmei-me logo com o projeto”, dizia na altura o administrador da CGD. Não tardou até a instituição se tornar acionista e credora de Vale do Lobo.

Este projeto tinha como promotores Diogo Gaspar Ferreira, Rui Horta e Costa (na altura administrador não executivo dos CTT) e um grupo liderado por Helder Bataglia (na altura líder da Escom, do Grupo Espírito Santo). Hoje, todos são arguidos na Operação Marquês, por suspeitas de alegados pagamentos irregulares a José Sócrates, na altura primeiro-ministro.

Para o projeto, os promotores entraram com 10 milhões de euros, um valor bastante inferior ao emprestado pela Caixa — 197 milhões de euros. Para além desses avultados milhões, enquanto acionista, a CGD ainda entrou com mais 30 milhões. Ficou, então, a deter 25% da empresa — a Resortpart, que iria gerir a Vale do Lobo.

Armando Vara sempre se mostrou confiante em relação ao projeto, defendendo que os promotores mostravam ser pessoas de confiança e com conhecimento na área. “Não havia nenhuma razão para duvidar”, dizia. Mas os problemas não tardaram a aparecer, três anos mais tarde. Em 2009, a Vale do Lobo começa a falhar os pagamentos dos empréstimos ao banco do Estado. Mas, quanto a isto, a Caixa nada terá feito.

A instituição financeira tinha todo o direito e poder para exigir o reembolso dos 227 milhões investidos, ou até executado as garantias que tinha sobre as ações do aldeamento turístico, contudo, não o fez. Outras fontes asseguram ao ECO que a execução do contrato é difícil, pela forma como o contrato jurídico terá sido feito. Segundo apurou na altura o Correio da Manhã, a exposição da Caixa era de 282,9 milhões de euros, 138,1 milhões em imparidades.

E foi aqui, através da análise destes dados, que surgiu a Operação Marquês. O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) avançou com uma investigação a estes milhões e deteve Armando Vara, em julho de 2015, por suspeitas da alegada prática dos crimes de corrupção passiva para ato ilícito, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.

O ex-administrador da CGD negou todas as acusações, argumentando que o negócio teria falhado devido à crise do subprime em 2008, afetando toda a economia mundial. A Armando Vara juntaram-se mais 27 arguidos no processo Operação Marquês, incluindo José Sócrates.

Mas o antigo primeiro-ministro não tardou a defender-se e a desligar-se de tudo o que pudesse envolver o negócio de Vale do Lobo. “Enquanto desempenhei as funções de primeiro-ministro, nunca dei orientações, ou fiz qualquer sugestão fosse a quem fosse, que tivessem a ver com concessões de crédito” e “até 2015, altura em que o assunto passou a ser noticiado, não conhecia nem os acionistas nem os gestores nem ninguém ligado a tal empreendimento. Nunca ninguém me falou de Vale do Lobo como assunto de interesse público, nem como preocupação privada”, escreveu na altura, num artigo de opinião.

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