Pacto de Justiça. Empresários estão divididos e receosos

Marcelo já elogiou o Pacto de Justiça, mas nem todos se apressam a juntar-se ao seu aplauso. Os empresários portugueses estão divididos e temem, sobretudo, que as propostas se fiquem pela retórica.

Marcelo Rebelo de Sousa não está sozinho, quando elogia o Pacto de Justiça… mas, no que diz respeito às medidas que afetarão as empresas, nem todos se juntam ao aplauso.

“É altamente positivo”, considera Rafael Campos Pereira, vice-presidente da Associação das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicos (AIMMAP), em conversa com o ECO. “É naturalmente muito bem aceite”, sublinha Paulo Vaz, diretor-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP). Já Jaime Lacerda, diretor-geral do Fórum para a Competitividade, contraria este otimismo: “As propostas não têm qualquer cabimento”. O desacordo é claro, tal como a urgência de levar estas propostas à prática. É preciso que as 89 medidas que resultaram de um acordo entre juízes, magistrados do Ministério Público, advogados, funcionários judiciais e agentes de execução não se fiquem apenas “pela retórica”, avisam os empresários.

No que diz respeito à justiça económica, são 25 as medidas apresentadas pelo documento em causa. “É usual, de forma muitas vezes ligeira, apontar o sistema de justiça como sendo um dos maiores entraves ao desenvolvimento económico e à competitividade do país”, explica o Pacto. Das duas dezenas e meia de sugestões, destacam-se a proposta da “limpeza” das empresas que apresentem fortes indícios de inatividade (aquela que mais entusiasmo desperta junto dos empresários). A da inibição de administradores, gerentes e sócios maioritários de sociedades que não se apresentem à insolvência de constituir ou participar de sociedades pelo período de cinco anos é a medida que mais críticas recebe, com os empresários a considerarem-na mesmo uma ameaça ao espírito empreendedor português. Em terceiro lugar, as estruturas que representam as empresas ouvidas pelo ECO apontam ainda a criação de um Guia do Investidor.

Os países que atraem mais investimento são aqueles que têm sistemas jurídicos mais eficazes“, comenta Paulo Vaz, em entrevista ao ECO. O líder da ATP espera que as medidas promovam a simplificação burocrática — e, consequentemente, o aumento da celeridade do sistema — a diminuição dos custos do acesso à Justiça e a proteção dos credores, porque, atualmente, “os processos acabam, muitas vezes, por resultar a favor dos prevaricadores”, garante.

Já Campos Pereira enfatiza que este Pacto manda um sinal claro — nomeadamente aos partidos políticos — de que é “possível construir consensos”. O vice-presidente da AIMMAP apela à consolidação destas medidas, que, no quadro da justiça económica, ainda se ficam “pelas expectativas”. “São medidas muito conceptuais”, assinala.

Por seu lado, Jaime Lacerda aprofunda a crítica e reforça que a responsabilidade de ponderar “se a prática da justiça está a ser justa, célere e benéfica para a economia” é do Governo e não dos agentes judiciais. “Não é aos próprios executores que cabe propor orientações políticas sobre esta matéria”, defende.

Não se apresentar à insolvência, às vezes, revela a coragem de tentar arranjar uma solução até às últimas.

Rafael Campos Pereira

Vice-presidente da AIMMAP

“O empreendedorismo é estigmatizado”

O Pacto de Justiça divulgado na passada semana prevê que os administradores, gerentes e sócios maioritários de sociedades, que não se apresentem à insolvência ou que tenham sido liquidadas administrativamente, fiquem proibidos de constituir ou participar de novas sociedades durante cinco anos, uma medida que acabou por não ser acolhida com muito entusiasmo pelos empresários.

“Não se apresentar à insolvência, às vezes, revela a coragem de tentar arranjar uma solução até às últimas”, reforça Campos Pereira. A penalização sugerida na primeira proposta da secção dedicada à regulamentação do tecido económico foi, por isso, recebida com dúvidas pelo representante da AIMMAP. A insolvência “deve ser contextualizada”, avisa. O diretor-geral do Fórum para a Competitividade vai mais longe e prevê mesmo que esta medida terá consequências nefastas no tecido empresarial português. “Sancionar, ainda mais, a não apresentação à insolvência, no enquadramento atual, irá produzir um efeito negativo sobre o ambiente empreendedor que se tem promovido em Portugal”, adianta Jaime Lacerda.

Em Portugal, temos uma grande preocupação que é a de castigar os que falham“, concorda Paulo Vaz. O diretor-geral da ATP alerta para a necessidade de distinguir “aqueles que agiram de forma danosa” daqueles que “foram vítimas das circunstâncias” e considera que não merecem ser tratados de igual forma, até porque “falhar faz parte do processo de desenvolvimento”. “Nos países anglo-saxónicos, o ato de empreender é muito mais respeitado e rico. Aqui é estigmatizado”, lamenta.

A dissolução administrativa de empresas que apresentem fortes indícios de inatividade justifica-se, já que trava a permanência no mercado de empresas que, na realidade, deixaram de ter atividade digna de ser reconhecida.

Jaime Lacerda

Diretor-geral do Fórum para a Competitividade

Ameaças ao mercado devem ser eliminadas

Expurgar do mercado “as empresas que não reúnem os requisitos de funcionamento” é um passo positivo? Neste ponto, não há discussão. Os empresários aprovam e aplaudem a medida. “Parece-me importante expurgar as empresas que estejam a estragar o mercado”, comenta Campos Pereira, embora se mostre insatisfeito por ainda não se conhecerem os contornos práticos das propostas. “Por exemplo, ainda não se sabe quem vai controlar esse processo e que dados vão servir de base”, explica.

O diretor-geral do Fórum para a Competitividade reconhece, também, os benefícios desta medida, já que ” trava a permanência no mercado de empresas que, na realidade, deixaram de ter atividade digna de ser reconhecida”, e acrescenta que entretanto essas entidades se tornaram “ameaças”. A proposta número 37 do Pacto de Justiça prevê a dissolução das empresas que não cumpram o capital mínimo e não apresentem contas anuais por dois exercícios consecutivos.

O guia do investidor pode esbarrar na prática, se não tomarmos as medidas correspondentes. A proposta não se pode esgotar na retórica.

Paulo Vaz

Diretor-geral da ATP

Atrair investimento? Uma palavra: transparência

Há três fatores que, segundo Campos Pereira, levam um investidor a apostar num dado país: a transparência e a previsibilidade fiscal, a legislação laboral e a celeridade da justiça. Por isso, a proposta da criação de um “guia do investidor” — um caderno informativo em inglês e em português, que “explique aos investidores nacionais e internacionais, de forma clara, simples e acessível, o sistema de cobrança de dívidas português” — parece ao representante da AIMMAP um “pequeno contributo” para a dinamização da economia portuguesa. ‘Pequeno’ é a palavra que Jaime Lacerda escolhe destacar: “É uma ideiazinha que fica mal num Pacto de Justiça”. O representante do Fórum para a Competitividade não valoriza esta proposta e considera que seria mais adequada para “as agências de promoção de investimento, bancos e escritórios de advocacia”.

“A opacidade dos sistemas jurídicos é sempre inibidora para o investimento estrangeiro”, contraria Campos Pereira. O líder da AIMMAP diz esperar que se sinta um efeito positivo desta medida do Pacto de Justiça, no tecido empresarial português. Paulo Vaz mostra-se igualmente satisfeito, mas mais receoso do que Campos Pereira: o guia “pode esbarrar na prática se não tomarmos as medidas correspondentes. A proposta não se pode esgotar na retórica”.

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