Acordo Macron-Merkel é simbólico ou é uma reforma profunda?
Há quem lhe chame até "Mercron". Merkel e Macron passaram das palavras aos atos e propuseram uma série de medidas para a União Europeia, desde a fiscalidade a um novo orçamento para a Zona Euro.
A proximidade entre Angela Merkel e Emmanuel Macron passou esta semana das palavras para o papel. Depois de muitas negociações, Alemanha e França cumpriram a tão anunciada aproximação e lançaram a Declaração de Meseberg, um primeiro rascunho daquilo que querem que sejam os seus países. E idilicamente, a União Europeia.
Entre políticas ambientais, em que se sublinham os objetivos do Acordo de Paris, culturais, e de política externa, o grande destaque vai para as que dizem respeito às migrações, com os países a definirem a crise dos refugiados como um assunto “europeu”.
Já no campo da economia, adensa-se ainda o sentimento de pertença, numa declaração em que a palavra-chave é união. Por entre moeda, banca e mercados, as primeiras propostas de Merkel e Macron são:
- União Monetária: Merkel e Macron acreditam que uma União Europeia forte só funciona com uma moeda forte. E para que tal aconteça, será necessário implementar uma série de ferramentas: um renovado Mecanismo de Estabilidade Europeia — mudando até de nome –, um instrumento de análise da sustentabilidade da dívida e até uma linha de crédito cautelar, com métodos alinhados com as instituições já estabelecidas (BCE e FMI).
- União Bancária e dos Mercados de Capital: A união estende-se ao setor bancário, onde os alvos são o malparado, os regimes de insolvência, o branqueamento de capitais e toda a atividade bancária. Desde já, o objetivo é que os principais bancos europeus consigam reduzir a sua carteira de malparado até que esta seja menor que 5%.
- Fiscalidade: Numa primeira fase, os dois países querem que os seus regimes fiscais para as empresas se aproximem cada vez mais um do outro, estabelecendo assim um regime base. Depois disso, o plano é estender o modelo a toda a União Europeia.
- Orçamento Europeu: A medida com mais impacto desta declaração é, no entanto, a instituição de um Orçamento Europeu plurianual a partir de 2021. “O objetivo do orçamento da zona euro é a competitividade e a convergência, que será cumprida através do investimento em inovação e capital humano”, pode ler-se no documento. “Poderá financiar novos investimentos e substituir as despesas nacionais”.
O documento vai continuar a ser constituído até ao próximo Conselho Europeu, data muito importante para Merkel tanto a nível das relações externas como também das internas, uma vez que o seu Governo continua dependente da sua capacidade de negociação no tema quente da migração.
No entanto, o Tratado do Eliseu, como lhe chamam já as duas nações, será apenas finalizado no final deste ano.
É “simbólico”, “um pequeno passo”, e não chega, dizem analistas
O encontro entre Emmanuel Macron e Angela Merkel, numa localidade próxima de Berlim, esta terça-feira, foi em parte representado como um momento de viragem na direção da União Europeia, já que os líderes de duas das forças motrizes europeias acordaram fazer compromissos em áreas onde anteriormente não concordavam. No entanto, muitos analistas na imprensa internacional consideram que o resultado deste encontro será pouco decisivo no futuro da Europa, embora seja “um pequeno passo” “na direção certa”.
Emmanuel Macron e Angela Merkel não foram modestos em avaliar o trabalho que fizeram ontem na cimeira em Meseberg. “Esta cimeira intervém no momento da verdade para a Europa, não é mistério. Enfrentamos hoje uma verdadeira escolha de sociedade, uma escolha de civilização”, disse Emmanuel Macron, citado pelo Le Figaro. A chanceler alemã falou nos mesmos termos: “Abrimos um novo capítulo para a União Europeia”.
No entanto, este jornal francês avaliou as concessões feitas por Merkel como “um pequeno passo”. O jornal considerou que muito fica por decidir, com questões em aberto que o Presidente francês e a chanceler alemã consideraram necessárias para deixar margem de manobra para as negociações com os parceiros no Conselho Europeu do próximo fim de semana. “A pior maneira seria fechar todos os detalhes”, disse Merkel. Mas o que ficou fechado não satisfaz alguns peritos.
Ao New York Times, o presidente do Instituto Alemão para a Investigação Económica, Marcel Fratzscher, disse que o acordo é “um passo na direção certa”, mas não chega para assegurar a Zona Euro perante futuras crises “ou a sua própria insustentabilidade”. Ao mesmo jornal, Timothy Garton Ash, da Universidade de Oxford, acrescentou: “Vão tentar juntar qualquer coisa que pareça uma iniciativa conjunta significativa. A pergunta é: basta para a Europa? Ainda não”.
O editorial desta quarta do jornal francês L’Obs, assinado pelo diretor Pascal Riché, apelida o acordo alcançado de “embrião de orçamento para a Zona Euro”, e acrescenta que esse é o passo “mais simbólico” do encontro. É apenas, acrescenta, “uma minúscula fagulha no motor franco-alemão avariado, um compromisso que não mudará grande coisa à profunda crise que paralisa o funcionamento da Zona Euro”, mas ao mesmo tempo “também não é negligenciável”.
Thomas Jäger, investigador na universidade alemã de Colónia, concluiu que Macron e Merkel acabaram por criar um teste à sua própria influência no resto da Europa. As reformas que propõem poderão não ter apoio na Áustria, onde não se vê com bons olhos um orçamento comum. “Este compromisso é uma prova dos nove à forma como a locomotiva franco-alemã ainda consegue puxar o comboio europeu”, concluiu o investigador que falou ao New York Times.
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