Bombas, transportes, hotéis e até funerárias. Como a falta de combustível está a parar a economia

Supermercados, agências funerárias, serviços de segurança, transportes, recolha do lixo, fábricas, têxteis, turismo... A greve está a provocar o caos generalizado. Veja o ponto de situação possível

Foi como uma espécie de vírus. Poucos deram por ela começar na segunda-feira, mas explodiu no dia seguinte, começando pelos aviões e espalhando-se rapidamente a vários setores da economia. Se no início da semana as atenções estavam focadas no programa de estabilidade ou na luta dos professores, as primeiras notícias sobre as falhas de abastecimento nos aeroportos trouxeram com elas a realidade: a greve estava a propagar-se de forma acelerada. Seguiu-se (e prossegue) o caos.

Na terça-feira, já quase todos os setores essenciais do país se dizem à beira do colapso — apesar de todos os avanços, as economias continuam assentes essencialmente numa mobilidade de combustíveis fósseis –, antevendo-se impacto na economia do país. Só no final deste trimestre o INE terá informação para dar contas se a economia sentirá o efeito. Mas se há decisões económicas que podem simplesmente ser adiadas para mais tarde, há produção e consumo que já não deverão ser recuperados, o que tem impacto na economia e nas receitas do Estado.

No imediato, já há setores a alertarem para impactos sérios, como é o caso da hotelaria que, com a Páscoa nos próximos dias, não tirará proveito de um dos fins de semana mais importantes do ano. Mas é apenas um em muitos outros. Dos supermercados ao têxtil, às viagens de Uber, ao transporte rodoviário de passageiros, bem como às filas intermináveis em postos de combustível, o impacto é visível. O vírus propagou de forma rápida e total. Tanto que até as agências funerárias já falam em recusar trasladações por falta de combustível.

O ECO faz aqui um ponto de situação de tudo o que está a acontecer por causa da “crise energética” no país, que começa a fazer eco na imprensa internacional.

Aeroportos e aviões

Foram as falhas de abastecimento nos aeroportos de Faro e Lisboa que primeiro chamaram à atenção que esta não era uma qualquer paralisação, depois de um voo da TAP ter sido cancelado e seis da easyJet terem registado atrasos à conta de desvios pontuais para se abastecerem noutros aeroportos.

Entretanto, as companhias aéreas acabaram por adaptar as suas operações dando prioridade a abastecimentos noutros aeroportos, seja em Sevilha, seja no Porto, já que o Sá Carneiro é abastecido diretamente por um pipeline. O vírus foi rapidamente contido pelas companhias aéreas. Mas nem autocarros, nem ambulâncias, nem carros conseguem voar até outras cidades ou países.

Transportes de passageiros

A Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Passageiros (Antrop), que representa a maioria das empresas do setor que irão transportar muitos dos residentes em Portugal nas suas férias da Páscoa, referiu esta quarta-feira que estas transportadoras têm combustível “no limite, para dia e meio”. Ou seja, quando chegar a sexta-feira Santa, já não terão combustível.

Mas nem todas lá chegarão:

A estas transportadoras juntam-se as empresas de transporte urbano, que a cada hora que passa vão vendo as reservas estratégicas a desaparecer. A Barraqueiro, por exemplo, já anunciou que a partir desta quinta-feira vai começar a suprimir carreiras. E os Transportes Sul do Tejo vão suprimir carreiras entre Setúbal e Lisboa já esta quinta-feira. Idêntica decisão já foi tomada pela Rodoviária do Tejo, que se prepara para reduzir carreiras a partir desta quinta-feira.

Mas como as medidas urgentes tomadas pelo Governo, ou os serviços mínimos acordados entre as partes estão a ser manifestamente insuficientes para evitar o caos, há transportadoras que, como os aviões, conseguem ativar os seus próprios planos de emergência. A Transtejo e a Soflusa, por exemplo, já anunciaram esta tarde que decidiram ativar o seu plano de contingência. “O plano de contingência da Transtejo e Soflusa está em curso, encontrando-se garantido o abastecimento dos navios da frota.” Ou seja, quem não tem camião, caça com barco.

Já a CP admitiu esta quarta-feira que a operação “poderá evoluir desfavoravelmente” caso não seja reposta a normalidade com celeridade. A empresa está “a acompanhar a evolução das necessidades de abastecimento dos depósitos em articulação com as entidades competentes e, até ao momento, não existe rutura de combustível, sendo que, no contexto atual, a situação poderá evoluir desfavoravelmente”, avançou fonte oficial à Lusa.

Também o Metro de Lisboa já admitiu ao ECO que pode ter a sua operação afetada caso a paralisação se prolongue.

Recolha do lixo e correios

Mas não é só o transporte de passageiros que depende de combustíveis. Também a recolha do lixo vai começar a ressentir-se no imediato. A Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente (AEPSA) alertou já em comunicado para “as graves consequências” da greve, consequências que se sentirão sobretudo ao nível da recolha e tratamento de resíduos.

“Não obstante terem sido ativados atempadamente os procedimentos preventivos de atuação das equipas operacionais, estes mecanismos não são já suficientes e bastantes para assegurar o bom cumprimento das suas obrigações contratuais de recolha, tratamento e valorização dos resíduos.” A Norte é já assumido que a recolha do lixo está em perigo já a partir de quinta-feira em Espinho, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conte, segundo a Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos.

Também os CTT já comunicaram que decidiram esta quarta-feira limitar o uso de viaturas à conta da crise dos combustíveis. “Fruto da greve em curso os CTT estão esta quarta-feira a registar alguns constrangimentos na operação em Portugal Continental, nomeadamente devido à limitação do uso de algumas viaturas”, indicou a empresa em comunicado.

Turismo e têxteis

Saindo dos setores que dependem diretamente dos combustíveis, nota-se que a greve do SNMMP alastrou-se rapidamente a toda a economia. Porque toda ela ainda assenta em fontes fósseis. A Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal já comunicou estar bastante apreensiva perante a paralisação, que rotulou de “ameaça séria à atividade turística“. Em causa não só dificuldades do setor em aceder com produtos essenciais, como o cancelamento de muitos planos de férias. É que se não há combustíveis para carros e autocarros, não há turistas a passar uns dias fora na Páscoa. Ou a procurar restaurantes nesses dias de descanso. Ou a usar rent-a-car.

Mas a paralisação da mobilidade está também a passar uma elevada fatura aos têxteis. A Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção veio a público alertar para os “danos catastróficos” que o setor do vestuário já está a sentir. A greve, avançou a associação, “acarreta o bloqueamento dos transportes dos trabalhadores e suas famílias, bem como o cumprimento dos prazos de entrega das encomendas, provocando nalguns casos a perda do cliente” e causando “incomensuráveis prejuízos ao setor do vestuário”.

Distribuição e agroalimentar

Idêntica situação vivem as indústrias agroalimentares. A Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares já veio alertar o governo que se as medidas por si anunciadas “não surtirem efeito imediato, é provável que se intensifiquem roturas” na cadeia de abastecimento do setor, “sejam as entregas dos produtos, seja a receção das matérias-primas”.

Um outro setor onde a greve pode trazer um maior impacto direto nos residentes em Portugal passa pela distribuição, ou seja, os supermercados. O Minipreço já assumiu que vai ter “constrangimento” na oferta caso a paralisação persista até sexta-feira, isto apesar da associação do setor sublinhar que “até agora” ainda não houve quebras em stocks nos supermercados.

Também a Sumol+Compal já anunciou que decidiu interromper a produção com efeitos imediatos. Não diretamente por causa da gasolina ou do gasóleo, mas devido à falta de gás. “A Sumol+Compal confirma que interrompeu a produção na fábrica de Almeirim por escassez no abastecimento de gás”, avançou a empresa. É que também a distribuição de gás é um dos efeitos desta greve, conforme reconheceu já a Galp.

Uma outra fábrica em risco de fechar é a da Mitsubishi Fuso Truck Europe (MFTE) no Tramagal, Abrantes. Fonte oficial da empresa que produz o modelo Canter, disse esta quarta-feira à Lusa que a fábrica, “devido aos problemas de abastecimento, está a trabalhar no limite”, dando conta de uma situação insustentável a curto prazo. A Autoeuropa, por seu lado, está a trabalhar sem problemas.

Economia de luto?

Um outro setor que já começa a sentir os efeitos da paralisação é o das funerárias. A Associação Nacional de Empresas Lutuosas explicou à Lusa que a escassez de combustíveis pode levar à recusa de trasladações, já que as empresas podem não ter garantias que terão capacidade para as assegurar. Carlos Almeida, desta Associação, explicou que as empresas funerárias estão a privilegiar funerais locais e na área de intervenção em detrimentos dos que exigem uma deslocação maior, por uma questão de gestão de combustíveis.

Os impactos da greve da SNMMP estão assim a disseminar por toda a economia portuguesa, restando saber até que ponto a mesma se fará sentir (ou quanto se fará sentir) na evolução das contas públicas do país…

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