Tribunais estão a ficar mais modernos. Mas vão ser mais eficientes?
São várias as mudanças físicas e tecnológicas que estão em curso na Justiça. Mas será que os tribunais estão realmente melhor e mais dotados?
Uma app que mostra os tempos de espera nos tribunais, outra que ajuda na organização de provas em megaprocessos. Alguns tribunais vão ter competências alargadas para julgar mais casos, e outros, mais especializados, vão surgir, desde a instrução criminal à área de família e menores. O fisco agora já manda processos por via eletrónica e os magistrados vão passar a receber formação expresso para colmatar a falta de pessoal.
A justiça portuguesa tem-se tentado modernizar nestes últimos tempos, especialmente através do programa Tribunal + — uma das grandes bandeiras deste Governo —, um projeto que se dedica, sobretudo, à simplificação administrativa nos tribunais. E estas mudanças recentes não surgem por acaso.
Com uma série de greves no setor, de juízes a funcionários judiciais, a pasta de Francisca Van Dunem tem sofrido algumas pressões. As queixas são invariáveis: por todo o país, os tribunais acusam falta de condições, de meios e de pessoal.
Entre as várias medidas, este Executivo quer, por um lado, apostar numa “nova filosofia de atendimento” ao cidadão com o programa Balcão +. Pelo caminho, qualquer pessoa já consegue pedir a emissão do registo criminal online e consultar todos os processos judiciais em que estão envolvidos a partir de casa.
“Também as comunicações dos tribunais já chegam aos cidadãos numa linguagem mais clara”, diz fonte oficial do ministério da Justiça à Advocatus. “Na prática, um cidadão que se desloque ao tribunal deixará de se sentir perdido nos corredores da Justiça”, resume. Este é pelo menos um dos objetivos deste programa: tornar a justiça mais humana ao apostar numa “cultura de inovação, centrada nas pessoas”, pode ler-se no relatório preliminar da OCDE sobre os impactos das medidas do Governo na Justiça.
"O recurso intensivo a meios informáticos, quer para armazenamento e acesso à informação, quer para a agilização de diligências processuais, deveria ser mais utilizado e incentivado.”
Tribunais têm mais condições. E menos burocracia?
Por outro lado, nos tribunais os benefícios passam por uma maior otimização de recursos, um ambiente de trabalho “mais tranquilo” nas secretarias, menos tempo de trabalho em determinadas tarefas e procedimento de chamada e de comprovativo de presença mais agilizado.
Na verdade, de acordo com o ministério, os oficiais de justiça têm agora mais tempo para se dedicarem a tarefas mais qualificadas, porque “deixaram de gastar 800.000 horas por ano a dobrar e envelopar notificações porque recebem eletronicamente as participações vindas da PSP”.
A falta de condições materiais e a burocracia nos tribunais são, contudo, as queixas mais frequentes de quem entra e sai deles diariamente. A opinião geral é a de que o sistema judicial está a melhorar, mas podia ser mais eficiente. E, ainda assim, há histórias recentes que parecem saídas da “idade da pedra”.
Rui Patrício, sócio da Morais Leitão, diz à Advocatus que acha que “não se deve generalizar”, pois existem tribunais com boas condições, outros com menos, e ainda alguns “que já deviam ter sido abatidos ao ativo no que toca às suas condições físicas e das instalações”.
Também em declarações à Advocatus, Paulo Sá e Cunha, sócio da Cuatrecasas, considera que as medidas do programa Tribunal + são “de saudar e poderão vir a refletir-se na melhoria da eficácia dos serviços”, mas estas medidas têm um âmbito “relativamente marginal em relação aos problemas de fundo, que estão na origem da ineficiência da tramitação dos processos judiciais”, admite.
Quanto à burocracia, “há burocracia desnecessária, mas outra necessária”, explica, por sua vez, o advogado da Morais Leitão. Para este jurista a situação geral dos tribunais não é tão má “quanto muitas vezes se pinta e que o problema maior em certos casos são as instalações”.
"Os oficiais de justiça deixaram de gastar 800.000 horas por ano a dobrar e envelopar notificações porque recebem eletronicamente as participações vindas da PSP.”
Ainda assim, nota algum esforço ao longo dos anos, mas em termos de instalações e condições tecnológicas a situação é muito díspar nos vários tribunais do país. “Essa disparidade também é em si um problema, e devíamos refletir sobre as razões dela”, sugere.
Sá e Cunha propõe uma separação na papelada. A seu ver seria útil ter de um lado tudo o que é a “burocracia” do processo, como o expediente relativo a notificações e cartas precatórias, e do outro os atos processuais em sentido estrito.
“O aligeiramento formal destes aspetos arcaicos da tramitação processual impunha-se e, à luz dos meios tecnológicos hoje disponíveis, afigura-se-me indispensável”, adianta. Para o advogado o recurso intensivo a meios informáticos, quer para armazenamento e acesso à informação, quer para a agilização de diligências processuais, “deveria ser mais utilizado e incentivado”.
Neste sentido, a mesma fonte da pasta da Justiça adiantou também que “qualquer advogado pode ser informado, por SMS, da alteração do agendamento de um ato processual em que tenha que participar”. O que será sem dúvida uma vantagem para os juristas, até porque Paulo Sá e Cunha relembra uma situação caricata.
“Lembro-me de um caso que me aconteceu há alguns anos, num julgamento em Portalegre. O processo tinha diversos intervenientes que foram todos notificados para comparecer na primeira data da audiência de julgamento”. A maior parte das pessoas em questão deslocou-se ao local e compareceu à hora marcada. “Fomos depois convidados a reunir no gabinete do juiz, onde nos foi comunicado que, por lapso, a secretaria se tinha esquecido de notificar um dos arguidos, pelo que a diligência teria que ser adiada, como foi”, recorda o sócio da Cuatrecasas.
“Todos os que compareceram, mais de trinta pessoas, voltaram então aos seus locais de origem para voltar a tribunal meses depois, na data em que veio a ser reagendado o início da audiência… Este episódio parece-me, de facto, da idade da pedra lascada”, classifica.
"Às vezes há falsas ideias, por exemplo sobre a celeridade e lentidão, julgando-se que a lentidão só ocorre em países tidos por menos desenvolvidos, o que nem sempre é o caso.”
O wi-fi é outro dos pontos que continua a falhar junto dos tribunais portugueses. Se Paulo Sá e Cunha acha, por exemplo, que este ainda um constrangimento que revela a “inadequação do meio judiciário às realidades do século XXI”, Rui Patrício desvaloriza: “quanto ao wi-fi não creio que seja uma prioridade, e é um tema relativamente fácil de resolver por cada um de nós”.
Segundo fonte oficial do ministério da Justiça explica, “no que diz respeito ao wi-fi nos tribunais, foi disponibilizada essa capacidade logo no inicio o piloto do Tribunal +, inclusive para utilização pelos cidadãos”. Contudo, a falta do mesmo continua a verificar-se, por exemplo, no Campus de Justiça e no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), em Lisboa.
O ministério adianta que se encontra neste momento em fase de conclusão “um procedimento de aquisição de equipamentos para instalação em todos os tribunais e em outros espaços de justiça”.
Para a recolha de áudio das diligências, por exemplo, — um dos pontos que costuma falhar em vários processos — vão existir novos equipamentos, e ainda para a “gestão de multimédia, incluindo vídeo”. A capacidade de transcrição automática é outra aposta do gabinete, “iniciado como piloto recentemente, também de tradução”, revela a mesma fonte.
E lá fora?
A taxa de resolução processual por cá é, por norma, baixa e os vários relatórios europeus apontam no mesmo sentido: Portugal está melhor, mas tem ainda um longo caminho a percorrer. Será que lá fora os tribunais estão mesmo melhor?
“Por aquilo que sei, em jurisdições que nos são próximas, a realidade não é muito diferente. A plataforma Citius, por exemplo, tem muitos aspetos inovadores que ainda não existem na vizinha Espanha”, explica o sócio da Cuatrecasas.
Contudo, para o advogado é “evidente” que existem países com um grau de abertura muito superior ao de cá, como é o exemplo dos Estados Unidos. “Basta pensar no que pudemos assistir no julgamento de O.J. Simpson. Neste caso, no que respeita ao uso intensivo de meios informáticos, isso já era regra nos tribunais criminais norte-americanos. Infelizmente, entre nós, essa ainda não é a realidade”.
Rui Patrício não gosta de generalizar quando se compara a realidade internacional com a de cá. “Já vi parecido, já vi muito melhor, e já vi muito pior”, conta o advogado. “E às vezes há falsas ideias, por exemplo sobre a celeridade e lentidão, julgando-se que a lentidão só ocorre em países menos desenvolvidos, o que nem sempre é o caso, ou julgando certos processos céleres que só o são aparentemente”.
Justiça em números
Ao contrário do que se julga, a taxa de resolução processual tem vindo a melhorar em Portugal. Segundo dados do ministério da Justiça (MJ), a taxa de resolução processual atingiu, no segundo trimestre de 2018, os 127,4% nas ações cíveis e 164,2% nas ações executivas. Estes números traduzem-se numa melhoria, segundo fonte do gabinete explica à Advocatus, dado que os valores são superiores a 100% “significa que ocorreu uma recuperação dos processos pendentes nos tribunais”.
No final de 2017 o número de processos pendentes nos tribunais judiciais era o mais baixo desde 1996, tendo diminuído em 25%, isto é, em menos 333.044 processos. De 2016 a junho de 2018 o número de execuções pendentes diminuiu 30%, em menos 285.101 processos. Também nas insolvências, a pendência processual diminuiu 43% no mesmo período.
Em média, os cidadãos viram o tempo necessário para a resolução de um caso civil ou comercial diminuir para cerca de nove meses, em 2017.
Em 2018, o MJ gastou cerca de 3,2 milhões de euros em 3.4000 portáteis. Nos últimos três anos, o investimento do Governo em equipamentos neste setor destinou-se sobretudo a monitores adicionais para magistrados, em ecrãs para salas de audiência, equipamentos de videoconferência, impressoras, digitalizadores e multifuncionais. Pelo final da legislatura, o MJ estima que tenham sido renovados mais de 90% dos equipamentos existentes.
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