A Farfetch está a contratar fora para preencher as suas necessidades. Dos 1.000 engenheiros da empresa, cerca de uma centena já são brasileiros, diz o responsável tecnológico da empresa.
Nove meses depois do IPO, Cipriano Sousa, responsável tecnológico (CTO) da Farfetch, ainda fala do dia em que a bandeira de Portugal foi hasteada em Wall Street com um brilho nos olhos. O diretor de tecnologia do unicórnio fundado pelo português José Neves acredita que a Farfetch é “caso único” em Portugal. “Não estamos a criar uma plataforma só para suportar o nosso negócio, estamos a criar quase um sistema operativo para uma indústria”, garante. Mas nem isso facilita o desafio de encontrar talento disponível no país. Por isso, a Farfetch está a contratar além fronteiras: mais de uma centena entre os mil engenheiros que a empresa tem nos escritórios são brasileiros.
O IPO da Farfetch foi há seis meses. Mudou alguma coisa desde a entrada em bolsa?
O dia do IPO foi um momento emocionante, foi o culminar de dez anos de esforço e trabalho e um momento muito especial. Se pensarmos em empresas portuguesas que passaram por isto, este é caso único: começou do zero e chegou a este ponto. Desde a entrada em bolsa, não vejo muitas alterações e o próprio José, o nosso CEO, diz que devemos continuar a trabalhar normalmente. O facto de sermos uma empresa pública não muda muito nessa perspetiva. Claro que devemos continuar a fazer um bom trabalho e focar-nos no que temos para fazer, nos nossos objetivos, e não nas stock options ou no facto de sermos uma empresa pública. O que pedimos às pessoas é que façam o trabalho normal de todos os dias, o melhor que sabem e que podem — que foi o que fizeram até agora e, por isso, chegámos a esse ponto.
A empresa tem um programa que atribuiu stock options a todos os trabalhadores. Esta política é bem vista por todos?
É evidente que as stock options têm vantagens financeiras. O programa que atribui stock options a todos os funcionários torna-nos, nesse aspeto, um caso também quase único em Portugal. Há outras que têm esse tipo de incentivos, mas só para alguns trabalhadores — na Farfetch é para todos, desde o júnior ao CEO — dessa forma reconhecemos o trabalho de todos, e é também de todos que depende do sucesso que alcançamos. É uma forma de todos termos um bocadinho da Farfetch e, portanto, há um benefício financeiro e as pessoas sentem isso no bolso. Por ser um benefício financeiro, todas as pessoas notam.
A Farfetch também sente a pressão em contratar tecnologia em Portugal?
Para nós é uma preocupação: em Portugal há excelentes técnicos e engenheiros, temos do melhor que há no mundo. No entanto, somos um país pequeno, por isso a quantidade é limitada. E isso coloca-nos um problema: temos mais de 1.000 engenheiros, mas precisamos de mais. A escala e a complexidade da plataforma é muita e, portanto, precisamos de continuar a crescer.
Quais são os principais desafios nesta fase?
Há certas áreas em que é difícil encontrar engenheiros especializados, mas em todas as áreas de tecnologia está a ser complicado. Há muitas empresas a operar em Portugal, não há muitos recursos — as universidades não estão a formar tantos engenheiros quanto necessário — e estamos a recorrer ao estrangeiro. Temos alguns escritórios noutros países — em Portugal temos três, onde estão a maioria dos nossos engenheiros. E estamos a recrutar muitos brasileiros: contratamos lá e eles estão a vir para Portugal, alguns estão por cá e estamos a conseguir contratá-los. Na Leonesa já são mais de 100 brasileiros e isso é bom porque são quadros muito qualificados que estão a vir para Portugal.
As empresas devem promover essa importação de talento?
Devemos incentivar que isso aconteça, não só do Brasil como de outros países. Além disso, temos também uma academia de formação, ou seja, estamos a formar jovens que saem da universidade em tecnologia, segundo o que usamos. Através do programa Plug In, que dura seis meses, temos 36 vagas. Cerca de 95% dessas pessoas ficam e acabam por ser enquadradas na equipa, ou seja, temos pensado em várias formas de atrair talento. Mas não tem sido fácil.
De que pessoas é que estão à procura?
Há áreas, como a cibersegurança, em que não há muitos recursos em Portugal. Na área das infraestruturas, de redes e servidores, não há muito know how em Portugal. Tudo o que tem a ver com data — data scientists e data engineers –, temos de ir à procura noutros países. E mais algumas muito específicas, devido à escala da Farfetch: temos muitos data centers em vários países, e isso cria problemas muito particulares e pede soluções muito particulares e especialistas que percebam dessa operação em escala. Como não há empresas como a Farfetch, é muito difícil localizar pessoas que tenham essa experiência.
Temos mais de 1.000 engenheiros mas precisamos de mais.
Quais são os maiores atrativos da Farfetch para atrair talento?
Penso que é o desafio. Em Portugal, não conheço outra empresa que tenha um desafio como o da Farfetch. Estamos a criar uma plataforma que opera a uma escala global e que usa uma tecnologia de topo que mais nenhuma outra empresa usa. Ou seja, para um engenheiro que gosta de desafios, a Farfetch é das poucas opções que tem e acredito que esse é o principal fator de atração desse talento, do melhor e do mais especializado.
É evidente que depois há outros benefícios: as ações são importantes mas há outros, como as condições em termos de escritório ou a formação interna tornam a Farfetch muito atrativa. Penso que tem a ver com a formação em si, em áreas muito específicas — segurança, data science, ou outras, sempre em áreas de ponta — que, para quem quer crescer, é muito importante. Temos uma mistura de formação interna e externa. Para um engenheiro o que é mais importante é crescer enquanto engenheiro, e aprender coisas novas, ter novos desafios.
Estas preocupações com as pessoas foram pensadas desde o primeiro dia?
Foi uma evolução e também uma necessidade. Se queremos atrair e reter o talento, temos de criar as condições. Mas desde o início que tivemos essa preocupação com as pessoas, que é um dos nossos pontos fortes e uma das razões do nosso sucesso: pôr as pessoas em primeiro lugar porque são o principal ativo da empresa.
A que se deve o sucesso da Farfetch?
Fazemos diferente porque não estamos a criar uma plataforma só para suportar o nosso negócio, estamos a criar quase um sistema operativo para uma indústria. Suportamos, não só a Farfetch, mas outros parceiros como o Harrods, a Chanel. E portanto a complexidade do que fazemos é muito grande: estamos a fazer muito mais do que o site ou a app. Temos de criar um sistema operativo que consiga adaptar-se a vários parceiros, não só ao negócio da Farfetch como aos da Gucci ou da Chanel. E, ao desenhar essa plataforma, temos de ter isso em conta. E a tecnologia que usamos tem de estar adaptada a essas realidades.
Temos pensado em várias formas de atrair talento. Mas não tem sido fácil.
Mas são produtos feitos à medida ou que permitem escalar?
Permite escalar, mas a complexidade está na lógica de negócio, tem de estar aberta a outros que não apenas à Farfetch. Se vamos suportar uma indústria inteira não vamos desenvolver a plataforma focados apenas na Farfetch, temos de trabalhar tendo em conta outros horizontes e todo esse processo é muito mais complexo.
É mais fácil contratar fora?
Como temos escritório em Londres, conseguimos aí de alguma forma. Temos escritório no Brasil, com um projeto específico e temos equipa de desenvolvimento. Em Xangai, que desenvolve soluções específicas para o mercado chinês. Vamos conseguindo através desses escritórios que temos espalhados pelo mundo.
Não estamos a criar uma plataforma só para suportar o nosso negócio, estamos a criar quase um sistema operativo para uma indústria.
A Dream Assembly, programa de aceleração de startups da Farfetch, também teve de alguma forma essa preocupação de procurar e atrair talento?
Pode ser, nalguns casos, mas o foco é mais procurar ideias, perceber e fazer parcerias com outras empresas que tenham ideias interessantes nesta área. Eventualmente, pode surgir uma oportunidade de aquisição e contratação, mas não é esse o objetivo. No fundo, é criar uma comunidade de parceiros que se possam ligar à nossa plataforma e trabalhar com eles enquanto empresa independente.
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“Universidades não estão a formar engenheiros suficientes. Devemos incentivar a importação de talento”
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