É um dos cargos mais importantes da Europa, mas, por coincidência de calendário, entrou no meio de uma disputa política entre a França e Alemanha. E agora, quem será escolhido para mandar no euro?
É um daqueles casos raros de alinhamento das estrelas, neste caso de calendário, que pode mudar tudo. O mandato do presidente do Banco Central Europeu (BCE) termina em outubro e está a ser decidido ao mesmo tempo que os cargos mais importantes na liderança da União Europeia: Comissão Europeia, Conselho Europeu, Parlamento Europeu e alto representante para os Negócios Estrangeiros.
Com França centrada na Comissão Europeia e o spitzenkandidaten mais votado, o alemão Manfred Weber, praticamente fora da corrida ao Executivo europeu, será desta que a Alemanha terá a presidência do BCE?
O nome do alemão Jens Weidmann é, há muito, um dos indicados como potencial sucessor de Mario Draghi, mas também mais criticados devido às fortes posições contra as políticas monetárias não convencionais do BCE. E o próximo presidente do BCE tem de estar à altura de uma fasquia elevada colocada por Draghi.
“Não tenho nenhuma ideia de quem será nomeado, mas penso que terá de ser alguém com capacidade de pensar fora da caixa como Mario Draghi fez porque é possível que, na próxima crise, sejam precisos instrumentos complemente novos e criatividade“, afirmou a economista francesa Agnès Bénassy-Quéré, ao ECO.
O italiano será lembrado pela frase em 2012 — que faria whatever it takes para salvar o euro –, foi o banqueiro que navegou a crise da dívida soberana na Zona Euro levando os juros de referência para mínimos históricos e implementando um programa de compra de ativos para permitir aos Estados financiarem-se a custos suportáveis. A expectativa é, por isso, elevada.
Os economistas internacionais consultados pelo ECO alinham numa série de características que o sucessor deverá ter: uma carreira académica de excelência, ser (atualmente ou ex-) banqueiro central e ter capacidades de comunicar bem tanto com os mercados como com a imprensa. O que não pode ser é político, já que o vice-presidente do BCE, o espanhol Luis De Guindos já vem dessa esfera.
“Temos que encontrar uma personalidade compatível [com Draghi]. Primeiro, é preciso ver que tipo de critérios serão usados para esta escolha, porque as pessoas também evoluem no cargo, como aconteceu com Mario Draghi apesar de mais rapidamente que outros. Se calhar o próximo vai precisar de tempo”, afirmou Laurence Boone, economista-chefe da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), apontando para “conhecimentos económicos muito bons” e “enorme habilidade política” como fatores fundamentais.
Para já, parece que os líderes europeus não se entendem quanto à dança das cadeiras nos cargos de topo, e por isso vão fazer uma nova cimeira no próximo domingo. O processo é menos complexo do que o relativo aos cargos da Comissão Europeia, mas nem por isso mais simples. Oficialmente, o Conselho Europeu chega a acordo sobre um nome e depois transmite-o aos ministros das Finanças, que se limitam a fazer uma proposta formal do nome já escolhido. O Conselho Europeu faz ainda uma consulta ao Parlamento Europeu e ao conselho de governadores do BCE — que inclui a administração do BCE e os governadores dos 19 bancos centrais que fazem parte do euro — para depois, por maioria qualificada, nomear o novo presidente, que tem um mandato de oito anos, não renovável.
A regra é que o candidato tenha experiência e reconhecimento profissional na área bancária ou de política monetária, e que seja um cidadão nacional de um Estado-membro do euro.
Um apagão italiano
Apesar de as peças do puzzle se irem juntando, ainda há muito em aberto. “Estamos a aproximar-nos do momento em que se irá saber quem será o próximo presidente do BCE, mas penso que ainda há incerteza”, afirmou Jari Stehn, economista-chefe do Goldman Sachs na Europa. “Há uma série de nomeações para cargos de topo na Europa, incluindo para a Comissão Europeia que têm de ser feitas e é um processo complexo. Portanto, há muita incerteza neste momento”.
A nacionalidade do próximo presidente é o fator chave. Além da dança das cadeiras entre cargos de liderança nas instituições europeias, há outro problema. Com a saída de Draghi, Itália deixará de ter, pela primeira vez desde a fundação do BCE, um italiano na estrutura superior do líder dos bancos centrais do euro, mesmo com o lugar do francês Benoit Coeuré a vagar apenas dois meses depois.
A desconfiança e o isolamento do governo italiano no Conselho Europeu dificulta a posição de Itália, havendo ainda o receio de que o Governo de Di Maio e Salvini possam empurrar para o BCE o atual governador do Banco de Itália, para poderem escolher um governador mais alinhado com as suas ideias.
Ainda no mês passado o vice-primeiro ministro Matteo Salvini apelou a que o BCE tenha um novo papel que garanta baixos custos de juros das dívidas. O receio de que Itália esteja a criar uma moeda alternativa ao euro com os mini-BOT, ajuda ainda menos as pretensões italianas, podendo abrir espaço para este precedente histórico na estrutura superior do BCE.
Erik Nielsen, economista-chefe do banco italiano UniCredit, considera que “todos os nomes indicados são de banqueiros centrais capazes” e sublinha considerar que é necessário alguém com capacidades de liderança, flexibilidade e que acredite no mandato.
O mandato do BCE foca-se apenas de inflação próxima, mas abaixo de 2%. No entanto, a sua abrangência foi-se alargando desde a crise (com o BCE a justificar a necessidade de intervenção nas economias para garantir a estabilidade dos preços). Até porque durante oito anos de mandato de Draghi, a meta nunca foi alcançada. Além disso, será esperado do próximo presidente do BCE que consiga acalmar ou inflamar os mercados com a mesma magia que Draghi, que tem sido fundamental para suportar países como Portugal ou Itália.
“Não tenho nenhuma convicção forte sobre quem será, mas se tivesse que apostar seria no governador francês François Villeroy de Galhau porque os italianos não iriam gostar de perder o lugar no conselho de governadores até à próxima rotação dentro de um ano. Houve indicações de que Itália não se iria importar com um presidente francês e Weidmann é visto como demasiado hawkish no sul”, disse o italiano.
“Portanto vejo Villeroy de Galhau a ganhar impulso, se França não ganhar a presidência da Comissão Europeia, claro”, acrescentou. França e Alemanha são os países mais prováveis para a origem do próximo presidente do BCE, mas — tal como aconteceu em 2011 quando Draghi não parecia favorito na corrida — o cenário poderá mudar. Para já, há seis nomes na shortlist.
Um alemão, dois franceses e dois finlandeses entram num bar… e um holandês tenta passar-lhes à frente
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Jens Weidmann, governador do Banco da Alemanha
É visto como uma estrela na Alemanha e com receio na Europa. Depois de um presidente holandês e um francês, em 2011 era a vez de um alemão assumir o cargo de presidente do Banco Central Europeu, mas a demissão precoce de Axel Weber do Bundesbank abriu as portas do BCE ao italiano Mario Draghi e as do Bundesbank ao então conselheiro económico de Angela Merkel. Jens Weidmann é desde 2011, governador do mais importante banco central da Zona Euro e as suas posições desde então deixaram muito a desejar na Europa. Foi contra as medidas de estímulo monetário não convencionais e chegou a testemunhar nos tribunais alemães no processo que questionava a legalidade das compras de dívida pelo BCE no mercado secundário, uma das medidas mais importantes para travar a crise na zona euro.
É visto como um defensor da ortodoxia alemã no que diz respeito à política monetária, mas ainda esta semana fez uma inversão de marcha nas suas posições — alegadamente caracterizadas por Mario Draghi como nein zu allem, alemão para ‘não a tudo’ — admitindo a legalidade do programa de compra de dívida do BCE. Defendeu-se dizendo que não mudou as suas posições, mas antes que elas não estavam baseadas na legalidade do programa, legalidade essa confirmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.
É um dos nomes mais fortes à sucessão, pelo perfil académico e experiência de política monetária, pela experiência ganha enquanto conselheiro de Angela Merkel, mas sobretudo pela sua nacionalidade. A Alemanha é a maior economia da Zona Euro e nunca deteve o posto, o mais cobiçado, e França está centrada em garantir a presidência da Comissão Europeia. Se Macron conseguir o que quer, Weidmann pode conseguir finalmente o posto.
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Erkki Liikanen, ex-governador do Banco da Finlândia
Tem o currículo mais longo entre os vários candidatos. Foi governador do Banco Central da Finlândia durante 14 anos, comissário europeu e ministro das Finanças da Finlândia. Vem de um país tradicionalmente associado ao grupo mais conservador em termos económicos, mas é um defensor das medidas de política monetária não convencionais. Erkki Liikanen é visto mais como um conciliador que um governador com extenso conhecimento de política monetária, mas disposto a fazer o que for preciso em alturas de crise e pode ser a solução de compromisso.
Apesar de a Alemanha cobiçar os comandos do BCE, Angela Merkel não é fã de deter o poder diretamente e vê Liikanen como uma solução mais prática para resolver os seus problemas: não tem um alemão à frente do BCE, algo que pode usar para anular as pretensões de Emmanuel Macron para a liderança da Comissão Europeia. Além disso é visto como próximo do pensamento da liderança alemã. Erkki Liikanen é tudo o que os seus adversários na corrida não são. É a sua grande vantagem.
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Olli Rehn, governador do Banco da Finlândia
É um nome conhecido dos portugueses e dos gregos, e não é pelos melhores motivos. Foi durante 10 anos comissário europeu, liderando a pasta mais importante durante a segunda Comissão Europeia de Durão Barroso, a dos Assuntos Económicos. Entre 2010 e 2014, foi o comissário que esteve na liderança dos resgates na Europa, defendendo medidas de austeridade duras para os países que pediram assistência financeira à União Europeia. Os erros admitidos pelas instituições desde então, na dose de austeridade e no desenho das condições associadas, deixam Olli Rehn numa posição mais complicada, especialmente entre os países do sul e os liderados por governos mais à esquerda.
Além disso, Olli Rehn é visto acima de tudo como um político — uma das questões que mais reservas levantam para a escolha do presidente do BCE — até porque logo a seguir à Comissão Europeia ainda foi ministro da Economia da Finlândia durante ano e meio, só tendo experiência como banqueiro central há cerca de um ano. Ainda assim, foi, tal como Erkki Liikanen, um dos nomes oficialmente propostos pelo primeiro-ministro da Finlândia ao presidente do Conselho Europeu para suceder a Mario Draghi.
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François Villeroy de Galhau, governador do Banco de França
É a solução francesa, caso Emmanuel Macron não assegure a Comissão Europeia para o candidato que escolher, mais para pressionar a Alemanha que por vontade de França ter este cargo. Contra si tem o facto de já ter havido um francês no cargo, Jean-Claude Trichet (2003-2011), e de ter uma perfil académico e uma carreira longe da especialização necessária para o cargo. François Villeroy de Galhau é descendente da família que tem a co-propriedade da histórica Villeroy & Boch, foi conselheiro europeu do ministro das Finanças e do primeiro-ministro francês no início da década de 90, foi chefe de gabinete de Dominique Strauss-Kahn quando este era ministro das Finanças, e diretor-geral dos impostos de França.
Mas o governador do Banco Central de França é ainda assim um dos nomes mais fortes na corrida, dependendo das movimentações no xadrez europeu. É governador desde 2015, apoiou de forma clara as medidas tomadas por Mario Draghi para estancar a crise do euro e considerou publicamente como “irracionais” os receios alemães. Ainda assim, não é visto com desagrado pela ala mais conservadora, devido ao seu pragmatismo, e fala alemão fluentemente. Não é a primeira escolha, mas pode vir a ser o escolhido.
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Klaas Knot. governador do Banco da Holanda
É um dos nomes com menos hipóteses nesta corrida, por múltiplas razões. A primeira é a proliferação de holandeses por altos cargos na União Europeia. O primeiro presidente do BCE foi o holandês Wim Duisenberg, até há cerca de ano e meio o holandês Jeroen Dijsselbloem foi, durante cinco anos, presidente do Eurogrupo, e agora há dois holandeses na corrida a altos cargos (sendo que a nenhum se antecipa grande sucesso): Frans Timmermans, o spitzenkandidaten dos socialistas e atual primeiro vice-presidente da Comissão Europeia quer suceder a Jean-Claude Juncker; Mark Rutte, o primeiro-ministro holandês, está a correr em pista própria para a presidência do Conselho Europeu.
Mas não é só o xadrez europeu que prejudica o atual governador do Banco Central da Holanda. Também está a correr em pista própria, tendo inserido o seu nome na disputa, mas não tem grande apoio, seja entre pombas ou falcões. O governo holandês vê com bons olhos, mas não avança com o nome, esperando que possa ser Klaas Knot o conservador escolhido como uma solução de compromisso para evitar um francês ou um alemão na liderança da instituição. Mas à sua frente tem o finlandês Liikanen.
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Benoit Coeuré, membro da comissão executiva do BCE
Seria uma solução de continuidade, mas é praticamente impossível. O francês é membro da comissão executiva do Banco Central Europeu desde janeiro de 2012 e termina o seu mandato de oito anos, não renovável, no final deste ano. Os estatutos do BCE não permitem que regresse à estrutura de topo da instituição, mas é ainda assim um dos nomes que França tem colocado a correr como potenciais sucessores de Mario Draghi.
Tem o conhecimento e a experiência, esteve ao lado de Mario Draghi durante praticamente todo o mandato, tem sido uma das vozes mais persistentes na defesa do cumprimento das regras orçamentais europeias e na necessidade de a política orçamental começar a contribuir para a estabilização do euro, sem ser sempre o BCE a correr para salvar a moeda única dos erros e da falta de capacidade de tomar de decisões dos líderes europeus. Conhece a instituição, os principais intervenientes, substitui muitas vezes Mario Draghi junto das instituições europeias. É fluente em japonês.
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Cobiçada cadeira de Draghi está quase a ficar vaga. Quem será o próximo a mandar no euro?
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