Centeno no FMI? De Guterres a Gaspar, portugueses brilham em cargos de topo internacionais

Se Centeno conquistar a liderança do FMI, irá juntar-se a uma já longa lista de portugueses em lugares de topo. Portugal é um caso raro ou é normal tanta exportação deste tipo de talento?

Depois de oito anos no Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde fez as malas e prepara-se agora para substituir Mario Draghi no Banco Central Europeu (BCE), deixando a liderança do fundo à disposição. Na corrida ao cargo está o “Ronaldo da Finanças”, Mário Centeno, que poderá juntar-se, assim, aos muitos portugueses que já ocupam cargos de topo a nível internacional. Portugal é um caso raro na exportação deste tipo de talento ou estão em questão casos singulares que pouco ficam a dever ao país? Os especialistas dividem-se.

Foi a 17 de julho, um dia depois de Lagarde ter apresentado oficialmente a sua carta de demissão do cargo de diretora administrativa do FMI, que o Politico indicou Mário Centeno como um dos possíveis sucessores da francesa.

Questionado sobre esta possibilidade, em entrevista à Rádio Observador, o primeiro-ministro admitiu que tal é “uma hipótese”, mas não um objetivo, defendendo que ainda é “prematuro estar a fazer juízos de probabilidade”. E no encerramento da convenção dos socialistas, António Costa foi mais longe, dizendo que Centeno poderá vir a exercer funções de “grande dimensão internacional”, uma alusão ao FMI.

A concretizar-se essa eleição, Mário Centeno juntar-se-á a um rol significativo de nomes portugueses que já ocupam cargos internacionais de topo. Nas Nações Unidas (ONU), está António Guterres como secretário-geral, mas também António Vitorino e Mónica Ferro em duas das agências dessa organização. Na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), está Álvaro Santos Pereira. Na UNICEF, Catarina Albuquerque. Na liderança da maior organização de astronomia do mundo, Teresa Lago.

E já “à espera” de Centeno no FMI, está Vítor Gaspar, que tem as rédeas do Departamento de Assuntos Orçamentais. O ministro das Finanças do “enorme aumento de impostos” poderá ficar, deste modo, a trabalhar debaixo da asa do ministro das Finanças, ao qual a direita deu o cognome de “Centeno, o cativador”. De notar ainda que, embora o Executivo de António Costa tenha ficado marcado por uma redução dos impostos (com o desdobramento dos escalões do IRS, por exemplo), a carga fiscal atingiu máximos históricos, nesta legislatura.

Quem são os portugueses que já estão no topo?

Entre os nomes que chegaram ao topo de cargos internacionais, está o de António Guterres, antigo primeiro-ministro português (entre 1995 e 2002) e secretário-geral da ONU, desde 2017. Guterres foi escolhido em detrimento da candidata búlgara Kristalina Georgieva (que era apoiada pela Alemanha), pelo seu trabalho enquanto líder do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Enquanto ocupou esse cargo, o português teve mesmo de lidar com uma das mais graves crises de refugiados das últimas décadas e com o agudizar dos conflitos na Síria e Iraque.

Também António Vitorino, antigo ministro do Executivo de António Guterres, assumiu um lugar de relevo numa das agências da ONU: desde 2018 que é diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações. Esta é apenas a segunda vez em quase 50 anos que esta agência não é liderada por um norte-americano (o candidato dessa nacionalidade ficou pelo caminho, depois de mensagens com conteúdo racista terem vindo a público).

Ainda na ONU, a antiga secretária de Estado da Defesa Mónica Ferro é, desde abril de 2017, diretora do Fundo Populacional das Nações Unidas para a População (UNFPA). Antes de assumir esse cargo, Ferro chegou a ser deputada, vice-presidente do grupo parlamentar do PSD e coordenadora do grupo parlamentar para a população e desenvolvimento.

A estes três nomes, somam-se o de Vítor Gaspar, que é diretor do Departamento de Assuntos Orçamentais do FMI, e o de Álvaro Santos Pereira, que é diretor do Departamento de Estudo sobre Países da OCDE.

Além destes, destaca-se Teresa Lago, que é secretária-geral da União Astronómica Internacional (UAI), desde 2018. Esta é a maior organização de astronomia do mundo, sendo a autoridade internacional responsável pela atribuição dos nomes oficiais de todos os corpos celestiais e das suas superfícies.

Nesta lista de portugueses a ocupar cargos relevantes internacionais, aparece ainda Catarina Albuquerque, jurista lusa e atual CEO da agência da UNICEF Sanitation and Water for All. Este é o cargo mais elevado ocupado por um português na UNICEF nos últimos 20 anos. O processo de seleção durou cinco meses, tendo Albuquerque ultrapassado quase duas centenas de candidatos.

Portugal: um caso raro de exportação de talento para o topo?

Além de todos estes nomes, Portugal já teve outros em destaque, casos de durão Barroso, que foi presidente da Comissão Europeia, mas também Vítor Constâncio, que foi vice-presidente do Banco Central Europeu. E tem (ainda) Carlos Moedas, em fim de mandato na Comissão Europeia. Mas é normal que um país de pequena dimensão consiga uma lista tão considerável de cargos relevantes?

“É raro em termos comparativos”, considera Carlos Gaspar, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI). Já António Costa Pinto, politólogo e coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, nota, em declarações ao ECO, que estão em questão casos concretos, cujo percurso não pode ser explicado pelo “país como um todo”.

“Portugal tem uma elite política com grandes qualidades”, salienta Carlos Gaspar, explicando que tal fica a dever-se sobretudo à Revolução dos Cravos, já que sem essa viragem política os “melhores” não teriam entrado na vida política nacional e seguido, a partir daí, o seu caminho até à ribalta internacional.

“Antes [do 25 de Abril] não havia portugueses em cargos internacionais, a não ser representantes oficiais”, lembra o especialista. Segundo Carlos Gaspar, a revolução veio trazer “o prestígio de uma nova democracia” o que impulsionou essa projeção internacional. Por outro lado, “há personalidade políticas portuguesas com grandes qualidades” quando comparadas com os seus pares, o que explica a relevância que acabaram por assumir e a raridade da projeção portuguesa nesse universo.

O efeito da imagem de Portugal na trajetória até ao topo

Estão ou não todas estas trajetórias ligadas à imagem de Portugal? António Costa Pinto explica que, no caso de António Guterres, a escolha ficou ligada essencialmente ao trabalho de diplomacia portuguesa e aos seus esforços no Alto Comissariado.

E no caso de Mário Centeno, a possível eleição para o FMI seria resultado do “modelo de seleção”, de “competirem europeus” e do facto de ser o atual líder do Eurogrupo. Aliás, aponta o politólogo, esse último ponto seria mesmo “o fator decisivo”.

Portanto, salienta Costa Pinto, estão em causa casos concretos, que “não são justificados pelo país como um todo”. Ainda assim, o professor admite que a “imagem pacífica” de Portugal ajuda, à semelhança do que acontece com a Suíça, cuja neutralidade tem levado os seus cidadãos a cargos de topo.

Costa Pinto discorda, no entanto, de Carlos Gaspar e salienta que Portugal não é “excecional” na exportação deste tipo de talento, já que outros países pequenos europeus, como a Suíça e a Holanda, têm projeções semelhantes.

Sobre os benefícios trazidos para o país por tantos portugueses ocuparem cargos de topo a nível internacional, Costa Pinto frisa que, ainda que Portugal ganhe “mais saliência internacional”, assumir esses lugares não é necessariamente vantajoso, porque alguns desses organismos não dão azo a esse destaque.

“Há uma confiança acrescida em Portugal”, avalia Carlos Gaspar. O especialista remata, recordando que a leitura é sempre ambivalente e que, por exemplo, os espanhóis acham mesmo que os portugueses ocupam cargos a mais.

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