Vem aí a greve dos motoristas. É assim que as empresas estão a preparar-se para o embate

Maioria das empresas já tem planos de contingência, alguns dos quais já estão ativados. Bombas e supermercados querem ter stocks cheios. Altice alerta para coincidência da greve com fase de incêndios.

No setor empresarial, tal como no caso de muitos particulares, a primeira resposta à pergunta de como se estão a preparar para a paralisação de motoristas de 12 de agosto é rápida: manter os tanques de combustível totalmente abastecidos até ao início da greve. Especialmente as empresas que dependem de frotas próprias. Depois, e ao longo da paralisação agendada por tempo indeterminado, a ideia será gerir esses mesmos tanques — e demais impactos, previsíveis ou não.

Da criação Gabinetes de Crise, a depósitos de combustíveis portáteis, reforço de reservas próprias, passando pela redução das deslocações, prioridade aos veículos elétricos, à garantia que tudo será feito para assegurar que nada faltará nas prateleiras dos supermercados, muitos são os passos que o tecido empresarial já tem em curso ou preparados para dar ao mínimo sinal de uma atrofia nas cadeias de abastecimento. Comecemos pelas prateleiras.

Distribuição: Falem com a APED (mas vão comprando bens)

A resposta automática das empresas de distribuição contactadas pelo ECO foi de remeter qualquer posição para a associação do setor, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED). Esta já antes tinha solicitado a inclusão dos bens alimentares nos serviços mínimos já que, caso contrário, poderá faltar comida nos supermercados. Mas nem todos se limitaram a remeter para a associação.

Do lado do Continente, a empresa salientou que está a acompanhar a evolução dos acontecimentos com a devida atenção, já que está “consciente do potencial impacto na operação do retalho alimentar”. Até ao momento, sublinha fonte oficial, “não se registam alterações significativas no comportamento dos consumidores em loja”, pelo que, por enquanto, não tem planeado qualquer alteração ao habitual funcionamento dos seus espaços. Mas a insígnia da Sonae MC é lesta em tranquilizar os seus clientes.

O Continente “está a trabalhar no sentido de garantir os habituais níveis de stock e capacidade de reposição nos lineares durante os dias da greve, bem como os que imediatamente lhe sucedam”. Uma resposta similar à que a empresa de distribuição grossista Makro avançou ao ECO, ainda que esta se dirija sobretudo ao canal Horeca.

“No âmbito da greve (…), a Makro Portugal informa que todos os seus serviços se encontram garantidos e assegurados. Estamos a tomar todas as medidas e salvaguardas para que a operação flua como o habitual, tanto a montante como a jusante, salvaguardando o recebimento das nossas mercadorias e o fornecimento dos nossos clientes de Hotelaria e Restauração através do nosso serviço de entregas”, disse fonte oficial. Mas, e por via das dúvidas, nada como prevenir, defende.

“Recomendamos, inclusive, a todos estes clientes de Hotelaria e Restauração o reforço antecipado de aquisição de bens não perecíveis, como mercearia, bebidas, descartáveis, e também, congelados, laticínios e charcutaria”, apontou a Makro.

Telecomunicações: Altice há duas semanas em modo ‘Crise’

Por ter que estar prevenida para mais do que uma crise, a Altice surge como a empresa aparentemente mais preparada para lidar com um cenário de agravamento dos impactos da greve. O que se justifica por ser uma empresa que também tem que estar a 200% em plena época de incêndios. Tanto que o gabinete de crise da empresa não só já está montado como já foi ativado há quinze dias.

Há mais de duas semanas que a Altice Portugal ativou o Gabinete de Crise, do qual fazem parte diferentes direções da companhia, de forma a serem atempadamente elencados os procedimentos necessários para dar resposta à nova greve dos motoristas de materiais perigosos, agendada para o dia 12 de agosto”, apontou fonte oficial da empresa ao ECO. Esta é uma equipa que reúne todas as semanas e que está em “total e estreito contacto com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil”, detalha. Mas se a greve coincidir com incêndios de larga envergadura… o caso pode complicar, e muito, alerta a Altice Meo.

“No entanto, quando vivemos numa época do ano onde é preciso dar resposta a um conjunto de situações relacionadas com os incêndios florestais, a Altice Portugal vê ainda com maior preocupação esta probabilidade de falta de combustíveis, em virtude dos milhares de quilómetros que as equipas técnicas e de operações da Altice fazem pelo país. E é exatamente neste campo que a empresa está especialmente atenta e preocupada, tentando prevenir problemas que possam pôr em causa a sua atividade na recuperação dos incêndios”, sublinha.

A Altice Meo tem assim definido um “plano de ataque” preparado para dois cenários possíveis, um para usar enquanto se estiver em estado de “alerta preventivo”, outro para uma “situação de emergência”. No primeiro cenário, a ordem é para “efetuar gestão assertiva” das escalas das equipas técnicas no terreno, reforçar kits de contingência ou reduzir viagens e deslocações e atestar depósitos de combustíveis portáteis, só para citar alguns exemplos.

Já em caso da declaração de situação de emergência — “caso sejam atingidos ou exista um elevado risco de serem atingidos os critérios previstos no Manual de Contingência de Disaster Recovery” — a empresa avançará para o racionamento, definição de prioridades de atuações no terreno e, em caso elevado de avarias, decidirá prioridades em função dos “critérios da Anacom”, o regulador do setor, que regulam estas mesmas prioridades em casos críticos, explicou a empresa ao ECO.

Energia e correios: Frotas dos CTT e EDP acauteladas

Respostas menos detalhadas chegaram da EDP Distribuição e dos CTT. A elétrica referiu ao ECO que, por enquanto, ainda não quer fazer comentários. Porém, em abril a empresa ativou um Plano Operacional de Atuação em Crise, tendo então salientado que este prevê “medidas excecionais de gestão de recursos de forma a conseguir responder a circunstâncias de urgência e de avaria, em particular unidades críticas e cidadãos com necessidades especiais”.

A EDP depende de um total de 3.700 veículos — incluindo prestadores de serviço — que percorrem o país para a realização dos trabalhos normais da atividade de distribuição de energia elétrica, daí que o reativar do Plano Operacional será um dos passos que naturalmente o grupo dará se a greve de 12 de agosto tiver (pelo menos) o impacto da anterior paralisação.

Já do lado dos Correios há também uma frota que cuidar. E a empresa assegurou ao ECO que a distribuição postal está a ser preparada para a greve. “Os CTT, procurando minimizar qualquer incómodo que a paralisação possa causar aos clientes, têm preparado um plano de contingência interno, adequado às necessidades da frota e que assegure a atividade de distribuição postal”, apontou fonte oficial.

Banca: temos (por obrigação) contingências para tudo

No setor bancário, as instituições financeiras também se dizem preparadas para o que der e vier. A banca é dos setores que irá sofrer sobretudo se a greve gerar uma situação em que os bancários comecem a sentir problemas em deslocar-se para o local de trabalho: afinal, há mais de 4.000 balcões bancários abertos diariamente.

A Caixa Geral de Depósitos apontou “estar a acompanhar a situação” e garante que “agirá de forma a proteger, dentro do possível, os seus interesses e dos seus clientes”. O banco público conta com mais de 500 agências. Uma resposta similar às restantes instituições.

Tanto o BPI, como o Montepio, realçaram que têm há muito planos de contingência preparados para qualquer eventualidade que possa impactar na atividade. “Temos um plano de continuidade de negócio que prevê um conjunto de ações para fazer face a eventuais emergências”, diz fonte do Montepio, que conta com mais de 300 balcões.

“O BPI tem planos de contingência, como sempre tem para prevenir situações excecionais. Como habitualmente, não divulgamos os detalhes”, disse fonte do banco liderado por Pablo Forero.

Gasolineiras: encher bombas até dar

À imagem do que foi recomendado pela ENSE, as petrolíferas e gasolineiras têm dado prioridade ao reforço dos stocks disponíveis nas bombas, procurando que nenhuma destas esteja menos que cheia aquando do início da paralisação. “A Repsol está a tomar as medidas adequadas à mitigação dos efeitos da greve, como por exemplo reforçando os stocks nos postos”, explicou fonte oficial ao ECO.

Apesar de não ser tão direta quando a Repsol, a resposta da Galp acaba por ir quase no mesmo sentido, já que está “preventivamente a tomar as medidas ao seu alcance para reduzir o mais possível eventuais constrangimentos para os consumidores no abastecimento de combustíveis“. Contudo, acrescenta fonte oficial da empresa, por ora ainda se “espera que seja possível superar as atuais divergências entre as diferentes organizações”.

Já a BP focou-se, na resposta ao ECO, nas preocupações que os clientes têm manifestado. “Sentimos os comportamentos normais de clientes preocupados com o que possa vir a acontecer”, o que se tem verificado “das mais variadas formas”, ainda que a empresa não as revele.

Transportes e aviões: as últimas e as primeiras vítimas?

Na greve de abril, foi através da aviação que se começou a perceber o real impacto da paralisação dos motoristas das matérias perigosas. Se no primeiro dia pouca ou nenhuma atenção foi dada à greve, assim que na manhã do segundo dia começaram a surgir relatos de falta de combustível nos aeroportos de Lisboa e Faro percebeu-se a dimensão dos impactos da greve. Mas e agora?

Do lado da TAP, que precisou de desviar aviões para abastecer no Porto em abril, a empresa preferiu não dar pormenores sobre algum plano de contingência que tenha em curso, tal como a easyJet que, em resposta ao ECO, apenas disse estar à espera de conhecer os serviços mínimos para poder ajustar as suas necessidades. Em abril, esta transportadora optou por fazer vários abastecimentos em Espanha.

Mas se as companhias aéreas foram as primeiras a sofrer em abril — à conta da inexistência de um oleoduto nos aeroportos de Lisboa e Faro –, as principais empresas públicas de transporte conseguiram evitar perturbações significativas, isto apesar da primeira versão dos serviços mínimos para esse paralisação ter sido mal desenhada. Agora, se os serviços mínimos forem reforçados, espera-se um impacto menor — desde que a greve não se prolongue por mais de cinco dias úteis. Por via das dúvidas, a 12 de agosto todos os tanques estarão cheios.

“A Transtejo Soflusa tem mantido os seus tanques de combustível totalmente abastecidos, cuja capacidade permite garantir a prestação do serviço público de transporte fluvial de passageiros durante cerca de 5 dias úteis”, apontou fonte oficial da transportadora. Tal como a Transtejo, também a Carris já está a tomar todas as medidas possíveis.

“A Carris aguarda informação sobre a inclusão do serviço de transporte coletivo de passageiros nos serviços mínimos que venham a ser fixados pelo Ministério do Trabalho”, começou por apontar a empresa ao ECO. A transportadora acrescentou: “Tendo presente a importância dos combustíveis na prestação do serviço público, a Carris tomará todas as medidas que estiverem ao seu alcance, de forma a minimizar o impacto nos utilizadores dos transportes, em linha com o que ocorreu na primeira greve.”

Apesar de viver sobretudo de energia elétrica, também o Metro de Lisboa estará atento aos impactos do eventual prolongamento da greve por alguns dias. Apesar de ter toda a rede alimentada por energia elétrica, e de já ter parte da sua frota automóvel assente em viaturas elétricas, as exigências de manutenção da via já pedem combustível fóssil. Mas aqui o caminho será o mesmo: ter tudo atestado até dia 12.

“O Metropolitano de Lisboa só necessita de diesel para as máquinas que procedem à manutenção da via. Neste momento, os seus reservatórios encontram-se abastecidos e o combustível que for sendo utilizado será reposto até à capacidade máxima dos depósitos até à data de 12 de agosto“, explicou a empresa ao ECO.

Plataformas e a “lamentável incapacidade de se chegar a acordo”

A ampla divulgação da rede de postos de combustíveis de emergência será uma das formas da Bolt e da Kapten lidarem com os impactos da paralisação dos motoristas. A antiga Taxify apontou estar a “criar um plano de comunicação para ajudar a prevenir os efeitos da greve“, incluindo então “toda a informação necessária sobre os postos onde será possível abastecer” e “soluções para otimizar o consumo de combustível”. Mas além da empresa, também os seus motoristas estão a precaver-se, diz a Bolt.

“Temos conhecimento de que alguns gestores de frota e motoristas já estão a preparar-se para todos os cenários, através de reservas de combustíveis“, conforme apontou fonte oficial.

Do lado da Kapten, as primeiras declarações são para ser entregues diretamente a camionistas, patrões e governo. “A manter-se esta lamentável incapacidade de todas as partes chegarem a um entendimento, a greve dos motoristas de materiais perigosos vai efetivamente ter grandes implicações no país, com um valor incalculável, em diferentes setores do mercado, seja direta ou indiretamente”, apontou fonte oficial ao ECO.

Reconhecendo a prioridade de “serviços e setores de primeira necessidade”, a operadora refere, porém, que há que ter em conta igualmente os “setores secundários” igualmente fulcrais na mobilidade dos cidadãos, “como sejam os transportes públicos em geral, serviços públicos e outros setores privados que estão dependentes dos combustíveis para operarem”. Entre estes, “não podemos deixar de referir que, por enquanto, a maioria dos transportes TVDE e táxis operam com combustíveis” e, por isso, estão mais expostos aos impactos da greve. Mas a exposição será mitigada dentro do possível, assegura a empresa.

“Tendo em conta que a Kapten conta com uma frota alargada de veículos elétricos, vamos criar incentivos aos nossos motoristas para que esta frota esteja disponível e a operar durante o período de greve”, explicou fonte oficial. Além disso, também os motoristas prejudicados no seu rendimento serão cuidados, garante a empresa.

“A Kapten está ainda a preparar um incentivo adicional aos Parceiros e Motoristas fiéis, que os ajude a reduzir o impacto negativo que esta greve possa ter nos seus rendimentos/negócios. Queremos assegurar-nos que os motoristas e parceiros continuam a trabalhar de forma sustentável e com motivação.”

Além das empresas supracitadas, o ECO tentou ainda ouvir várias outras que, por diferentes razões, preferiram não fazer qualquer comentário ou divulgar qualquer plano de contingência que já tenham desenhado.

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