PGR diz que greve dos motoristas está no limite do admissível
A PGR considera que a greve dos motoristas pode estar no limite do admissível, "por ser contrária à boa-fé". Atira, contudo, para os tribunais a avaliação da legalidade da paralisação.
O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República considera que não dispõe de elementos suficientes para afirmar que a greve dos motoristas de matérias perigosas é ilícita, mas deixa claro que é possível concluir que esta paralisação está “no limite entre aquilo que é admissível e aquilo que é uma utilização abusiva” do direito em questão.
“Considerando a conjugação da frustração da confiança criada com a celebração dos protocolos negociais, com a inesperada quebra das negociações, com as razões invocadas para a greve, com a sua utilização como instrumento de pressão junto de um terceiro, alheio ao conflito, e mesmo com outros fatores que não cabe ao Conselho Consultivo apurar, poderá, em última análise, em casos extremos e excecionais, chegar-se à conclusão de que estamos no limite entre aquilo que é admissível e aquilo que é uma utilização abusiva, por ser contrária à boa-fé do direito à greve”, lê-se no parecer que foi enviado, na quinta-feira, ao Ministério do Trabalho e divulgado, esta sexta-feira, pelo Governo, após a reunião de Conselho de Ministros, que levou à declaração de crise energética.
No que diz respeito à alegada violação das “pretensas cláusulas de paz social” previstas nos protocolos celebrados pelos patrões e pelos sindicatos independentes, o Conselho Consultivo frisa que não estão em causa convenções coletivas, pelo que o incumprimento dos termos referidos não implicam a “ilicitude da greve”. De acordo com a Procuradoria-Geral da República, a violação destes protocolos ou acordos iniciais “apenas poderá constituir uma violação da boa-fé”.
Já relativamente à “desproporção entre os benefícios obtidos e prejuízos que muito provavelmente [esta greve] irá causar” no funcionamento da economia nacional, o Conselho Consultivo salienta que esse princípio não pode ser aplicado, nem leva à ilicitude desta paralisação.
Quanto à duração indeterminada da greve, o Ministério Público lembra que o Código de Trabalho não impõe qualquer limite de duração máxima de um movimento reivindicativo deste tipo. “A duração ilimitada do seu protesto pode, insistimos, ser um indício do caráter abusivo da greve, mas por si só não a torna de forma alguma ilícita“, é explicado no parecer.
Depois de ter desmontado estes três argumentos, o Conselho Consultivo reforça que uma leitura diferente do que a conseguida até aqui poderia resultar, por outro lado, da “conjugação da boa-fé negocial com a figura do abuso do direito”. É nesse âmbito que a Procuradoria-Geral da República sublinha que o gozo de um direito pode ser ilegítimo, se o titular exceder “manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. O parecer indica, por isso, que tendo em conta o contexto desta paralisação, poderá estar em causa uma greve que se encontra no limite entre o admissível e o abusivo.
“Parece estar no intuito dos grevistas ‘produzir danos injustos e desproporcionados para o dador de trabalho, para terceiro ou para a própria coletividade'”, afirma o Conselho Consultivo, atirando, contudo, para os tribunais “o apuramento dessa matéria de facto”.
“O direito de greve não é um direito absoluto, imune a quaisquer restrições ou limites, devendo, em casos de colisão com outros direitos ou valores constitucionalmente protegidos, operar-se a devida harmonização prática”, acrescenta o Ministério Público, nas conclusões do parecer.
Já no capítulo dedicado aos serviços mínimos e à possibilidade de o Governo recorrer à figura da requisição civil, o Conselho Consultivo sublinha que, nos casos em que a greve afete a integridade física dos cidadãos ou o regular funcionamento dos setores “essenciais”, os serviços mínimos “podem e devem ser mais extensos”. O parecer nota ainda que há margem para o recurso à requisição civil preventiva, “num momento em que o dano ainda não se consumou, mas se prepara para consumar”.
De notar que este parecer não tem caráter vinculativo e que já tinha sido pedido pelo Executivo no caso da greve dos enfermeiros, no final do ano passado. Nesse caso, o parecer acabou por ser conhecido só 81 dias depois.
A greve dos motoristas que arranca esta segunda-feira é a segunda em quatro meses. Em abril, a paralisação deixou muitos postos sem combustível, tendo o Governo desta feita declarado a situação de crise energética ainda antes do início da greve e imposto limites ao abastecimento em todas as bombas do país. A partir das 23h59 desta sexta-feira, as viaturas ligeiras só poderão ser abastecidas com 25 litros nos postos não abrangidos pela Rede de Emergência de Postos de Abastecimento (nesses postos, o limite é de 15 litros).
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