Motoristas e Antram regressam hoje à mesa das negociações. O que esperar?
Governo pode assumir hoje oficialmente o papel de mediador entre as partes, mas este é apenas um dos desfechos possíveis de uma reunião que pode levar a um acordo, a mais encontros ou à greve.
Depois de avanços e recuos de ambas as partes, de muitas trocas de acusações no espaço mediático, e no dia em que termina de facto o estado de crise energética em que o país nunca chegou realmente a estar, a Antram e o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) vão voltar a (tentar) negociar, num “reencontro” que pode decorrer de forma separada mas que surge mais de um mês depois da quebra total.
Desde essa quebra, a greve avançou, a requisição civil e as forças armadas também, a Fectrans foi chamada a assinar um acordo histórico, o sindicato independente acabou também por o aceitar ao cabo de quatro dias de greve e os motoristas das matérias perigosas aguentaram mais três dias. Desconvocaram a greve no domingo, recuaram em parte das exigências e hoje voltam à mesa do Ministério das Infraestruturas.
O que separa as partes agora é menos do que separava há um mês. Mas ainda assim ameaça ser o suficiente para que a pacificação do setor, mesmo que temporária, ainda não seja celebrada esta terça-feira. Foi agendada um único dia para reuniões — que decorrerão a horas distintas –, desconhecendo-se o que duas partes tão desconfiadas uma da outra farão caso não se registem aproximações. Uma nova reunião? O avanço de um mediador oficial do Governo? Ou nova escalada de tensões?
A questão é especialmente pertinente porque, por um lado, o SNMMP levará consigo uma versão redux das ameaças que levou para os últimos encontros — agora uma greve às horas extraordinárias –, ideia que foi recebida com contenção pela Antram, que preferiu enaltecer o regresso às conversações, mas que no limite poderá espoletar nova recusa em negociar face a ameaças. Por outro lado, também a Antram já deixou claro não ter especial vontade em continuar a aproximar-se das exigências deste sindicato.
Em cenário de novo impasse, o recurso à oferta feita por Pedro Nuno Santos uma semana antes do início da paralisação poderá ser a única via imediata para evitar novo agravamento. Este ainda não é o caminho oficial porque a Antram recusou o mesmo ainda com a greve em curso e será agora necessário que ambas reafirmem — oficialmente, não mediaticamente — essa vontade.
Os cenários possíveis
Comecemos pelo ponto de partida atual de cada uma das partes. Na antevisão a novo dia de reuniões no MIH, à CMTV, o representante da Antram deixou claro que as empresas “não podem aceitar aumentos” salariais que possam representar “despedimentos coletivos em massa” ou o “fecho das empresas”, apontou André Matias de Almeida. A associação deve reunir com Pedro Nuno Santos a partir do meio-dia.
Nesta novo encontro com o governante, as empresas vão mostrar-se disponíveis “para o diálogo”, mas só negociarão “o que as empresas podem suportar”, explicou o responsável. Este limite, tendo em conta as declarações anteriores de André Almeida, pode traduzir-se por colocar em cima da mesa não mais do que aquilo que foi ‘oferecido’ à Fectrans e ao SIMM — até para não discriminarem outros motoristas de matérias perigosas, filiados no SIMM ou em outras estruturas representadas pela federação, explicou. Mas o “não mais do que” aquilo que já está na mesa para o SNMMP não é suficiente.
Segundo a moção aprovada no último domingo pelos filiados do SNMMP, caso a Antram continue a “demonstrar uma postura intransigente”, a direção do sindicato está mandatada para tomar medidas como “a convocação de greves às horas extraordinárias, fins de semana e feriados”. O que será considerado uma “postura intransigente”? Não se sabe.
A proposta nas mãos da Fectrans e do SIMM já contempla várias melhorias para janeiro de 2020, mas o SNMMP já reivindicou uma subida de 40% no subsídio de operações — previsto em 125 euros mensais — e/ou para uma revisão em alta do valor da cláusula 61, hoje nos 325 euros e que em 2020 poderá chegar aos 360 euros. Estes foram termos apresentados na última tentativa de aproximação das partes, que terminou sem acordo. Contudo, esta reunião acabou por ser mais um passo que levou o SNMMP a decidir-se pelo fim da greve — e a que não terá sido alheio o novo interveniente do lado do sindicato.
Sendo certo que é possível decretar um período de paz, mesmo que temporária, caso as partes cheguem a um acordo nas reuniões de hoje — o sindicato deve reunir com o ministro a partir das 16h — são muitas as dúvidas sobre o que acontecerá caso se concretize o cenário mais provável. Não se registando qualquer aproximação esta terça-feira, o que pode acontecer?
Continuar ou radicalizar
São duas as ramificações possíveis em caso de no deal, partindo de cada uma outras subramificações. Ou as partes optam por manter a postura negocial e avançam para novas rondas ou ambas — ou uma delas — avançam para a “radicalização”, leia-se bater com a porta, acusando a outra de intransigência ou ameaças. Comecemos por esta última.
Os dirigentes do SNMMP poderão interpretar a falta de novos avanços do lado da Antram como a tal “intransigência” a partir da qual estão mandatados para avançar de novo para a luta, que agora será em versão menos agressiva. A declaração de uma greve por “tempo indeterminado” por parte de um setor vital para a economia foi o que abriu a porta para o Governo poder decretar serviços mínimos bastante elevados, expurgando a paralisação de quaisquer impactos significativos. Agora já não abrirão essa porta.
O protesto preanunciado pelo sindicato passa por uma greve às horas extraordinárias, uma forma de protesto que ameaça a economia não no imediato, mas sobretudo pelo desgaste. Desgaste a que os próprios motoristas não estarão sujeitos: deixam de fazer 10 horas, 12 ou 14 horas por dia, o que inviabiliza uma série de serviços, sem que os próprios percam dinheiro — esta é uma forma de colocar o atual acordo a trabalhar a seu favor, já que recebem sempre o mesmo por horas extraordinárias, mesmo que sejam zero. Esta paralisação, de desgaste no tempo, também tornará mais difícil para o Executivo adotar uma atitude tão ‘anuladora’ da greve.
O bater de porta pode também chegar do lado da Antram, por considerar que já se aproximou demasiado das pretensões dos motoristas. A Associação volta a negociar com o sindicato a agitar a ameaça de greve e isso pode ser suficiente para recusarem negociar mais em caso de nenhum avanço nas reuniões de hoje. Nesse caso, a saída das negociações pela Antram empurrará o SNMMP para a greve.
Negociar ou mediar
Caso as partes não registem aproximações esta terça-feira, também podem assumir a postura mais comum num processo negocial. Recolher, reanalisar e voltar a reunir. Contudo, e caso se perceba que em conversações entre si jamais chegarão a um acordo, também poderão solicitar de uma vez ao Governo que, através da Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, apresente uma proposta de convenção coletiva de trabalho, que pode versar apenas sobre as cláusulas em conflito. Este é um cenário que se pode verificar já na reunião de esta tarde, que pode ser aproveitada pelo Ministério para recolher desde logo as reivindicações e limites de cada um.
Neste caso, caberá ao Executivo assumir o fato oficial de mediador e começar em trocas e contactos com cada parte separadamente, procurando pontos de entendimento que ambas não conseguiram perceber sem um ‘árbitro oficial’. Sendo este o caminho, a DGERT terá 10 dias para nomear o mediador que, assim que for nomeado, terá 30 dias para enviar propostas às partes. Estas terão então 10 dias para manifestar a aceitação ou recusa, resposta que deve ser comunicada à outra parte nos dois dias seguintes.
Partindo do princípio que o Governo já está consciente das exigências de cada um dos lados — tem reunido com ambas — neste período de 30 dias podem surgir rondas “negociais” por escrito com cada um dos lados para apresentação e receção de propostas pelo mediador, que também pode solicitar respostas ou pedidos de clarificação, até ao ponto em que se sentir ‘confortável’ para emitir uma proposta, ou pelo menos o mais confortável possível no prazo de 30 dias.
Quando a proposta estiver desenhada, as duas partes serão convidadas a analisar o clausulado preparado pela DGERT mas, tal como ocorre com o processo de conciliação, tanto o podem aceitar total ou parcialmente, ou rejeitá-lo. Caso seja aceite, o documento do mediador não terá ainda expressão autónoma, pelo que Antram e SNMMP terão ainda de o oficializar. Contudo, e imaginando que o resultado final deste processo é melhor que a proposta hoje em mãos do SIMM e da Fectrans, tal como exigem os motoristas de matérias perigosas, o que acontecerá de seguida?
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