Pedro Nuno Santos afirma em entrevista ao ECO24 que a nova greve dos motoristas é menos preocupante do que aquele que ocorreu este mês, mas não se compromete sobre a eventualidade de serviços mínimos.
Pedro Nuno Santos é o ministro do momento, o negociador do Governo no conflito entre a associação empresarial de transportadoras (Antram) e o sindicato dos motoristas de matérias perigosas, agora sem Pardal Henriques. Foi no ministério das Infraestruturas que decorreram as negociações entre as duas partes e que voltaram a resultar num novo pré-aviso de greve, mas o ministro recusa a tese de que falhou. “Eu imagino que se espera milagres, mas na realidade eu não faço milagres”, afirma. Direto, Pedro Nuno Santos não deixa de criticar as pré-condições impostas pelo sindicato para ir para a mediação. E diz, com fina ironia, que não está nada surpreendido com a candidatura de Pardal Henriques pelo PDR às legislativas. Para quem o considera o ministro socialista mais próximo do Bloco de Esquerda, a atenção à realidade económica e financeira das empresas não deixa de surpreender. “O problema é que é muito mais fácil dizermos que as empresas não dão mais porque não querem. A realidade é um bocado mais complexa e a questão não é ser mais ou menos à esquerda”.
As eleições legislativas estão aí, a pouco mais de um mês, e Pedro Nuno Santos volta a salientar que o PS deve repetir os acordos à esquerda se ganhar as eleições. Sabe que a afirmação, feita no período da troika, sobre os banqueiros alemães o vai perseguir, mas hoje assume que Portugal tem de cumprir as metas acordadas com os parceiros europeus em matéria de contas públicas. E deve, ao mesmo tempo, bater-se pela mudanças dessas regras. Uma coisa é clara: Pedro Nuno Santos não diz que quer continuar a ser ministro das Infraestruturas no próximo Governo, mas meia frase basta. “Eu gosto muito do que estou a fazer…”.
Pedro Nuno Santos foi o negociador do Governo no conflito dos motoristas de matérias perigosas. Como mediador desta crise energética, assume que falhou?
Não, nós não estamos em greve.
Mas há uma nova greve…
Em quatro meses, já vamos no quarto pré-aviso de greve. É um trabalho de negociação permanente, quase. Desde abril, que estamos a fazer este trabalho de negociação com o sindicato. Se se recordam, em maio, houve um novo pré-aviso. Nós tivemos uma greve cancelada em abril. As negociações passaram para a Direção-Geral do Emprego e Relações de Trabalho (DGERT). À terceira reunião havia um novo pré-aviso de greve para agosto e continuou-se sempre em contacto…
Mais uma razão. Aparentemente, a mediação falhou, a sua mediação.
Eu imagino que se espera milagres, mas na realidade eu não faço milagres. Nem eu, nem a DGERT, que teve a fazer esse trabalho. Obviamente que este é um conflito entre privados, não somos nós que fazemos as reivindicações, nem somos nós que temos a capacidade de as satisfazer. Aquilo que podemos fazer é promover o encontro das partes e, de alguma forma, tentar ao longo do processo desbloquear um dos lados do desafio.
Se a sua mediação não falhou, o que falhou? Qual foi a parte mais intransigente?
Mais uma vez, as greves existem e fazem parte da nossa democracia. Não podemos entender que sempre que há uma greve alguma coisa correu mal. As greves fazem parte da democracia e do Estado de direito como o nosso e, portanto, temos de conviver com naturalidade com elas. Obviamente que o Estado e o Governo não fazem a mediação de todas as greves e sempre que há um conflito laboral. O que acontece com esta greve em relação às outras é que ela, de facto, tem um impacto muito tremendo na vida dos portugueses.
Chegou a parar o país…
Desde abril que o país nunca parou. Portanto, deste ponto de vista, nós não podemos falar em falhanço. Agora há um conflito laboral entre privados que não pode ser resolvido por nós, na medida em que não somos nós a entidade empregadora dos trabalhadores que fazem a greve.
Então porque é que decidiu mediar?
Porque, obviamente, como esta é uma greve com um impacto tão grande, procuramos, dentro daquilo que são as nossas possibilidades, que as partes em conflito se encontrem e tentem encontrar um ponto de entendimento. Este sindicato, o SNMMP, não é o único do setor. E foram conseguidos dois acordos com dois sindicatos. O maior, a Fectrans [CGTP], e o sindicato independente de motoristas que estava em greve. Portanto, foi possível chegar a acordo, promover o acordo entre empresas e sindicatos. Não foi possível, infelizmente, com o SNMMP ainda. Eu espero e temos a convicção que venha a ser…
E é neles [no SNMMP] que reside a culpa, então?
Não, não estou à procura da culpa. Aquilo que posso identificar é o que, em cada momento concreto, não se conseguiu desbloquear. A questão não é culpa. Há um sindicato que representa trabalhadores, tem um conjunto de reivindicações, quer obter essas reivindicações e define formas de luta ou de negociação.
Mas quem tem estado mais inamovível: a Antram ou o sindicato?
Eu não faço esse juízo.
Não é o que diz o sindicato dos motoristas de matérias perigosas. O sindicato diz que faz esse juízo…
Eu não faço esse juízo e é errado. Foi possível haver dois acordos com dois sindicatos. A Antram conseguiu um acordo com a Fectrans, a Antram conseguiu um acordo com o SIMM, a Antram já tinha conseguido um protocolo, um pré-acordo em matéria salarial com o SNMMP. Portanto, não estamos a falar de uma situação em que é impossível chegar a acordo. Efetivamente, na última conversa que nós tivemos, depois de muitos avanços e recuos, nós estivemos a trabalhar para que as duas partes ainda em conflito, as duas partes com posições diferentes e divergentes pudessem levantar qualquer pré-condição ao início do processo negocial. E há uma parte que não apresentou pré-condições e há uma parte que manteve as pré-condições. Eu não posso mentir.
O processo de mediação — depois de todo o trabalho e dos meses que foram percorridos — só seria verdadeiro, realista e viável se as duas partes aceitassem avançar para ele de forma livre e sem pré-condições.
Como é que classifica a existência de pré-condições de quem diz querer uma mediação?
Eu terei de ter sempre muito cuidado com as palavras, porque não quero ser um problema na futura resolução deste conflito. Diziam que as declarações do senhor ministro estavam muito coladas às da Antram. Eu disse sempre e continuo a dizer que o meu compromisso é com o povo português, como qualquer membro do Governo, e com a verdade. Nesse trabalho que estivemos a fazer da última vez, a Antram levantou a pré-condição que tinha para iniciar o processo negocial e o SNMMP não. Eu não posso fazer de conta que isso não aconteceu com medo que alguém diga que eu estou colado com quem quer que seja. O meu compromisso é com a verdade. Na realidade, o processo de mediação — depois de todo o trabalho e dos meses que foram percorridos — só seria verdadeiro, realista e viável se as duas partes aceitassem avançar para ele de forma livre e sem pré-condições.
Essas pré-condições condenaram as próprias negociações, que acabaram por redundar num falhanço
Se nós aceitamos entrar num processo de mediação e se desejamos esse processo de mediação, as pré-condições ou são aceites pela outra parte ou vão servir apenas de bloqueio a que a mediação se faça, que foi o que aconteceu, infelizmente. Portanto, agora temos o anúncio de uma nova greve.
Na terça-feira, disse que a telenovela tinha acabado. Afinal, não tinha acabado. O ponto é que o Governo foi surpreendido, ou agiu tarde, em abril. Agora, agiu cedo e de forma musculado. E na verdade as duas resultaram na mesma coisa: o sindicato e a Antram continuam desavindos, com uma intervenção direta sua e do Governo.
Essa é a parte engraçada do debate político nacional. O Governo, em abril, foi criticado porque agiu tarde. O Governo, em agosto, é criticado porque agiu cedo de mais ou de forma musculada e isso é extraordinário, porque todos transformamos a política num exercício cínico. Nós não somos capazes de fazer a avaliação, nem os comentadores, de dizer que o Governo esteve bem. Isto é extraordinário. Nós estamos sempre a ser julgados e a verdade é que os senhores não fazem bem o vosso papel. É extraordinário que os senhores me interpelem dizendo que, em abril, o Governo chegou tarde demais e em agosto chegou cedo demais. Todos temos que aprender com o que vai acontecendo e não há aqui nenhuma ponta de arrogância. Nós tivemos uma greve que parou o país durante três dias e tivemos um Governo a dizer “alto que temos de nos preparar antecipadamente em qualquer momento no futuro semelhante a este”. E foi o que nós fizemos. Definimos serviços mínimos, porque as duas partes não se entenderam. Nós definimos os serviços mínimos que entendemos serem os necessários para garantir estabilidade. Não houve nenhum exagero, cumpriu-se a lei na medida escrupulosa para garantir que a vida dos portugueses não era perturbada ao mesmo tempo que não se impedia a greve. Serviços mínimos definidos; Depois, a partir do momento em que nós constatamos que os serviços mínimos não estavam a ser cumpridos, foi aprovada uma requisição civil. Para quê? Para garantir que os serviços mínimos eram cumpridos. Se alguns trabalhadores não cumpriram os serviços mínimos nesse caso, nós fizemos o que sempre andamos a dizer: em última instância, recorreremos às forças militares para fazer aquilo que são os serviços mínimos. Foi aquilo que foi feito.
A verdade é que com os serviços mínimos e com a requisição, houve claramente momentos e pontos que ficaram acima dos mínimos definidos.
Mas quem é que diz isso?
Dizem os números
Então diga-me lá. Houve militares e forças de segurança a fazer esses serviços. Onde é que se fez mais do que os serviços mínimos?
Não se fez?
Não me pergunte a mim. Pergunte à ANA, pergunte à TAP. Os serviços mínimos para o aeroporto eram 100% e nós tivemos militares…
Estou a dizer que foram decididos serviços mínimos e requisição civil e houve zonas em que os serviços mínimos foram ultrapassados. O que prova é que a definição desses serviços mínimos talvez tenha sido excessiva, como denuncia o sindicato, face às necessidades reais.
O que é que um Governo tem de fazer quando as coisas não correm como desejável? Aprender. É assim na vida e na política. O que é que conseguimos comprovar? Que aprendemos e tomamos as decisões corretas para garantir que uma greve que poderia ter um potencial de parar o país não o fazia.
Mas, ao fazê-lo, não criaram as condições para a greve que está em cima da mesa?
Criamos as condições para que a greve continuasse… Eu diria assim: tendo em conta que a greve não produziu os resultados esperados, alguém sentiu a necessidade de a desconvocar e fazer uma greve só às horas extraordinárias.
Qual é a sua conclusão?
A minha conclusão é que, chegados a domingo, assistimos a uma desmobilização progressiva. O que podemos constatar é que, à medida que o tempo estava a decorrer, a greve estava a perder força. Quer dizer que, se a greve não fosse desconvocada, o que aconteceria? Mas eu não sou analista. O que eu sei é que [a greve] foi desconvocada e que foi convocada uma greve só às horas extraordinárias.
E qual é a interpretação do senhor ministro?
Não me cabe fazer a análise da razão que os levou a desconvocar e a fazer uma greve parcial.
Posso perguntar, então, se considera que poderão ser necessários serviços mínimos numa greve a horas extraordinárias?
Nós teremos de avaliar com cuidado, porque aquilo que este Governo faz é avaliar em cada momento, tomar as medidas necessárias. Eu diria que a situação é muito menos preocupante do que aquela que nós enfrentamos com esta greve [de agosto]. Por isso, temos de avaliar se alguma estrutura básica fica ou não em risco.
Quais são essas estruturas básicas?
Eu, neste caso, diria que temos de ter particular atenção ao aeroporto pelo impacto que tem alguma perturbação. Essa é uma avaliação que temos que fazer. Não consigo dizer hoje que venham a ser necessários serviços mínimos, neste contexto. Mas não é muito responsável dizer — sem ter a certeza e sem ter feito uma análise muito cuidada — que não serão necessários serviços mínimos. Temos que fazer essa análise de forma séria e responsável. Em última instância, pode acontecer que o sindicato e a associação patronal se entendam quanto ao nível dos serviços mínimos. Só quando não se entendem é que a DGERT tem de os fixar.
E o “fim da telenovela”…
A ideia da telenovela. O que acontece depois de tantos dias, de tanto trabalho, naquele dia em que estávamos a promover as reuniões, tinhamos tido de manhã uma reunião com a Antram e, de tarde, íamos ter com o sindicato. Eu estava a regressar do almoço para a reunião da tarde e a pergunta dos jornalistas era “senhor ministro, o sindicato acha estranho que a Antram tenha reunido primeiro”. Isso, para mim, era um não-assunto. Primeiro, porque o sindicato quis fazer a reunião às quatro da tarde. Até para prepararmos melhor essa, decidimos fazer a reunião com a Antram antes. A páginas tantas, estamos tão agastados com o trabalho que temos que fazer e ainda temos que levar com perguntas…
Foi um comentário do porta-voz do sindicato…
Eu entro no elevador e [percebi] que não devia ter dito nada. Perante um episódio irrelevante, na minha opinião, fiz aquele comentário que foi entendido como arrogante por alguns. Obviamente, o risco de sermos arrogantes é muito grande, mas temos de ter o cuidado de não o ser. É um comentário que se eu pudesse ter escolhido não o tinha feito.
Mas está feito…
Já fiz piores, em 2011. Estão sempre nas redes sociais. Portanto, vivo bem com isso, bem com tudo o que fiz ao longo da minha vida. Tem de ser assim, ou estávamos tramados.
Tenho muita pena que não tenha havido ainda um acordo entre a Antram e o SNMMP. Espero que esse acordo venha a existir.
Está arrependido de ter abdicado das suas férias? Valeu a pena?
Valeu, claro. Não é só a questão de ter valido ou não a pena. É o que é. Eu gostava muito de não ter interrompido as minhas férias com a minha família, mas isso é da vida. O problema que nós enfrentávamos era muito maior e eu tinha de fazer o meu trabalho. E fiz o meu trabalho com toda a dedicação e empenho. Tenho muita pena que não tenha havido ainda um acordo entre a Antram e o SNMMP. Espero que esse acordo venha a existir.
Vê sinais de uma aproximação, nestas últimas horas, ou não?
As declarações que ouvi do presidente do sindicato são boas desse ponto de vista. Embora ainda insista na pré-condição. Mas, atenção, se, por alguma razão, a Antram aceitasse ir para negociações com essa pré-condição, ficávamos contentes. Por nós, o que é importante é que haja entendimento entre as partes. Mas pareceu-me haver vontade de se resolver.
Há empresas que, dizem, vão tentar impugnar a greve de setembro. Vê razões para a impugnação da greve?
Não consigo fazer essa avaliação. Se tivesse formação jurídica, mesmo não podendo, poderia arriscar. Mas sou economista.
Estamos tão dependentes desta classe profissional. Para quando pipelines que resolvam o problema dos aeroportos?
Esse trabalho já estava a ser feito, o senhor ministro do Ambiente já o anunciou. Trataremos a prazo, dentro do possível. Estamos a trabalhar com a ANA para que haja no futuro aeroporto do Montijo. Nós temos vários problemas e o maior, diria, é ainda os trabalhadores, na sua generalidade, ganharem pouco. Não ganharem aquilo que ambicionam. Isso é um problema. O que eu quero com isto dizer é que, obviamente, compreendo a ambição dos trabalhadores de poderem receber melhor, ter melhor condições de trabalho. Em Portugal, o salário médio é baixo e isso preocupa-nos. As condições de trabalho de um motorista não são fáceis. Não é uma atividade fácil, nomeadamente os motoristas internacionais. Não é uma atividade fácil, ganha-se pouco em Portugal. E a natureza da atividade dá-lhes um poder grande de ter consequências na vida de toda a gente.
As petrolíferas deveriam ser chamadas a esta discussão?
Elas vão estando, na relação com a Antram… E julgo que também são uma parte preocupada em todo este…
Mas deviam ser mais ativas ou não?
Nós hoje vivemos um contexto de esmagamento de margens em todos os setores. Nós, por vezes, temos a tendência, mais fácil, entender que as empresas têm de suportar [os encargos] se os trabalhadores ambicionam e têm direitos. Acontece que, em muitos setores e numa grande maioria das nossas empresas, não têm efetivamente capacidade.
Esse discurso nem parece de um ministro que vem da ala à esquerda do PS…
Não, porque o problema é que é muito mais fácil dizermos que as empresas não dão mais porque não querem. A realidade é um bocado mais complexa e a questão não é ser mais ou menos à esquerda. Se quisermos resolver os problemas que nós enfrentamos no país, temos que olhar para as coisas a sério. E Portugal ou tem a capacidade de evoluir para setores tecnologicamente mais avançados e com maior valor… Eu sei que não tem diretamente que ver com o tema, mas, indiretamente, tem tudo. Ou conseguimos migrar a nossa economia para setores com capacidade para produzir maior valor acrescentado ou continuaremos com muitas dificuldades em pagar melhores salários e isso terá consequências diretas em todos os trabalhadores de quase todos os setores.
Reconhece que os trabalhadores podem aspirar a melhores salários? Mas reconhece também que a Antram não tem capacidade para pagar esses salários?
Quem está em melhores condições para o avaliar, obviamente, é a Antram. Não somos nós, que não temos o conhecimento direto das contas das empresas. Sabemos que foi feito um esforço já muito grande, que resultou no acordo assinado entre a Antram e a Fectrans [afeta à CGTP] que representa vitórias concretas e com aumentos salariais concretos para os trabalhadores que são um salto grande. Um salto de 250 euros para o trabalhador, para a empresa 300 euros, a partir de 1 de janeiro de 2020 é significativo. Nós não estamos a falar de aumentos reduzidos, portanto são aumentos bem acima dos aumentos a que nós vamos assistindo na globalidade dos setores profissionais. Não estou com isto a dizer que ganham muito, estou a dizer que neste setor há um esforço notório, porque os salários estão a aumentar acima do que estão a aumentar na média nacional.
Este setor, nomeadamente de matérias perigosas e dos combustíveis, acaba por ser fornecedor de um setor que têm três ou quarto grandes empresas com um peso de mercado muito forte. Não estará aí o nó górdio para resolver o problema da cadeia deste setor? E, por isso, perguntava se não deveria ser mais explícita a participação das grandes empresas petrolíferas que estão a operar em Portugal nesta discussão?
Eu não queria exceder-me naquilo que pode ser dito, mas que o Governo não ignorou essa frente, não ignorou. Agora temos ter atenção ao seguinte: os motoristas de matérias perigosas rodam os 800 e os 1.000 trabalhadores num total de 50.000 motoristas. E, obviamente, as reivindicações e os resultados parcelares não deixam de ter consequências e influenciar todo o universo. Nós ouvimos dizer: “estamos a falar aqui de um aumento de 50 euros”. Foi assim que foi explicado. Aquilo que se está a falar é um subsídio novo, que não existia, que foi criado especificamente para os motoristas de matérias perigosas, que é um subsídio de operações e que a Fectrans e o SIMM chegaram a acordo num valor de 125 euros e o SNMMP quer que seja de 175 euros. Obviamente que isso tem consequências ou pode ter consequências em todo o setor e, portanto, já não estaríamos a falar de um pequeno aumento dos custos das empresas, mas num aumento muito mais generalizado e, aqui, só para terminar a questão das petrolíferas, as petrolíferas só responderiam perante o transporte de combustíveis. Por isso, é preciso dizer que o problema é muito mais complexo do que aquilo que nos parece à primeira vista.
Nós temos sindicalistas na CGTP, o Partido Socialista tem sindicalistas na CGTP. É uma central sindical absolutamente e claramente independente do Partido Socialista, não faz favores ao PS, nem me parece que o PS faça favores.
Dizem os críticos que o Governo impôs serviços mínimos na Ryanair, uma greve que está em curso, impôs serviços mínimos na greve dos motoristas de matérias perigosas e veremos se vai impor na que está prevista para setembro. Estamos a falar de sindicatos independentes, novos sindicatos ou sindicatos digamos fora do universo CGTP e UGT. Tomaria a mesma decisão se os sindicatos fossem afetos à CGTP e UGT?
Isso não entra na equação da decisão, como é evidente. Nós podemos, quando tomamos uma decisão de serviços mínimos — é tomada pela DGERT e obviamente, neste caso, o Ministério das Infraestruturas participa também, é codecisor ou, pelo menos, a decisão não é tomada pelo Ministério do Trabalho sem que nós partilhemos também a nossa concordância. É feita uma avaliação e, no caso da Ryanair, o ministro do Trabalho já teve oportunidade de explicar que era importante garantir algumas ligação com os Açores, neste caso, que é por onde a Ryanair viaja…
Portanto, é só uma coincidência…
Eu não sou especialista em direito do Trabalho. Estou só a acompanhar um conjunto de problemas que têm diretamente a ver com o meu Ministério, mas tenho ideia, diria quase a certeza, que há definição de serviços mínimos para greves marcadas por sindicatos afetos à CGTP e UGT. Bem, eu não quero arriscar, mas tenho quase a certeza. Em 40 anos, a maioria esmagadora das greves do nosso país são decretadas por sindicatos afetos à CGTP e UGT.
Portanto, não há aqui uma avaliação política por serem sindicatos independentes da UGT e da CGTP?
Acham que as greves promovidas ou a contestação promovida pela Fenprof é menos dura do que as greves promovidas por sindicatos independentes? Como sabem, temos sindicalistas na CGTP. É uma central sindical absolutamente e claramente independente do Partido Socialista, não faz favores ao PS, nem me parece que o PS faça favores.
E a CGTP faz favores ao PCP?
Acho que também não. Também acho que para se fazer uma determinada greve, uma determinada contestação, tem que haver condições para o fazer e, por isso, é que eu dizia que compreendo que os motoristas sintam que devem ter outro tipo de direitos ou melhores direitos e melhores salários. Isso eu compreendo.
E as críticas do PCP e Bloco de Esquerda deixaram-no de alguma forma surpreendido?
Não. Convivo muito bem com as críticas, sejam elas de quem forem. Se forem corretas.
Mesmo dos aliados tradicionais?
O PCP e o Bloco de Esquerda sempre tiveram uma posição relativamente aos serviços mínimos e à requisição civil diferente da do PS, não estaria agora à espera que abdicassem dela. Aliás, sempre dissemos isso. Os acordos que nós conseguimos com o PCP e o Bloco de Esquerda nunca tiveram como objetivo ter o Bloco de Esquerda, o PCP ou o PS a prescindirem daquelas que serem foram as suas posições. As críticas do PCP e Bloco de Esquerda, a definição de serviços mínimos sempre foi muito diferente da do Partido Socialista, não há nenhuma novidade sobre essa matéria.
A esquerda, precisamente, pediu fiscalização [da revisão do Código do Trabalho, juntando-se a estas críticas da requisição e dos serviços mínimos. Isso coloca em causa a possibilidade de um entendimento, que já defendeu publicamente, no pós-eleições? Se o PS ganhar as eleições, como é que se faz um entendimento para uma nova geringonça com os partidos que pediram fiscalização sucessiva ao Tribunal Constitucional de um documento tão importante como a Lei Laboral?
Nós temos que encarar com normalidade todos os recursos a mecanismos que estejam previstos na Lei portuguesa e que, de alguma forma, vão ao encontro da interpretação de que as pessoas ou do que os países fazem. Há um pacote de medidas laborais que teve a oposição do PCP e do Bloco de Esquerda. Foram aprovadas. O PCP e o Bloco de Esquerda, agora, fazem o que puderem para as contestarem.
Mas isso condiciona….
Reparem que nós fizemos uma intervenção no Banif pouco depois de termos tomado posse, ainda em 2015, que teve o voto contra do PCP e do Bloco. Entretanto, chegámos a 2019. Esse é outro ganho que nós temos que conseguir proteger nestes últimos quatro anos. Eu acho que, até 2015, achava-se — porque era isso que a direita fazia – que quando há entendimento entre diferentes partidos para se conseguir uma maioria absoluta, que os parceiros mais pequenos se anulam, deixam de existir e quase não se identificam diferenças. Aquilo que se conseguiu nestes últimos quatro anos é que aquilo que acontece nas democracias do norte da Europa. Há entendimentos, formam-se maiorias, mas os partidos não deixam de existir enquanto tal no quadro da sua autonomia no Parlamento e, por isso, é que, nos Parlamentos do norte da Europa, partidos que estão dentro de uma coligação governativa votam diferente.
Regresse ao Parlamento português…
Não, não, porque isto é uma aprendizagem que não devemos prescindir. Eu julgo que as diferenças entre o PCP, o PS, o Bloco e Os Verdes nunca nos impediram de ao longo dos quatro anos conseguirmos chegar a entendimentos e aprovar a Lei mais importante do ano e que estrutura a governação que é o Orçamento do Estado. Por isso, eu julgo que nada impedirá ou deve impedir que, no futuro, sendo necessário, o PS possa voltar a trabalhar com estes parceiros. A minha posição pessoal é conhecida e não está abalada.
É um defensor acérrimo da geringonça
Não, eu sou um defensor claro e acérrimo de que os entendimentos que o Partido Socialista deve fazer na formação de maiorias devem ser procurados à esquerda e que as democracias ganham por ter blocos claramente políticos, claramente distintos, e que é muito importante termos um bloco à esquerda e um bloco à direita distintos. Embora em cada um desses blocos possa haver diferenças e elas sejam expressas e defendidas.
Porque é que o PS não diz de forma clara que quer uma maioria absoluta? Há uma boa explicação para não dizer aos portugueses “o PS quer uma maioria absoluta”?
Porque isso… Nós temos que ir mudando a forma como fazemos política. Aquilo que o Partido Socialista percebeu é que deve bater-se e, vá lá, se quisermos utilizar a palavra, pedir o voto no próprio Partido Socialista. Isso é o que nós temos que fazer.
Não foi politicamente correto nesta entrevista, peço-lhe que continue a não ser. Quer maioria absoluta ou não?
Eu não sou por natureza politicamente correto, mas também não lhe consigo responder de outra maneira que não seja esta. Eu quero que o PS tenha o melhor resultado possível. Seja ele qual for, o melhor resultado possível. Acho ninguém está à espera que o PS diga: “bom, entendemos que já temos aqui um resultado porreiro. Não vote em nós”. Não, nós vamos pedir que votem em nós. Aliás, já tive oportunidade de dizer que no boletim de voto não existe PS com maioria absoluta nem PS sem maioria absoluta, existe PS e o que eu quero e nós queremos é que o máximo de pessoas vote no PS.
A verdade é que o acordo que tivemos em 2015 não implicou que nós rompêssemos ou entrássemos em confrontação com os nossos parceiros europeus.
Trocava uma geringonça por uma maioria absoluta
Não. Independentemente do resultado que tivermos, o secretário-geral do PS já disse que gostaria de continuar a trabalhar com os parceiros com quem governámos nos últimos quatro anos.
E em que áreas fundamentais é que isso poderia acontecer?
Eu não vejo áreas… Tenho camaradas que vêm as coisas de outra maneira. Mas, para mim, não há áreas onde seja impossível trabalhar com o PCP e bloco de esquerda ou com Os Verdes. Mesmo nas questões europeias, em que têm uma posição claramente distinta da nossa. O compromisso do Partido Socialista com a construção europeia é óbvio. Aliás, eu já disse várias vezes que no PS, se há matéria onde não há divisões da ponta esquerda à ponta direita, é na participação no processo de integração europeia. Por isso, não é possível explorar divisões internas sobre essa matéria.
No Bloco de Esquerda e PCP é mais…
Não, entre PS, PCP e Bloco as diferenças são claras e evidentes. Mas a verdade é que o acordo que tivemos em 2015 não implicou que rompêssemos ou entrássemos em confrontação com os nossos parceiros europeus.
Mas há um modelo que pode ser diferente. Isto é, houve um acordo escrito. Num quadro de vitória do PS, é necessário esse acordo escrito ou pode ser feito o que, na verdade, foi feito nesta ponta final da legislatura: Umas coisas à esquerda, umas coisas à direita e o PS como centro do poder ou do sistema político?
Esse é outro mito que nós precisamos de começar a desconstruir porque nunca existiu. Nós quando formamos um Governo, nós formamos uma maioria e a maioria sempre foi muito clara. Até agora sempre que tivemos em minoria governámos com a direita. Quem aprovou os Orçamentos foram partidos à direita. Desta vez, o que aconteceu é que todos os orçamentos foram passados à esquerda. O que estava a dizer que é, umas vezes passamos umas coisas pela esquerda, e outras vezes passámos as coisas pela direita. Foi assim no passado e foi assim nos últimos quatro anos, não foi só no último ano.
É preciso então um novo acordo escrito para uma próxima legislatura ou não? Ou entende que isso não é essencial?
Não quero entrar nessa especulação. O que é relevante é fazermos uma campanha, os portugueses votarem e, depois, com a composição que se tiver, formar-se um Governo. Com a composição que encontrarmos no Parlamento, formamos Governo.
As sondagens apontam para outra novidade que é uma maioria de dois terços à esquerda possível para a revisão constitucional. Olhando para as sondagens e para uma maioria com esse poder, vê a necessidade de uma revisão constitucional?
Eu poderia admitir que pudesse haver alterações, mas não quer dizer que elas estivessem necessariamente em sintonia com os outros dois partidos. Portanto, essa questão não se coloca, esse debate não existe.
Concorda com uma ideia de contas públicas com excedente orçamental?
Acho que foi muito importante, nos últimos quatro anos, termos conseguido um plano de avanço social, de aumento do rendimento dos portugueses, ao mesmo tempo que conseguíamos cumprir as metas acordadas com a União Europeia. Por isso, Portugal deve cumprir as metas acordadas com os parceiros, porque o seu não cumprimento ou uma estratégia de confrontação teria consequências duras em Portugal. Acho que devemos fazer aquilo que temos feito nos últimos quatro anos. Ao mesmo tempo, devemos bater-nos no quadro da União Europeia e do Eurogrupo para haver uma reforma das regras do Euro, porque entendo que o ritmo que é imposto no quadro europeu é excessivo e tem consequências no nível de investimento que se faz num país e, portanto, no crescimento económico e na própria atividade privada.
Quer continuar como ministro das Infraestruturas?
Eu gosto muito do que estou a fazer…
Mas vai dizer que é o primeiro-ministro que decide, isso já sabemos. Queremos saber a sua opinião.
Eu tenho também que ser educado com quem decide e ele [António Costa] sabe que eu gosto das funções que estou a exercer, mas não posso fazer. Aliás porque antes de o primeiro-ministro poder constituir Governo ou pensar em voltar a convidar-me, terá o PS que ganhar eleições. Corremos o risco de parecermos arrogantes. Quem vai decidir quem vai governar a partir do dia 6 de outubro é o povo português.
Sim, sabemos a declaração politicamente correta.
Não, não, é a verdade mesmo. Primeiro, saber se ganhamos; segundo, o primeiro-ministro. O que é que eu posso dizer?
Mas qual é a sua ambição?
Não se partilha todos os sonhos. Partilhamos com alguns dos mais próximos de nós dos mais próximos de nós, não partilhamos todos. Eu estou a gostar do que estou a fazer. Acho que é uma resposta clara.
O senhor ministro entrou em meados de fevereiro e nos últimos dois ou três meses anunciou coisas importantes, mas com efeitos diria quase nulos nesta legislatura, naturalmente pelo tempo. O anúncio para a CP, por exemplo, vai produzir efeitos nos próximos meses, a lei de bases da habitação…
Porque obviamente as decisões tomam-se e, entretanto, o plano que nós tomamos para a CP é um plano realista. Nós conseguimos a disponibilidade financeira por parte das Finanças para o executar e uma nova equipa para o executar.
Portanto, quer continuar como ministro para dar execução ao que acaba de anunciar?
Como devemos ser corretos e educados com quem tem o poder de tomar essas decisões, eu só posso dizer e de forma mais pública “eu gosto do que estou a fazer”. Não posso dizer mais, porque isso também não é correto.
Gostaria de ver crescer essas provas e esse caminho que começou a trilhar agora, mas também aceitaria de bom grado outro desafio. É isso que nos quer dizer?
Não aceito qualquer coisa, porque obviamente não sinto que tenha capacidade para fazer qualquer coisa. Tenho de sentir que me sinto capaz, [ser alguma coisa] que gosto, que vou estar motivado, que acho que vou fazer bem.
Há outras portas abertas?
Não sei. Eu tenho alguma dificuldade em responder sobre coisas que não dependem de mim, porque há conversas que a se terem — e não é por desrespeito com os senhores — que não podem ser tidas assim. Portanto, há umas eleições dia 6, há um Governo que é formado pelo primeiro-ministro, que é o secretário-geral do PS, é ele que tem essa prerrogativa. A haver alguma mudança se houver vontade, obviamente será conversado comigo, mas isso são conversas que eu tenho…
Pardal Henriques vai ser candidato às legislativas. Surpreendeu-o?
Não, não surpreendeu, nada. Já são quatro meses a falar com ele, portanto, não poderia ficar surpreendido.
Portanto queria protagonismo… Sentiu ali uma ambição política?
Só posso dizer que, pelo menos, da minha parte não me surpreendeu nada.
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“A nova greve dos motoristas é muito menos preocupante”
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