Economia mundial vai crescer ao ritmo mais fraco desde a crise financeira, alerta o FMI

Há uma década que a economia mundial não crescia tão pouco e a situação pode piorar. O FMI alerta que não há margem de erro e sugere estímulos orçamentais coordenados internacionalmente.

A economia mundial está a abrandar de forma sincronizada e vai crescer apenas 3% este ano, o ritmo de crescimento mais baixo desde a crise financeira de há uma década, alerta o Fundo Monetário Internacional, que reviu as previsões para 2019 em baixa pela quinta vez consecutiva. O Fundo alerta que os riscos são elevados e que não há margem de erro, sugerindo mesmo que pode vir a ser necessário um programa de estímulos orçamentais coordenado a nível internacional.

No primeiro grande evento de Kristalina Georgieva como diretora-geral, o FMI deixou um dos alertas mais sérios da última década aos líderes mundiais: não há margem de erro e os países têm de tomar medidas urgentemente para estimular o crescimento.

Na atualização das suas previsões incluídos no World Economic Outlook com que inicia as reuniões anuais do Banco Mundial e do FMI, a instituição anunciou que espera que a economia mundial cresça apenas 3% em 2019, a quinta vez consecutiva que revê as previsões em baixa para este ano, e um abrandamento de 0,6 pontos percentuais face a 2018.

Previsões para a economia mundial e principais blocos económicos. Fonte: FMI, atualização de outubro do World Economic Outlook.

Ao contrário do que acontecia em 2017, quando os grandes blocos económicos cresciam todos de forma sincronizada, agora é a vez de todos abrandarem em uníssono. Em 2018 a economia mundial já abrandou face aos 3,8% que havia crescido em 2017, agora o abrandamento é significativamente mais pronunciado e pode não ficar por aqui.

Segundo o Fundo, este abrandamento deve-se principalmente à guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, e o agravamento das disputas comerciais que se alastrou a outros países e blocos económicos — como a União Europeia, ou a disputa entre o Japão e a Coreia do Sul –, a questões geopolíticas que para além de levarem a um aumento das barreiras ao comércio também estão a aumentar a incerteza, que leva ao adiamento de gastos, tanto dos consumidores como dos investidores.

O risco associado à incerteza na política comercial norte-americana atingiu o seu máximo desde que Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos. Fonte: FMI, atualização de outubro do World Economic Outlook.

Desde 2008/2009, quando a crise financeira atingiu o seu pico com a falência do Lehman Brothers, que a economia mundial não crescia tão pouco e o resultado até seria pior se não fosse a ação preventiva dos maiores bancos centrais para estimular a economia — a Reserva Federal e o Banco Central Europeu cortaram juros, e aumentaram as compras de ativos para acrescentar liquidez ao sistema. Segundo o FMI, a ação dos bancos centrais permitiu à economia mundial crescer mais 0,5 pontos percentuais do que cresceria sem esta resposta, tanto em 2019 como em 2020.

Mas não são apenas as tensões comerciais e os riscos geopolíticos que estão a afetar as economias mundiais. Fatores específicos de cada economia, como por exemplo a necessidade de redução da dívida na China que está a levar a um abrandamento do consumo privado, também estão a pesar no crescimento económico em algumas regiões, que incluem para além da China, economias importantes como a da Índia, a do Brasil, do México, da Rússia e da África do Sul.

Outro dos fatores específicos que está afetar uma parte da economia mundial é a introdução dos novos sistemas de controlo de emissões nos novos automóveis, que está afetar o mercado automóvel na Zona Euro e na China. Todos estes fatores pesaram de tal forma na produção industrial e no comércio internacional que o crescimento do comércio na primeira metade do ano foi de apenas 1%, o pior registo desde 2012.

Recuperação será fraca e não chegará a todos

O FMI espera que a economia mundial acelere no próximo ano, mas a melhoria esperada é modesta. A previsão é que a economia acelere para os 3,4% em 2020, menos duas décimas que o esperado em abril e abaixo do que se verificou em 2017 e 2018.

Não só a previsão é de uma melhoria ligeira, como ela acontecerá à custa de aceleração nas economias emergentes, algumas delas que estavam em recessão e vão continuar em recessão, mas em menor grau — como são os casos da Turquia, Argentina e do Irão –, e outras que aceleram depois de um abrandamento pronunciado este ano — como o Brasil, o México, a Índia, a Rússia e a Arábia Saudita.

Já no conjunto das economias avançadas, onde se inclui Portugal e a Zona Euro como um todo, a expectativa é que continue a abrandar nos próximos anos, passando de 2,3% em 2018, para 1,7% em 2019 e 2020. Se este ano a razão é o abrandamento nas maiores economias — Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, Espanha, Reino Unido e Canadá vão crescer menos –, em 2020 as maiores economias do euro vão crescer mais, mas as restantes economias do bloco vão abrandar, tal como os EUA e o Japão.

Não há margem de erro

A mensagem não podia ser mais drástica. Os riscos a estas previsões, já de si pouco otimistas, são “elevados”, diz o Fundo, que alerta para o impacto das barreiras ao comércio e das tensões geopolíticas, incluindo o Brexit (que tem um capítulo decisivo esta semana no Conselho Europeu), nas cadeias de distribuição e na confiança dos agentes económicos, no investimento e no crescimento económico como um todo.

“A concretização destes riscos pode provocar uma mudança abrupta na avaliação do risco e expor vulnerabilidades financeiras que foram sendo acumuladas durante anos de juros baixos”, avisa o FMI.

O risco de a economia mundial crescer abaixo de 2,5% no próximo ano aumentou significativamente. Fonte: FMI, atualização de outubro do World Economic Outlook.

O Fundo vai ainda mais além nas recomendações aos países com margem orçamental, que tem vindo a defender que têm de investir para estimular as suas economias e a economia da sua região, dizendo diretamente à Alemanha e à Holanda que têm de fazer mais. “Países como a Alemanha e a Holanda devem aproveitar as taxas de juro negativas para investir em infraestruturas ou capital humano, mesmo que numa ótica puramente de custo-benefício”, diz a economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, numa introdução ao relatório publicado esta terça-feira.

O FMI dá ainda um passo mais além nas suas recomendações, que ilustra a gravidade das suas preocupações, dizendo que a situação é de tal forma precária que “não há margem para erros nas políticas e há uma necessidade urgente dos governantes [tomarem medidas para] estimular o crescimento”, deixando ainda a sugestão de que pode ser preciso um esforço coordenado entre os países para um programa de estímulos orçamentais coordenado, e adequado à realidade de cada um dos países, caso o crescimento seja inferior ao que se prevê agora.

“Caso o crescimento se deteriore ainda mais, pode ser necessária uma resposta orçamental internacional coordenada, e adaptada às circunstâncias de cada país”, diz o relatório.

Acima de tudo, resume a economista-chefe do FMI, os países têm de se entender e trabalhar em conjunto “porque o multilateralismo continua a ser a única solução para resolver as questões mais importantes, como os riscos derivados das alterações climáticas, da cibersegurança, da fuga e evasão fiscal”, e melhorar o sistema de comércio internacional “e não abandoná-lo”.

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