Transparência, humildade, genuinidade, empatia e tolerância: é esta a receita para ser um bom - e próximo - líder?
Rui Nabeiro, líder da Delta Cafés, implementou na sua empresa o “fundo social do colaborador”. Para ele contribuem todos os funcionários, “depositando dinheiro, ao longo de todas as atividades que forem fazendo. Em situações de emergência, é utilizado esse fundo para apoiar uma causa, surpreender um colaborador quando faz anos, etc.. Todas essas ações, para além de fomentarem a criação de um bom clima organizacional, contribuem ainda para a motivação de todos os colaboradores, porque cria um sentimento de pertença”, explica o autor.
O exemplo da Delta é apenas um dos que Michaël Lança conta no seu livro — “Liderança de Proximidade na Sociedade Contemporânea” –, descrevendo aquilo que caracteriza um líder próximo e mostrando como se “cria a família Delta“.
Também André Vieira, channel sales manager da Xerox, se revê numa liderança de proximidade. Ao aplicar este modelo de liderança, André refere, em entrevista à Pessoas, que cada trabalhador tem a “oportunidade de se expressar livremente, de criar coisas novas e de errar”. Além disso, tendo uma equipa tão diversificada pelas múltiplas nacionalidades que a integram, André afirma que somente com a abertura constante (típica deste tipo de liderança) para uma troca de informação e conhecimento dentro da equipa, é que os seus projetos conseguem “acelerar”, tornando-se assim “uma grande vantagem” competitiva. O sales manager confidencia ainda que, dentro da Xerox, a sua equipa é uma startup. Por isso, deve comportar-se como uma — “tentar coisas novas e, se não funcionar, temos a capacidade de mudar de direção, isso torna as coisas ricas.”
Por sua vez, Rúben Pacheco Correia, dono do restaurante Botequim Açoriano, conta que “não são os líderes que estão próximos das pessoas, mas as pessoas que se sentem próximas dos líderes“. Por isso, ser-se líder de proximidade passa “sobretudo por ter uma visão que possa aproximar as pessoas da sua liderança”. O jovem de 22 anos explica que, para ser um líder próximo tem de se querer fazer parte de um conjunto — “eu, no meu restaurante, sou apenas uma peça. Sou o dono do restaurante mas, saindo de lá, o restaurante continuará a funcionar. Tem de se encarar isto como um puzzle, sendo eu a peça. Não sendo eu o puzzle e o restaurante a peça.”
“Reallitytelling” ou liderança de proximidade
Humildade, genuinidade, transparência, tolerância e empatia. Na perspetiva de Michaël Lança são estas as características-chave para se ser um líder próximo. O autor defende que uma liderança de proximidade se consegue com “reallitytelling“, ou seja, “deve mostrar aquilo que nós realmente somos“.
Neste sentido, há duas formas de ver uma liderança próxima. Segundo Paulo Leitão, recruitment solutions consultant na Experis e autor de artigos sobre a “Teoria do Caos e a Liderança na Complexidade aplicada às organizações”, a primeira forma de olhar para esse tipo de liderança é a capacidade de lidar com o erro pois, “melhorar a performance das equipas de trabalho só acontece quando os erros acontecem”. Assim, nesta perspetiva, o líder terá de estar junto dos seus trabalhadores e explicar o que correu bem e o que correu mal, trazendo uma lição para o futuro, desta forma, os seus liderados terão mais confiança em si. A segunda visão de liderança de proximidade baseia-se na capacidade de estabelecer relações: é necessário um líder próximo “conseguir facilitar e atuar enquanto construção de pontes, para que aquilo que são novas ideias e capacidade de trazer inovação, ao mesmo tempo que tenta manter o foco na visão e nos resultados, não se perca”, explica Paulo Leitão à Pessoas.
Raquel Oliveira, mestre em psicologia e ligada à área da gestão de relações em equipa, explica ainda que “liderança de proximidade não é impingir lazer nem recompensa, a recompensa tem de fazer sentido para a pessoa. O desafio que o líder tem é garantir o bem-estar emocional e físico do seu colaborador e certificar-se que ele vai ter tempo para todas as componentes da sua vida”.
As pessoas não abandonam a organização, abandonam sim as suas chefias.
O mercado de trabalho é cada vez mais volátil, os trabalhadores têm uma maior oferta por parte de várias empresas e, por isso, se não se conseguir motivar as pessoas a ficarem nas empresas onde estão, criando um ambiente saudável e um bom espírito de grupo, rapidamente as organizações perdem estes recursos humanos. Michaël Lança refere que as pessoas tendem a ficar mais numa empresa “por necessidade, porque se tem custos fixos, do que por lealdade”. Não obstante, Paulo Leitão afirma que “as pessoas não abandonam a organização, abandonam sim as suas chefias e é isso que tem de se ter em atenção“.
Rúben Pacheco Correia diz que, ao liderar de uma forma mais próxima, ganha com isso “pelo menos uma empresa mais feliz“. O estudante de direito explica que “é mais fácil termos uma empresa onde todas as pessoas se sentem parte dela (…), do que uma empresa onde os seus funcionários se sintam distantes da liderança, não compreendam o que é que o líder pretende e que não conseguem estar próximos do líder que os representa”.
André Vieira, que assume liderar com muito sentido de humor, revela que “o título de líder normalmente é atribuído pelas pessoas que trabalham com o líder, pela forma como eles interagem com ele, como se sentem motivados. Um líder não tem de ser necessariamente a pessoa que está à frente da organização: muitas vezes é alguém que surge naturalmente na dinâmica da equipa”. Para o channel sales manager, a liderança baseia-se em dar aos trabalhadores as ferramentas necessárias para que eles possam fazer um bom trabalho. “Nós [na Xerox] substituímos o modelo ‘CC’ (comando e controlo) pelo ‘IT’ (intelligence and trust), ou seja, procuramos dar a inteligência e a confiança que os funcionários precisam para tomar as decisões certas. (…) Estou presente como recurso e como alguém que está a apoiá-los no seu trabalho. Depois o mais importante é dar-lhes liberdade de agirem (o empowerment)”, afirma.
Nesta perspetiva, percebe-se a importância da descentralização de tomada de decisão pois, como sugere Michaël no seu livro, é também importante que o líder não seja centrado em si próprio e acredite que não tem todas as respostas, estimulando a relação entre líder e liderado, de forma a que os trabalhadores também deem a sua opinião.
A ferramenta mais eficaz é mantermo-nos atualizados.
O verdadeiro líder de proximidade é aquele que consegue atuar como um mentor e dar apoio psicossocial (mais emocional, ajudando nas relações dentro do trabalho), ao mesmo tempo que apoio vocacional (que consegue ver o caminho para a carreira do seu funcionário), explica Paulo Leitão. Conseguindo perceber o que o líder está a fazer para que se desenvolva enquanto profissional, o trabalhador sentir-se-á mais motivado. Para o recruitment solutions consultant, esta é a diferença principal que a liderança consegue ter sendo mais próxima pois, apesar de atingir “resultados de forma mais lenta”, “constrói a pessoa e constrói a equipa ao mesmo tempo“.
Para Raquel Oliveira, “mais do que o papel do líder em perceber o potencial e as capacidades de cada um, é importante que ele esteja presente perante este processo de mudança [que está a ocorrer com a automação], porque o líder tem mais predisposição a enfrentar a mudança e um liderado é mais resistente”, refere. Para a psicóloga, o papel do líder próximo irá passar, cada vez mais, pela capacitação e supervisão dos liderados.
A Xerox passou pelo desafio de automação de algumas funções. Assim, para evitar que a sua equipa e as funções que desempenha fiquem obsoletas, André implementou um momento de partilha de conhecimento e de novas tecnologias todas as semanas. “Isso permite-nos manter atualizados, permite perceber o ecossistema tecnológico onde estamos inseridos e fazer planos mais ajustados à realidade com os nossos parceiros de negócio. (…) A ferramenta mais eficaz é mantermo-nos atualizados e termos uma atitude de aprendizagem continua“, sugere.
No fundo, como reforça Paulo Leitão, “cada vez mais vamos ter de investir naquilo que nos torna diferentes (…). Isso significa que temos de conseguir pensar. Neste período de automação de funções que vivemos, as pessoas deverão passar a ter uma visão critica sobre o que as rodeia para destacar”.
Não existe uma fórmula mágica para a liderança.
“Os líderes ficam perdidos porque não sabem como reagir e como agir em relação aos novos liderados, porque ainda estamos todos à procura de alguma coisa e ainda não estamos preparados, não existe uma formula mágica para a liderança”, afirma Michaël.
Acima de tudo o papel do líder é gerir o melhor possível os seus recursos. “Um líder próximo tem de conseguir perceber os elementos que tem, que cada um deles tem motivações diferentes, pontos fortes diferentes, pontos fracos diferentes e como é que se pode capitalizar cada um deles e conjugá-los para que na constelação de pessoas que tem isso funcione”, avança Paulo Leitão. Na ótica do recruitment solutions consultant da Experis, o binómio mais difícil que o líder terá de conjugar será a necessidade de, continuamente, ser inovador e orientar a equipa nesse sentido, com a maior pressão para obter resultados e dar lucro à empresa.
Rúben Pacheco Correia explica que um dos seus desafios está no facto de, por ser mais novo e por ter a oportunidade de vivenciar diariamente experiências gastronómicas diferentes, querer trazer uma visão mais arrojada para a ementa do restaurante ao passo que os seus pais (funcionários do Botequim Açoriano) ficam sempre um pouco retraídos com a mudança.
Rúben sabe que a mudança não pode ser radical. Por isso, de forma gradual e mostrando a sua liderança de proximidade quando tenta colocar um prato mais contemporâneo no restaurante, tem de fazer com que os pratos tradicionais continuem. “É depois o público que irá ditar se devemos realmente continuar a postar no que é mais tradicional ou se, de facto, nos devemos aventurar com pratos mais contemporâneos. (…) Terá de haver um equilíbrio para que ambas as visões se enquadrem. A liderança nisto está em saber compreender ambas as partes“.
De modo a existir um consenso e um equilíbrio, André Vieira aponta como fator prioritário a explicação clara da missão aos trabalhadores. Além disso, André conta que, em detrimento de “work life balance“, prefere dizer “work life harmony“. Primeiro porque, para o channel sales manager da Xerox, apesar de não ser obrigatório na sua equipa trabalharem sempre no escritório, passam “muito tempo dedicados ao trabalho, por isso, é importante criar-se um ambiente onde as pessoas se sentem bem, para termos gosto em ir trabalhar e fazer coisas juntos fora do trabalho”.
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Liderança de proximidade: perto da vista, perto do coração?
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