Trabalhar quatro dias por semana? Em Portugal está longe de ser uma realidade

A redução da carga laboral é uma realidade distante, mas há outras medidas criadas para melhorar a vida dos funcionários. Mais férias, flexibilidade de horário e de local de trabalho são algumas.

A Microsoft do Japão testou durante um mês um novo horário laboral de apenas quatro dias semanais e a produtividade dos colaboradores aumentou 40%, a empresa reduziu em 23% na conta da eletricidade e mais de 90% dos colaboradores dizem ter sentido o impacto da medida.

Em Portugal, a redução do horário de trabalho parece ainda uma realidade distante, mas existem outras políticas com o intuito de melhorar a vida dos funcionários e, claro, muitas vezes a pensar na produtividade das empresas.

Xing: Menos horas de trabalho? Só com redução salarial

A Xing é uma rede social alemã e surgiu em 2003. Há cerca de dois anos voou até Portugal, onde conta já com 130 colaboradores em Matosinhos. Entre as várias medidas para tornar os trabalhadores mais satisfeitos está a possibilidade de terem horário flexível, sendo que a opção é utilizada por engenheiros de software com o intuito de “se organizarem da forma como acharem mais produtiva”. “O que queremos é que estejam nas melhores condições para desempenharem o seu trabalho”, aponta ao ECO Miguel Garcia, country manager da Xing em Portugal.

Ainda que seja pouco comum em Portugal, a empresa permite ainda que os funcionários tenham um horário laboral reduzido sendo que, nesse caso, o salário é cortado na proporção, isto é, por cada dia de trabalho reduzido por semana, perdem cerca do 20% do salário mensal (isto é, se um funcionário optar por trabalhar quatro dias por semana, recebe um salário 20% inferior, e assim sucessivamente). “Na Alemanha esta política é utilizada por bastantes colaboradores, mas em Portugal ainda ninguém optou por isso”, sublinha Miguel Garcia.

"Nós acreditamos que a happier engineer is a productive engineer [um engenheiro feliz é um engenheiro produtivo]”

Miguel Garcia, country manager da Xing em Portugal

Além dos habituais 28 dias de férias úteis concedidos pela Xing, os funcionários que trabalhem há mais de três anos na empresa podem tirar um mês de férias extra ainda que sejam não remuneradas. A medida funciona como uma espécie de período sabático e, para a usar, é exigida apenas uma condição: terem “o seu trabalho planeado para que isso aconteça”, explica o country manager. Em Portugal esta medida ainda não é aplicada, já que a empresa está há dois anos e meio no país, mas “há já pessoas a planearem isso”, acrescenta.

Miguel Garcia é responsável pelo escritório da Xing em Portugal.Bruno Barbosa/ECO

Miguel Garcia reconhece que a Xing “tem um processo de recrutamento e de trabalho exigentes” e, por isso, a empresa prefere fornecer condições “para as pessoas estarem mais felizes, tranquilas, focadas e fazerem um melhor trabalho”. Para contribuir para o bem-estar dos colaboradores, há ainda um programa de apoio psicológico a que qualquer colaborador pode recorrer, e ainda o acesso pareceres legais sobre assuntos relacionados com as finanças. “Nós acreditamos que a happier engineer is a productive engineer [um engenheiro feliz é um engenheiro produtivo]”.

Na visão do country manager da Xing, produtividade e bem-estar andam sempre de mãos dadas. “Não somos uma indústria que viva intensivamente pelo trabalho das pessoas, nós vivemos do talento delas. E elas passam o dia a resolver problemas não triviais, o que implica componentes de inovação e de criatividade muito grandes. E este género de capacidades é mais explorada, quanto maior for o bem-estar e a felicidade das pessoas“, afirma Miguel Garcia.

Randstad: “Queremos evitar o cliché da administração pública nine to five

Assim como a Xing, a Randstad Portugal permite que os responsáveis pela linha de apoio informático interna tenham flexibilidade de horário. “Isto permite que seja prestado, durante mais tempo, esse apoio telefónico a quem está a trabalhar e, como eles se disponibilizaram a ter estes horários que não são por turnos, mas são horários ajustados, à sexta-feira à tarde saem à hora de almoço”, explica Mariana Canto e Castro, diretora de Recursos Humanos da Randstad em Portugal.

No fundo o que queremos evitar é o cliché comum da administração pública ‘nine to five’, em que as pessoas entram às nove e saem às cinco, quer tenham ou não tenham o que fazer. Isso para nós não faz qualquer sentido.

Mariana Canto e Castro, diretora de Recursos Humanos da Randstad em Portugal

Utilizada por cerca de 20 a 25 colaboradores, a medida é vista com bons olhos, tanto por parte dos beneficiários diretos como dos restantes colaboradores. De acordo com os inquéritos internos realizados pela empresa, “o grau de satisfação de quem liga para a linha de apoio aumentou 0,2 pontos desde que isto acontece”, garante a diretora.

Na mesa do recrutador com Mariana Canto e Castro, diretora de RH da Randstad - 11SET19
Mariana Canto e Castro, diretora de Recursos Humanos da Randstad Portugal.Hugo Amaral/ECO

Por outro lado, a empresa de recrutamento, que emprega 28.000 funcionários por mês, permite ainda a certos colaboradores que, pelas funções que desempenham, possam trabalhar um dia por semana onde quiserem. Intitulada work from anyware, conceito criado para a opção de trabalho remoto, é uma das medidas mais apelativas para os funcionários, sendo que “a grande maioria a classifica com o 9 numa escala de 0-10”, refere Mariana Canto e Castro. Em troca, têm apenas de estar contactáveis e num bom ambiente para desempenhar as suas funções.

Na perspetiva da responsável pelos Recursos Humanos, estas medidas não têm apenas poupanças associadas, quer para a empresa, quer para os trabalhadores, como permitem “um melhor equilíbrio entre a sua vida pessoal e a sua vida profissional”. Para a Randstad, o importante é que os funcionários saibam gerir as suas responsabilidades. “No fundo o que queremos evitar é o cliché comum da administração pública ‘nine to five’, em que as pessoas entram às nove e saem às cinco, quer tenham ou não tenham o que fazer. Isso para nós não faz qualquer sentido”, atira.

Humaniaks: a startup onde se trabalha quatro dias por semana

Mas a preocupação de adotar medidas que favorecem o bem-estar dos colaboradores não é apenas das grandes empresas. Com sete meses de existência e um universo de trabalhadores bem mais reduzido, na Humaniaks só se trabalha quatro dias por semana, sendo que nesses dias os quatro funcionários trabalham mais horas.

João Figueirinhas Costa, fundador da Humaniaks.Hugo Amaral/ECO

Para João Figueirinhas Costa, fundador da startup de recrutamento, a medição da produtividade é ultra difícil de se fazer”, uma vez que se trata de um conceito relativo e que muitas das vezes não está relacionado com “o número de horas que se trabalha, mas com forma como as pessoas são geridas”. Além disso, o empreendedor sublinha que “o ângulo da produtividade [relacionado com a redução de horas de trabalho] não é novo”. Na sua ótica, a novidade reside na forma encontrada para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores sem sacrificar a empresa e a produtividade.

Apesar de reconhecer que, numa empresa de maior dimensão, é mais difícil encontrar consensos, para o responsável da Humaniaks “não faz sentido colocar toda a gente na mesma caixa“, por isso, o fundamental é abrir a questão aos colaboradores. “Se o objetivo é dar mais qualidade de vida às pessoas que trabalham comigo, então temos de perceber quais as políticas que lhes fazem sentido”, resume o fundador.

Reduzir o horário de trabalho aumenta a produtividade?

Estes são apenas três exemplos do que se faz nas empresas a nível nacional, mas há muitos outros. A Navigator, por exemplo, decidiu reduzir o horário de trabalho de 40 para 39 horas semanais, em abril deste ano, sendo que os planos passam por chegar às 38 horas semanais já em 2020. Além disso, entre as várias medidas tomadas pela empresa, “aumentou os custos anuais com os seus colaboradores num milhão de euros” e atribuiu prémios de performance “que totalizaram mais de 80 milhões de euros” em 2019, refere fonte oficial da The Navigator Company, ao ECO.

De acordo com os dados do Eurostat, em 2018 os países da União Europeia trabalharam, em média, 41,2 horas por semana. Portugal está ligeiramente acima, com 41,8 horas por semana, mas bem atrás de países nórdicos como a Dinamarca (38,5 horas) Noruega (38,9 horas/semana). Por outro lado, no que toca à produtividade — e tendo em conta o poder de compra –, segundo o gabinete de estatística, Portugal ficou 25,3 pontos percentuais abaixo da média da UE (74,7). Destaque ainda para a Áustria e Dinamarca com 16,4 e 16 pontos percentuais acima da UE, respetivamente.

Se analisarmos os mesmos dados referentes ao período da troika, durante o qual foram retirados quatro feriados nacionais (dois civis e dois religiosos), verificamos que, entre 2011 e 2014, a produtividade aumentou 2,7 pontos percentuais. Por outro lado, constata-se ainda que entre 2016 — altura em que a Função Pública viu a sua jornada laboral ser reduzida de 40 horas semanais para 35 horas por semana — e 2018, a produtividade dos portugueses caiu 3,3 pontos percentuais (de 78 para 74,7 pontos percentuais).

A produtividade é uma medida da produção pelo número de horas de trabalho. Se se reduz o número de horas de trabalho vai reduzir-se a produção, mesmo que aumente a produtividade. Esse é um dos problemas. O outro é que fazendo reduzir o horário de trabalho sem mexer nos salários vai-se aumentar os custos de trabalho, isto é, as empresas vão contratar menos e produzir menos.

Pedro Portugal, economista e professor na Nova SBE

O conceito de produtividade é mais amplo do que a relação entre horas de trabalho e os bens produzidos. A produtividade é medida, assim, através da divisão entre aquilo que é produzido e o número de horas trabalhadas pelos colaboradores. Mas inclui as várias funções de um gestor de empresa, que tem em mãos a análise dos números, isto é, se é lucrativa e como pode crescer e, também, o bem-estar dos seus funcionários.

Esta medição “é muito difícil de se fazer porque, em geral, a produção é conjunta e é muito difícil separar a contribuição de cada um dos intervenientes”, explica Pedro Portugal, professor da Universidade Nova SBE e especialista em mercado de trabalho. Além disso, a produtividade depende ainda de “circunstâncias que lhes são exteriores e que ele [o trabalhador] não domina“, como a relação com as chefias e entre funcionários ou as máquinas com que trabalha, acrescenta o economista.

Nesse sentido, é sempre “mais fácil fazer-se nas indústrias transformadoras do que noutros setores de atividade”, aponta Pedro Portugal. O professor da Nova SBE alerta ainda que a redução da carga laboral pode resultar em dois problemas: por um lado, tendo em conta que a medição é feita pelo número de horas de trabalho, “se se reduz o tempo laboral vai reduzir-se a produção, mesmo que aumente a produtividade”; por outro, “quando se reduz o horário de trabalho, mantendo os salários no mesmo nível, isso faz aumentar muito os custos do trabalho e, por sua vez, vai fazer diminuir a produção“, sublinha.

Com um posição diferente, Isabel Viegas, professora da Universidade de Católica de Lisboa, considera que as medidas de flexibilidade horária são uma realidade viável e “fazem todo o sentido” em empresas “com modelos de gestão por objetivos” e, desde que estes não sejam alterados. Lideranças bem preparadas, gestão por objetivos, investimento na qualificação dos colaboradores e constituição de equipas diversas são, para a professora, a chave para o sucesso das empresas.

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