Gestores responsáveis pelo fundo português mais rentável em 2019, o BPI Ações Mundiais, antecipam que o surto tenha impacto nas empresas durante três a cinco meses.
A robustez dos lucros, os dividendos distribuídos e os programas de recompra de ações justificam o impulso nos mercados de ações, segundo Luís Alvarenga e Rui Araújo, do BPI. Os gestores são responsáveis pelo fundo BPI Ações Mundiais — o mais rentável em 2019 no universo dos fundos de investimento comercializados em Portugal — e são conservadores na avaliação que fazem ao efeito do coronavírus. Apesar de considerarem que o surto está incorporado nos preços das ações, alertam que poderá haver ainda mais volatilidade.
Em entrevista ao ECO, há duas semanas, Alvarenga e Araújo antecipam um impacto nos indicadores financeiros das empresas durante cerca de um trimestre. Para o resto do ano, os gestores do BPI esperam que sejam as eleições presidenciais nos Estados Unidos o principal fator de incerteza. E quanto mais provável for a saída de Donald Trump da Casa Branca, maior será a volatilidade nos mercados.
O fundo BPI Ações Mundiais foi o fundo com maior rendibilidade em Portugal em 2019. Como se explica?
Luís Alvarenga (LA): Primeiro, este é um produto 100% ações portanto num ano em que as ações tiveram um desempenho tão bom, um produto assim destaca-se. Mas depois também montámos uma estratégia que tem como característica ter um processo altamente disciplinado. É um produto super fácil e simples, que assenta em três pilares: investe em grandes capitalizações (acima de 15 mil milhões), global (não tem qualquer restrição de geografia) e em qualidade (ou seja, empresas altamente rentáveis e persistentes nessa características).
São empresas que são altamente rentáveis e que são persistentes nessa característica de rentabilidade. Ou seja, ganham muito dinheiro e recorrentemente ganham muito dinheiro. Juntamente com essas duas características, que as tornam empresas extraordinárias, não precisam de dívida para terem essas características de rentabilidade. O seu negócio já é tão bom que não precisam de ter muita dívida para serem muito rentáveis. Este é o BPI Ações Mundiais. Simples. E depois construímos um processo disciplinado, com um governance definido, transparente, simples e que resulta em baixos custos de transação e elevada previsibilidade. Penso que têm sido características que têm agradado bastante à generalidade dos participantes, a maioria institucionais.
Parto este portefólio em dois tipos de empresas. Metade são empresas que toda a gente, em todo o lado, conhece. E a outra metade são empresas que nunca ninguém ouviu falar.
De que tipo de empresas estamos a falar?
LA: Normalmente, parto este portefólio em dois tipos de empresas. Metade são empresas que toda a gente, em todo o lado, conhece. A Apple, a Microsoft, a Nike, a Johnson & Johnson, a Nestlé… E a outra metade são empresas que nunca ninguém ouviu falar. Por exemplo, a Zoetis (que é o maior produtor do mundo de medicamentos para animais), a Amphenol (que é uma empresa que faz conectores para cabos eletrónicos), a Mettler-Toledo (que é o líder mundial em balanças para laboratórios). O que é que cola todas estas empresas? São todas empresas líderes, de excelência, muitas delas trabalham em monopólios ou oligopólios.
E em 2019, essa estratégia teve a ajuda do boom nas ações…
LA: Sim, o mercado de ações esteve bastante bem, nomeadamente o mercado americano, mas também depois de 2018 ter sido mais fraco. A carteira teve um desempenho melhor que os índices, essencialmente porque os títulos com as características que procuramos estiveram acima. Não foi porque tínhamos mais Estados Unidos ou menos Japão… Isto é um ponto muito importante: aqui não incorporamos visões de mercado. Não estamos aqui a discutir as geografias que vão subir mais nos próximos três meses. Ou moedas ou setores… Estas discussões não fazem sentido neste produto. É um produto que é pure stock picking. A nossa proposta de valor é: 50 títulos, uma carteira bem diversificada, os títulos têm pesos idênticos e o que queremos oferecer aos clientes são as melhores empresas do mundo, segundo a nossa definição.
Este ano começou com o conflito entre Irão e EUA e mais recentemente o coronavírus. Estes fatores estão a influenciar a vossa estratégia de investimento?
LA: Nós temos um processo de investimento cujo turnover é baixíssimo. Todos os trimestres, quando fazemos a revisão do portefólio, mudamos um, dois ou três nomes. É um produto em que não atuamos com base em temas como o coronavírus ou um míssil de Trump. Não é filosofia deste produto. Agora, revemo-nos um pouco na forma como o mercado está a interpretar este evento. O mercado estava em máximos, as ações mundiais subiam 8% no ano e o que o mercado está a dizer é que isto é um efeito transitório. Diria que, neste momento, o coronavírus está praticamente todo descontado no mercado de ações. Ou seja, se o coronavírus amanhã acabasse, o mercado de ações ia subir? Provavelmente não porque já está tudo descontado. Nós revemo-nos nesta posição.
As ações são um ativo perpétuo e estamos a falar num impacto que não sabemos quanto tempo irá durar. O consenso de mercado é que será um trimestre, talvez mais um ou dois meses, de impacto nos indicadores financeiros das empresas. Claro que há alguns títulos que vão sofrer mais que outros. Por exemplo, logo que começou a surgir, reparámos que um título que temos em carteira que é o Booking começou logo a sofrer mais que outros e fazia sentido. Não tínhamos companhias aéreas, mas se tivéssemos provavelmente seria ainda pior. Agora, nós revemo-nos um pouco na leitura do mercado. Estamos a falar de empresas extraordinárias e não estamos investidos nelas por causa das contas de um trimestre.
Rui Araújo (RA): Apesar de os riscos do início do ano também tivemos sinais positivos que também ajudaram a suportar o mercado. Por exemplo, o assinar do acordo comercial de primeira fase entre os Estados Unidos e a China. As políticas monetárias que se mantiveram relativamente acomodatícias. A época de resultados não desiludiu, bateu as estimativas até. O Brexit está a criar menos incerteza que há um ano. Portanto, há um conjunto de fatores positivos que contrabalançaram estes negativos.
Até que ponto que estas duas situações estão a ser usadas pelos investidores para realizar mais-valias? Está tão caro que é uma desculpa para saírem?
LA: Nós tentamos não fazer futurologia. Nunca adivinhamos. Com Trump, ainda adivinhamos menos o que é que vai acontecer no dia seguinte. Claro que se ele enviar um míssil ou se um míssil for para o sítio errado, pode trazer volatilidade para os mercados. Nós não adivinhamos, portanto não vamos tomar decisões de investimento com base em algo em que não temos qualquer vantagem competitiva. Não sabemos mais do que o investidor que está ao lado. Isso, em relação ao Irão. Depois, em relação ao vírus, é o mesmo. A nossa estratégia é disciplinada e o que vemos é que as nossas empresas continuam a reportar resultados ótimos, os buybacks continuam a acontecer e os dividendos estão a crescer. Quando elas reportaram resultados, o que é que disseram? Lucros a subir nos próximos anos. E é isso que nós queremos ouvir.
Agora, será que a Microsoft vai cair 10% nos próximos dois ou três meses porque Trump disparou um míssil? É difícil dizer. Esta é uma pergunta que nos fazem muitas vezes, sobre o mercado já ter subido muito. A primeira resposta que damos sempre é que os resultados também subiram muito. Não são só os lucros, que estão em máximos, mas também os buybacks e o return on equity do mercado. As margens estão acima da média…
RA: Isto num cenário em que se espera que a economia cresça 3% em 2020.
Quais os fatores que vão marcar o resto do ano?
LA: Penso que há um fator muito relevante que são as eleições nos Estados Unidos. Oiço muita gente dizer que vão ser as eleições mais importantes de uma geração para tirar de lá Trump. Não sei se será assim, mas penso que vão ser as mais barulhentas de sempre porque temos, de um lado, uma máquina Trump muito boa a fazer barulho e penso que os democratas também não poderão ficar atrás. Vai ser um desafio que os investidores vão ter este ano: como minimizar o impacto que esse barulho vai originar. E acho que vai ser difícil porque Trump tem sido muito bom para os mercados, especialmente de ações. Desde que lá chegou, o mercado está a subir materialmente. O mercado gosta das decisões que Trump tomou até agora. Umas mais, outras menos… E tudo o que seja reduzir a probabilidade de Trump continuar na presidência vai trazer incerteza e volatilidade para o mercado. O barulho vai ser ensurdecedor e vai ser um risco bastante relevante.
RA: Completava só que, ao nível dos obstáculos, será importante ler os números da economia que vêm nos próximos seis meses. Ou seja, qual o impacto que o coronavírus terá na economia e o que é que está relacionado com o coronavírus ou não. Não vai ser uma leitura fácil e é um desafio.
Os estímulos da China vão ser relevantes?
LA: É um suporte relevante. O mercado habituou-se a ter estímulos monetários. Agora é a China, mas há alguns meses foi a Reserva Federal norte-americana e antes o Banco Central Europeu. É algo que tem ajudado a suportar o sentimento sobre os ativos de risco e os baixos spreads nas obrigações. A atuação da China vai ajudar e teremos de ver se é suficiente. É difícil dizer…
As ações são um ativo perpétuo e estamos a falar num impacto que não sabemos quanto tempo irá durar. O consenso de mercado é que será um trimestre, talvez mais um ou dois meses, de impacto nos indicadores financeiros das empresas. Claro que há alguns títulos que vão sofrer mais que outros.
Os preços das ações, antes do selloff provocado pelo coronavírus, não estavam demasiado caros?
LA: Eu consigo justificar os preços das ações hoje em dia. Mas exige alguns pressupostos importantes, nomeadamente que as taxas de juro se mantenham relativamente baixas. Outro pressuposto relevante é que não haverá qualquer recessão. Se houver, será difícil que estes preços se verifiquem. Agora, com o que sabemos hoje, conseguimos justificar estes preços.
Não estamos a assistir a um abrandamento dramático. É um contexto de velocidade de cruzeiro em termos económicos e os números que vemos das ações são muito bons. E depois há algo que nunca vimos — e isso é o game changer — que são as taxas de juro em mínimos históricos. Sabemos isso e vemos isso nos nossos depósitos a prazo e nos nossos créditos à habitação. As empresas também se aproveitam disso. Se tivéssemos dito, há 15 anos, a qualquer empresa norte-americana ou europeia que se ia conseguir financiar a dez anos com uma taxa de juro de 0,4%, achavam que era mentira. Isto era impensável. E a verdade é que isto torna viável alguns projetos que talvez não conseguissem financiar antes.
Há dois títulos que têm em carteira — a Alphabet e a Facebook — que têm estado envoltos em várias polémicas e terão de enfrentar nova regulação. Estão confiantes que preenchem esses requisitos?
LA: Esses são temas relevantes, mas também são temas que toda a gente conhece. São algumas das maiores empresas do mundo e essas preocupações já estão incorporadas no preço. Pessoalmente, penso que não estão mais acima por causa dessas questões de proteção de dados, mas também por preocupações monopolistas que existem nos EUA e que são cada vez mais relevantes. São temas que nos preocupam. Até porque o BPI assinou os princípios de investimento responsável (PRI) das Nações Unidas, que implica active ownership e atuação responsável. Isso sempre faz parte do ADN da gestão do BPI e cada vez mais porque essa também a tendência de mercado.
RA: Se essas questões de regulação começarem a afetar as características que procuramos nestas empresas e começarem a deteriorar a vantagem competitiva que têm, então não irão conseguir entrar no nosso portefólio. Se os dados reportados o começarem a refletir, então iremos a atuar.
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BPI: “Bolsas vão subir quando o coronavírus passar? Não me parece”
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