Governo pode proibir despedimentos? Pode, mas não deve
Em Espanha e Itália já foram proibidos os despedimentos devido à pandemia do novo coronavírus. Por cá, a ACT vai poder suspender despedimentos ilegais.
As empresas já estão a sentir os efeitos da pandemia do novo coronavírus. Muitas veem-se com dificuldades em assegurar os salários dos trabalhadores e algumas já estão mesmo a fazer despedimentos. Com a renovação do estado de emergência, uma das possibilidades contempladas no decreto presidencial é que o Governo possa impor limites aos despedimentos, uma medida que tem vindo a ser reivindicada por alguns partidos e sindicatos. O ECO foi ouvir economistas e ver como isto se aplica nos outros países e o que poderia acontecer cá.
Uma semana depois de ser identificado o primeiro caso de Covid-19 em Portugal, o Governo anunciou um regime de lay-off simplificado para as empresas que vissem a atividade “severamente afetada devido à epidemia”. Entretanto, o mecanismo foi alvo de várias alterações, nomeadamente nas condições de acesso.
Na versão final, o Governo acabou por condicionar o acesso das empresas à medida com impedimento de despedimentos. Ao aderir ao regime, o empregador fica proibido de cessar os contratos de trabalho ao abrigo das modalidades de despedimento coletivo, por extinção do posto de trabalho e, embora a lei não o refira expressamente, despedimento por inadaptação.
Ainda assim, as situações de não renovação de contratos permitem às empresas que o fazem aderir ainda assim ao lay-off simplificado. O ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital disse, em entrevista ao Fórum TSF, que estes casos não são, “tecnicamente, um despedimento”.
A proibição de despedimentos naqueles moldes é válida durante o período de aplicação do regime, bem como nos 60 dias seguintes ao término. No entanto, ergueram-se vozes, nomeadamente dos partidos de esquerda, a apontar que este condicionamento era “insuficiente”, e que a proibição de despedimentos deveria ser alargada.
Tal aconteceu em Itália, o país europeu mais afetado pela pandemia, onde foram proibidos os despedimentos por motivos económicos durante dois meses, a partir de 23 de fevereiro, independentemente do número de empregados da empresa. No entanto, os despedimentos por motivos disciplinares continuam a ser autorizados.
Também em Espanha, o Governo não admite despedimentos associados ao coronavírus, nomeadamente por motivos de força maior ou por motivos económicos, técnicos, organizativos e de produção. Para os trabalhadores com contratos a termo, os contratos serão automaticamente renovados para que não haja despedimentos.
O Governo espanhol incentiva as empresas a recorrerem ao regime ERTE – Expedientes de Regulação Temporária de Emprego, um mecanismo semelhante ao lay-off que permite suspender o contrato de trabalho dos funcionários total ou parcialmente, em vez dos despedimentos.
Governo tenta travar despedimentos
E por cá? O decreto presidencial para a renovação do estado de emergência autoriza o Governo a impor limitações aos despedimentos, mas é o Executivo que decide como e se aplica medidas neste sentido. O economista João Duque aponta que a inclusão desta possibilidade pode ter sido um pedido de um partido, nomeadamente do Bloco de Esquerda.
Entretanto, António Costa anunciou, à saída do Conselho de Ministros desta quinta-feira, que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) vai poder “suspender qualquer despedimento cujos indícios de ilegalidade sejam manifestos e assim evitar o abuso das entidades patronais”.
O primeiro-ministro explicou que a ACT vai ter um reforço das suas competências, passando a haver a possibilidade de serem requisitados inspetores para reforçar os recursos humanos da Autoridade. Estes vão poder decidir suspender os despedimentos em que haja “indícios manifestos” de que a lei laboral não está a ser cumprida. O objetivo é “evitar o abuso das entidades patronais”.
Se a opção fosse para a proibição dos despedimentos, isso significava, “em termos práticos, que sejam as entidades privadas a suportar o custo todo”, diz ao ECO o antigo presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão. Apesar de admitir que há empresas que não estão a enfrentar problemas, para aquelas que estão em dificuldades a medida, que pode chegar a “toque de caixa de alguma ideologia”, poderia ser “violenta”.
Até porque há entidades que não tem atividade mas não estão abrangidas pelo lay-off simplificado, refere. Se as pessoas ficam sem “instrumentos para gerir”, como é o caso dos despedimentos, depois abrem falência, aponta o economista. O Governo poderá também aplicar limitações mais leves, ao criar condições para os despedimentos, ou “restringir a certos setores de atividade”, aponta.
Já para Fernando Alexandre, professor associado do Departamento de Economia da Universidade do Minho, a possibilidade de “vedar totalmente os despedimentos parece errada”, tendo em conta que, neste cenário, as empresas “vão ter de ajustar os custos para permanecerem viáveis”.
O economista aponta, ao ECO, que, em termos genéricos, impossibilitar uma empresa que está a tentar ajustar-se à situação de despedir “não faz sentido, a menos que o Estado assegure o pagamento dos salários dos trabalhadores”. “Em qualquer situação normal de economia há sempre despedimentos, há empresas que vão a falência, e é preciso deixar que a economia funcione”, reitera.
O condicionamento de um certo tipo de apoios ao não despedimento já é outra dimensão, aponta Fernando Alexandre, referindo-se às condições para as empresas que recorrem ao mecanismo do lay-off. Até porque o objetivo destes apoios do Estado é “manter o emprego”, nota.
Por outro lado, José Reis, professor de Economia da Universidade de Coimbra, defende que, depois de o Governo condicionar os apoios às empresas à manutenção do emprego, “é preciso um reforço dessa ideia”.
Reforço esse que “só pode ir no sentido de uma posição muito firme do Governo de agir em dois planos complementares: ajuda a empresas e manutenção de salários, e plano de proibição de despedimentos“, diz, ao ECO. O economista salienta que esta “não é uma questão apenas importante para os trabalhadores e para a sociedade, é essencial para que a economia não vá abaixo”.
José Reis explica que o que poderá estar em causa, se se avançar para esta proibição, é uma “ação conjunta da parte das empresas e do Governo para que a manutenção das empresas e dos postos de trabalho se alcance em conjunto”. A medida teria de “ser acompanhada de um esforço também das empresas para encontrarem todas as formas possíveis para manter a atividade”.
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