Quando todos batem no ceguinho: a CPAS

  • Nuno Pereira da Cruz
  • 18 Junho 2020

Urge então repensar a CPAS? Certamente. A própria profissão? Provavelmente. E para isso terá de ser feito um debate sério e sereno.

Esta pandemia da Covid-19 trouxe-nos a declaração do Estado Emergência e do Estado de Calamidade, com as suas restrições completamente extraordinárias e, no que toca ao setor da justiça, resultou para muitos advogados na perda de praticamente todo o trabalho que tinham, e estou-me a referir aos que dependem do sistema de acesso ao direito, colocando-os, de uma forma inesperada, praticamente sem rendimentos.

Não é o meu caso, não perdi rendimento, mas não deixo de verificar a injustiça do tema e, assim, é sobre estes meus colegas que quero escrever.

Situações verdadeiramente extraordinárias implicam soluções extraordinárias. É exatamente isso que Portugal, e bem, anda a defender junto dos seus parceiros europeus como solução de combate a esta crise que não é culpa de ninguém.

De facto, todos os advogados que neste período ficaram numa situação verdadeiramente precária, é obvio que necessitam de medidas de proteção e de apoio. Medidas essas que foram criadas para a generalidade dos portugueses como os lay-offs, a assistência à família, as moratórias do Estado, linhas de crédito às empresas, o apoio aos sócios-gerentes, entre outras.

E cabe ao Estado criar e assegurar esses apoios.

Nós, advogados, pagamos impostos ao Estado! Quem tem de assegurar a proteção social dos portugueses e de quem vive em Portugal é o Estado. E ninguém é cidadão de segunda.

E é uma vergonha que o Estado se desculpe com o facto de não fazermos descontos para a segurança social para justificar que nada tem a ver com a situação pela qual esses nossos colegas estão a passar. O Estado não se pode demitir das suas responsabilidades e, habilmente, empurrar o tema para a CPAS, que como tão bem se sabe, não tem as funções de assistencialista.

Ora, não é na CPAS que se deve bater. Não deve ser ela o alvo das críticas.

Não nos podemos esquecer que a CPAS é basicamente um fundo de reforma, não tendo um cariz assistencialista. Não podemos agora, da noite para o dia, exigir que tenha uma função para a qual ela não foi criada. A CPAS não dá, nem nunca deu, proteção na doença (senão em patamares mínimos) ou o direito a um subsídio de desemprego.

Urge então repensar a CPAS? Certamente. A própria profissão? Provavelmente. E para isso terá de ser feito um debate sério e sereno. Contudo, o que tenho visto é o seu contrário, com a multiplicação de vozes contra a CPAS, petições e pedidos de referendos.

Por isso, não é hora de nos digladiarmos na praça pública com as visões distintas que temos da profissão e da CPAS, ou de criar fraturas internas. Não vale a pena bater no ceguinho.

É hora sim, de todos, exigirmos respeito e dignidade para os advogados que têm um papel essencial na administração da justiça.

Assim, o que é sem dúvida alvo de critica é a forma como o governo e a AR tem tratado a justiça, e em particular os advogados, neste contexto de pandemia da Covid-19, deixando-a para segundo plano, bem depois do futebol!

Alvo de crítica é a omissão a respeito dos prazos judicias e a forma como os tribunais e o setor da justiça foram esquecidos no Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, tendo só sido regulados, e quanto a mim mal, com a Lei 1-A/2020, de 19 de março.

Alvo de crítica é a extensão da paralisação que foi decretada ao sistema judicial e o seu impacto na vida dos nossos clientes.

Alvo de crítica é verificarmos que todos os apoios criados durante esta pandemia deixaram os advogados de fora.

Alvo de crítica é, até à data em que escrevo, não ter sido dada aos advogados a equiparação total aos trabalhadores independentes neste contexto, como tem sido solicitado pela nossa Ordem.

A equiparação aos trabalhadores independentes, neste contexto, é aliás a medida que se exige. É a única que verdadeiramente é justa, equilibrada e ajuda os advogados em dificuldade.

E é ao Estado que tem de ser exigida!

Portanto, urge não misturarmos os temas. A CPAS deverá ser discutida (um tema). O sistema de acesso ao direito e a dicotomia que está a criar na profissão, também (outro tema).

Agora, a resposta que se exige para o problema que resultou da paralisação generalizada do sistema deverá ser apenas uma – o Estado.

  • Nuno Pereira da Cruz
  • Managing partner da CRS Advogados

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