Empresas adaptam edifícios, processos e comunicação ao "novo normal". Limpeza e desinfeção extra, reuniões com assistência limitada e sinalética adaptada servem de "preparação" para o pós-Covid.
15.000 pessoas. É o número médio de visitantes que a Renova recebe, por ano — entre escolas, clientes e público em geral — interessados em conhecer o centro de produção da fábrica em Torres Novas. Este ano, devido à pandemia, as visitas estão reduzidas a… zero. Nas instalações da empresa, em Portugal e em França, começa a preparar-se o regresso de 170 trabalhadores com novos hábitos: a temperatura é medida à entrada nas instalações e o uso de máscara é obrigatório, tanto nos escritórios como nas linhas de produção.
O movimento também ainda não voltou ao número 12A da Avenida 24 de julho mas, esta semana, a EDP começou a preparar o regresso dos trabalhadores às instalações da empresa. Depois de dois meses com sete em cada dez trabalhadores em regime de teletrabalho, o plano de retoma começou a ser desenhado em três fases — de transição, de monitorização e “novo normal” –, e já conta com a aprovação do Conselho de Administração da elétrica nacional.
“O plano de retoma – ativado com o fim do estado de emergência do país e com a expectativa de redução de risco associado à Covid-19 – será global e ajustado gradualmente em cada geografia em que a EDP tem atividade. Este plano de regresso à atividade começará a ser executado em Portugal a partir de 18 de maio”, explica fonte oficial da empresa ao ECO.
Com data de arranque mas sem data prevista para uma conclusão, o regresso aos escritórios estará, refere a empresa, sempre condicionado à legislação em vigor e às decisões, “tanto do Governo como das autoridades nacionais e internacionais de saúde pública nas 19 geografias em que o grupo tem operações”.
O plano prevê um “regresso ao trabalho progressivo e equilibrado” que define, na fase de transição, grupos de trabalhadores de regresso em diferentes fases. Além disso, a EDP adotará “protocolos de higiene e segurança, de forma a receber os colaboradores no local de trabalho com elevado nível de proteção”. Na fase de monitorização, pensada para um “cenário de risco de contágio baixo (…) permitirá reduzir as medidas de proteção individual e criar as condições para um regresso generalizado dos colaboradores às instalações da empresa”. Seguir-se-á a terceira fase, de “novo normal”, com um risco de contágio por Covid-19 “residual ou inexistente”, no qual a empresa manterá as medidas preventivas.
Passo a passo, mudando
O 6 de março ficou guardado na agenda de Marisa Garrido. Nesse dia, juntamente com três outros colegas, a diretora de recursos humanos dos CTT criou um “gabinete de gestão de crise” para preparar o que se seguiria. “No fundo, o primeiro objetivo foi analisar o que esta crise significava e como podíamos criar um plano de contingência e de continuidade do negócio”, explica, em entrevista ao ECO.
Durante uma semana e meia, a equipa tentou perceber riscos e impactos da pandemia e, sobretudo, quais as soluções adaptadas a cada situação. “Na maior parte das empresas, esse plano foi uma espécie de conjunto de boas intenções e ações teóricas porque fomos fazendo navegação à vista: foi tudo tão rápido… os desafios iam aparecendo dia a dia. Houve muitas ações que já estavam pensadas e foram aplicadas mas houve desafios que tivemos de ir desenvolvendo e validando as ações de mitigação de riscos que apareciam”, assinala Marisa Garrido.
Pouco mais de dois meses depois da implementação de um conjunto de medidas de mitigação do risco, a responsável de recursos humanos olha para trás com uma visão positiva. “Nos CTT, nesta vaga que tinha tudo para ser cinzenta, andámos sempre à procura da cor, da oportunidade. Esta situação colocou a todas as empresas grandes desafios e dificuldades, mas nunca nos pusemos do lado das dificuldades. Quisemos aproveitar isto para fazer mudanças que é importante fazer e que ainda têm maior impacto neste contexto”, sublinha a responsável de recursos humanos.
Entre as medidas implementadas ao longo dos últimos meses, os CTT criaram uma marca de comunicação interna, com uma linguagem “mais próxima e direta, apelativa e de provocação no sentido positivo”. “Em 24 horas montámos uma linha de apoio para trabalhadores e chefia dos CTT e, em três semanas, um meio de comunicação através do contacto telefónico com todos os colaboradores, através do qual fazemos comunicações diárias”, detalha Marisa Garrido.
O plano de regresso ao “novo normal” será feito em três momentos já definidos: “pós-estado de emergência” (maio/junho), “de normalidade” (julho/agosto) e de “nova normalidade”. “Pretendemos aproveitar esta oportunidade, não só pelo que nos é imposto mas pelo que podemos melhorar numa perspetiva de melhoria contínua. No sentido de implementarmos políticas novas e que possam responder àquilo que são as necessidades dos trabalhadores, à proteção das pessoas e à continuidade do nosso negócio”, afirma ainda a diretora de recursos humanos. A empresa, com cerca de 12.400 trabalhadores dos quais 1.200 a trabalhar no edifício-sede, conseguiu colocar 1.900 pessoas em teletrabalho em quatro dias. “Ninguém conseguiu perceber qual seria a realidade desta crise: as primeiras três semanas foram muito aceleradas do ponto de vista dos desafios que iam aparecendo, e nós tínhamos de estar preparados”, relembra.
Mudar o espaço para mudar a dinâmica
À entrada dos escritórios da Novabase, um cenário digno de um filme de ficção científica. O segurança, com a lição estudada, será o executante de um plano pensado por uma equipa multidisciplinar. Tudo isto, para garantir que, mesmo voltando ao escritório, espaço habitual de trabalho no pré-Covid, todos os trabalhadores se sentem seguros.
O plano definido pela tecnológica, válido para Portugal, Espanha, Holanda, Reino Unido e Angola, terá três focos essenciais: na infraestrutura, nas pessoas e na comunicação. Para a preparação do edifício, a empresa tenciona apostar em medidas de limpeza forte, desinfeção de todos os edifícios e validação e manutenção dos sistemas de ventilação. Nas salas de reuniões, todas as tomadas ficarão em cima das mesas para evitar ao máximo o contacto. Todos os trabalhadores terão equipamento de proteção individual e a entrega de encomendas será reduzida ao mínimo possível. Haverá também sinalética com o limite de pessoas por zona, a circulação no edifício será feita sempre pela direita para evitar o cruzamento de pessoas e as mesas terão assinalados os lugares onde as pessoas devem colocar-se.
O álcool gel será presença assídua tanto nas mesas de trabalho como perto de objetos usados por todos, como micro-ondas ou impressoras, e a Novabase terá uma nova equipa a circular pelos escritórios: “Criámos o conceito do cleaning on demand: ligo para a equipa nova e estas pessoas garantem que a sala de reuniões, por exemplo, está limpa antes de eu entrar”, explica Nelson Teodoro, diretor de marketing da Novabase, que conta com mais de 2.000 trabalhadores.
A maneira como se organiza e se circula dentro do espaço de trabalho é, de resto, uma das mudanças implementadas na maioria dos casos. Na EDP, a empresa vai garantir um distanciamento de mínimo de dois metros a 360º em todos os postos de trabalho e vai aumentar a limpeza e a desinfeção dos edifícios vai ser mais frequente do que era habitual. Os acessos e circulação nos edifícios serão redefinidos para garantir o cumprimento das regras de distanciamento social.
Na empresa de recursos humanos Multipessoal, o regresso aos escritórios e lojas físicas está programado para o primeiro dia de junho. Nos escritórios, haverá um lugar fixo para cada colaborador e uma distância mínima de dois postos de trabalho entre cada um, garantindo que todos têm acesso a materiais de proteção e desinfeção como máscaras, viseiras, luvas e álcool gel. Já na seis lojas físicas – em Lisboa, Alverca, Marinha Grande, Águeda e Porto – só entrará uma pessoa de cada vez e o atendimento será realizado num balcão à parte. Os colaboradores que têm de interagir com clientes, devem desinfetar-se entre cada atendimento, e terão disponíveis os materiais de proteção como máscaras, viseiras e luvas.
"Se calhar já não vai ser necessário voltarmos aos 100% no escritório.”
Na Groundforce, empresa que presta assistência em terra nos aeroportos e emprega atualmente 2.800 pessoas, há 150 trabalhadores nos balcões de serviço ao cliente, load control, planeamento e apoios administrativos. Paulo Neto Leite, CEO da Groundforce, conta à Pessoas que neste grupo, só 85 pessoas transitaram para teletrabalho e é para elas que se deve agora preparar o regresso.
Reuniões, sim. Mas com menos intervenientes
“O distanciamento social é a medida mais eficaz”, sublinha Paulo Neto Leite. Mas há uma série de medidas para assegurar o regresso em segurança. Foram reorganizados os espaços de trabalho individual nos escritórios, as salas de reunião, o refeitório e outras áreas comuns, com limitações de lotação e criação de áreas de intervalo para manter a distância entre os trabalhadores. Há informação afixada em pontos-chave dos edifícios e sinalética horizontal que relembra o afastamento em locais com mais de uma pessoa. Nos espaços de refeição, mesmo na esplanada ao ar livre, foram identificados os lugares onde é permitido sentar. O uso de máscara é apenas obrigatório para quem trabalhe em contacto com o público, como é o caso da receção e dos colaboradores do refeitório.
Limitar o número de participantes nas reuniões é outra das medidas aplicadas pelas empresas. Na EDP, “a expectativa é que uma larga parte se faça ainda em modo remoto – o regime de teletrabalho, em que têm funcionado cerca de 70% dos colaboradores do grupo EDP e que tem garantido a sua normal atividade nas últimas semanas, continuará assim a ser incentivado, mesmo dentro da empresa”, assegura fonte oficial da elétrica.
Também na Multipessoal, “as reuniões acontecerão, preferencialmente, de forma digital e, quando presenciais, será com o menor número possível de pessoas, em espaços que possibilitem uma distância mínima de um metro entre os intervenientes e recorrendo à utilização de máscaras”, garante Margarida Pinto Brás, administradora e responsável pela área de recursos humanos da empresa de recursos humanos.
Voltar sem pressas
“Não temos nenhuma urgência imediata em regressar às instalações”, afirma fonte oficial da EDP. “Desde que surgiu a necessidade de confinamento e, com 70% dos colaboradores em teletrabalho, a empresa continuou a funcionar normalmente e a garantir todos os serviços às populações. O trabalho remoto é um modelo que a EDP tem vindo a testar e a aplicar de forma regular – e que reforçou ao longo do último ano – pelo que os seus colaboradores estão hoje completamente preparados para funcionar nesse regime de adaptação e flexibilidade”, assegura.
O trabalho remoto é um modelo que a EDP tem vindo a testar e a aplicar de forma regular, pelo que os seus colaboradores estão hoje completamente preparados para funcionar nesse regime de adaptação e flexibilidade.
Na EDP, que conta com cerca de 12.000 trabalhadores nas várias localizações onde a empresa está presente, a primeira fase do plano prevê o retorno de cerca de 20% a 50% dos trabalhadores que irão “reforçar as equipas dedicadas aos serviços essenciais e cuja presença é essencial para a continuidade das operações industriais e comerciais nas diferentes áreas de negócio”.
“Já todos percebemos que a nossa vida no local de trabalho não será exatamente a mesma do que era antes desta pandemia. Este ‘novo normal’ servirá para aprendermos com as grandes lições que pudemos tirar deste confinamento obrigatório, do teletrabalho e de outros aspetos para que o trabalho possa ser melhor, mais flexível e mais motivador, mas também posicionarmo-nos no sentido de aproveitar os movimentos mais significativos da sociedade do ponto de vista da digitalização e da sustentabilidade”, assegura a fonte da EDP.
Também na Novabase o processo de regresso está traçado mas sem previsão de uma conclusão. “Temos o plano mas não temos as datas”, salvaguarda o diretor de marketing da tecnológica. “No limite, reforço, se as coisas estiverem a funcionar bem a partir de casa não há necessidade de voltar ao escritório. Em equipa que ganha não se mexe”, assinala, sublinhando: “Se calhar já não vai ser necessário voltarmos aos 100% no escritório”, assinala.
Luís Saramago, diretor de marketing da Renova, garante que não há uma data definida para o regresso dos trabalhadores ao escritório. “Diria que estamos a fazer um regresso cauteloso à normalidade possível e, quem pode estar em teletrabalho, continua em teletrabalho”, sublinha. Para quem regressa, será disponibilizado um kit de proteção que inclui viseira, máscara e luvas e, nos escritórios estará disponível álcool gel e desinfetante de superfícies.
No regresso aos escritórios, os horários dos trabalhadores da Multipessoal serão rotativos e divididos em teletrabalho e trabalho presencial, pelo menos até agosto. “Assim garantimos que as pessoas permanecem no escritório sempre com os mesmos grupos, possibilitando a redução do risco de contágio. Será também adotada a flexibilidade horária de forma a garantir que as pessoas voltam, não só em segurança, mas com a possibilidade de moldarem algumas variáveis da melhor forma, para si e para o seu equilíbrio familiar”, explica Margarida Pinto Brás. A aposta de futuro passará ainda por implementar um plano de comunicação mais próximo, para apelar de forma positiva aos comportamentos responsáveis de todos os trabalhadores.
"Estamos a viver em Portugal uma situação de calamidade. Hoje, teletrabalho é obrigatório.”
Também nos CTT, a ordem é para ficar em casa, sempre que possível. “Estamos a viver em Portugal uma situação de calamidade. Hoje, teletrabalho é obrigatório. Por isso, aquelas pessoas que podem desenvolver a sua atividade à distância mantêm-se em teletrabalho. Há um conjunto de pessoas das quais uma parte do trabalho é feita em serviço externo — pessoas afetas aos escritórios mas que são diretores comerciais das lojas ou fazem auditorias. Durante o período de confinamento total, essas pessoas pararam completamente as atividades. O que estamos a fazer agora é a planear essas atividades com muita moderação e a fazer aquelas que são imperativamente inadiáveis”, acrescenta Marisa Garrido.
Os Correios já têm um plano de “desenvolvimento de regresso” ao qual a empresa chamou “plano de regresso à normalidade ou, com o nome de código Back to work“. “Pensámos nisto até setembro. Mas tem um ‘mas’: depende muito das orientações e obrigações que vão sendo emanadas e de como evolui a pandemia”, esclarece a responsável. Pensado para “três grandes universos de trabalhadores”, os CTT têm em conta, por um lado, a rede de retalho — pessoas que trabalham em lojas e que nunca pararam, designada “a linha da frente” –, as operações — “um mundo e a grande maioria dos nossos colaboradores”, assinala Marisa Garrido — e, finalmente, todos os serviços centrais e de apoio — que inclui as pessoas afetas à sede e todos os trabalhadores que, tipicamente, foram capazes de realizar o seu trabalho a partir de casa.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Da EDP aos CTT, até à Renova. Este é o “novo normal” das grandes empresas
{{ noCommentsLabel }}