Von der Leyen entre a ambição franco-alemã e resistência dos frugais
A Comissão Europeia apresenta esta quarta-feira a sua proposta para o QFP e o fundo de recuperação pós-pandemia. Bruxelas procura equilíbrio entre subvenções (franco-alemã) e empréstimos (frugais).
A proposta franco-alemã foi vista como um “game changer“, mas os frugais — já sem o apoio indireto da Alemanha — apressaram-se a avançar com uma contraproposta, mostrando as diferenças de opinião que persistem dentro do Conselho Europeu. Encurralada por estes dois eixos, a Comissão Europeia apresenta esta quarta-feira a sua proposta para o fundo de recuperação e para o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027 que deverá ser discutida em breve pelos chefes de Estado. Uma coisa é certa: consenso precisa-se e rapidamente.
Na semana passada, Angela Merkel e Emmanuel Macron apareceram lado a lado, virtualmente, para anunciar um fundo de recuperação de 500 mil milhões de euros, dentro do próximo QFP, que seja temporário e financiado por endividamento da Comissão Europeia em nome da União Europeia, o qual será reembolsado ao longo dos próximos orçamentos europeus por todos os países (consoante o seu peso no PIB da UE e não o dinheiro que receberam) e com uma maturidade longa. O dinheiro chegará diretamente aos países através de subvenções a fundo perdido, privilegiando as regiões e os setores mais afetados pela crise.
O principal argumento dado pelas instituições europeias, nomeadamente pela Comissão Europeia, é que apesar de a crise ser simétrica, uma vez que o vírus afeta todos os países, a recuperação económica será assimétrica dado que os Estados-membros têm diferentes pontos de partida de endividamento, o que limita a resposta orçamental. A ação a nível europeu permite colmatar esta diferença que existe entre países que partilham a mesma moeda e estão altamente ligados ao nível comercial por causa do mercado único europeu.
Mesmo os que partilham desta opinião poderão vir a criticar esta proposta, argumentando que o valor é pequeno e insuficiente para acelerar a recuperação da economia europeia. Ainda assim, a reação neste quadrante tem sido geralmente positiva, até pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo polémico ex-ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble. Também António Costa classificou a proposta de “excelente”, apesar de ter chamado a atenção para os “ses” que poderão existir, nomeadamente sobre qual será a chave de distribuição dos fundos e as reformas estruturais que os países poderão ter de fazer. Esta proposta é, assim, mais um “ponto de partida” para as discussões das próximas semanas.
Frugais querem “empréstimos para empréstimos”
Contudo, a maior oposição chega Estados-membros que não querem uma partilha dos custos da crise com a emissão de dívida conjunta ao nível da União Europeia, apesar de esta ser feita através da Comissão Europeia e não sob a forma dos polémicos “eurobonds”. Em resposta à proposta franco-alemã, esse conjunto de países, apelidados de “frugais”, é encabeçado pela Holanda, em conjunto com a Áustria, a Dinamarca e a Suécia, e quer que a resposta europeia seja apenas sob a forma de empréstimos — “empréstimos para empréstimos”, segundo o non paper que circula na imprensa — e não subvenções.
A oferta destes quatro países seria dar condições mais favoráveis nos empréstimos do que as do mercado de capitais, o que limitaria o risco dos Estados-membros serem alvo de especulação por parte dos investidores como aconteceu na crise das dívidas soberanas da Zona Euro que se seguiu à crise financeira. Este fundo de recuperação através de empréstimos, que obriga ao seu reembolso direto dos Estados-membros beneficiados (e não com um caráter redistributivo), também estaria dentro do orçamento comunitário que vai arrancar no início do próximo ano e seria encaminhado para os países mais afetados pela pandemia.
No entanto, o acesso a estes empréstimos obrigaria os países a avançarem com reformas estruturais para tornar as suas economias mais resilientes, o que tornaria este dinheiro menos atrativo do que o que é oferecido pela linha cautelar do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) cuja única condicionalidade é o cumprimento das regras orçamentais europeias a médio e longo prazo, algo a que os Estados-membros já estarão obrigados após terminar a suspensão da aplicação dessas regras decidida por causa da pandemia. Outra diferença é que esta ajuda teria dois anos, enquanto a proposta franco-alemã aponta para três anos.
Ursula von der Leyen promete equilíbrio entre subvenções e empréstimos
No meio-termo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, comprometeu-se logo desde o início, quando foi mandatada pelo Conselho Europeu, a apresentar uma proposta que tivesse tanto subvenções como empréstimos. Em reação à proposta franco-alemã, a presidente disse que esta “vai na direção da proposta da Comissão” e elogiou o ênfase colocado no orçamento comunitário.
Uma semana antes, num discurso no Parlamento Europeu, Von der Leyen já tinha desvendado algumas das linhas da proposta que apresenta esta quarta-feira. Há três pilares: o instrumento de recuperação e resiliência que servirá para financiar investimento público nas prioridades europeias; um fundo para o investimento estratégico para estimular o investimento privado, nomeadamente para que a UE tenha maior autonomia nas cadeias de valor, e ainda um instrumento para a solvência em que a Comissão pretende ajudar a recapitalizar as empresas; o terceiro pilar será dedicado à saúde e à solidariedade entre Estados-membros e com os vizinhos da UE.
A proposta incluirá também novos recursos, ou seja, novas fontes de receita para o orçamento comunitário que não implicam mais contribuições diretas dos Estados-membros e ainda “um mecanismo para proteger o Estado de direito”, numa alusão à Hungria (e outros países) cujos Governos consolidaram os seus poderes a pretexto da pandemia.
Neste discurso perante os eurodeputados, Von der Leyen também prometeu envolver o Parlamento Europeu nesta decisão, através da sua fiscalização democrática, apesar de a palavra final relativamente ao fundo de recuperação caber ao Conselho Europeu, tendo decidido apresentar aos eurodeputados diretamente a proposta esta quarta-feira às 13h30 em Bruxelas (12h30 em Lisboa).
Os eurodeputados exigem um pacote de recuperação de dois biliões de euros, tendo avisado a Comissão Europeia de que esta não pode utilizar “engenharia financeira” ou “multiplicadores duvidosos” para anunciar números avultados para o fundo de recuperação. Recorde-se que o próximo QFP, onde estará inserido o fundo de recuperação como um complemento, só poderá entrar em vigor após a aprovação do Parlamento Europeu.
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