Nacionalizar empresas portuguesas? Mesmo sem a TAP, a curta lista cresceu com a Efacec

A TAP acabou por não ser nacionalizada, mas houve outra empresa que o Estado tomou posse. Foi a Efacec a juntar-se ao SIRESP na lista de empresas nacionalizadas pelo atual Governo.

O Estado tem ferramentas para nacionalizar empresas e vai usá-las se achar conveniente“. Foi em março que o ministro de Estado e da Economia, Pedro Siza Vieira, anunciou que a possibilidade uma empresa ser nacionalizada, no âmbito do plano de combate às consequências da pandemia, não estava fora de questão.

Três meses depois, a nacionalização da TAP tornou-se um cenário assumido pelo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos. Na quinta-feira à noite, o governante explicava que havia um acordo com os acionistas privado da companhia área e que, “felizmente, a nacionalização não chegou a ser necessária”.

Apesar de ter afastado o cenário de nacionalização da TAP, horas antes o Governo anunciava que iria incluir outra empresa na esfera do Estado. Devido ao impasse acionista gerado pelo Luanda Leaks, o Governo decidiu nacionalizar a participação detida por Isabel dos Santos na Efacec. Assim, mesmo sem a companhia aérea, o Governo aumentou, com a elétrica, a curta lista de empresas que entraram na esfera do Estado nas últimas pouco mais de quatro décadas.

"O Conselho de Ministros tomou a decisão porque a Efacec se encontra numa situação de grande impasse acionista desde que no final do ano passado, na sequência do processo Luanda Leaks, foi decretado o arresto desta participação social.”

Pedro Siza Vieira

Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital

Socialistas reprivatizaram nos anos 1990. Agora, nacionalizam

“Houve uma série muito grande de nacionalizações a seguir 25 de abril de 1974, mais especificamente ao golpe de 11 de março de 1975, incluindo toda a banca com capital nacional e grupos industriais. Até 1989, a reprivatização estava impedida e só depois da revisão constitucional é que se pôde começar a fazê-lo”, explica António Nogueira Leite, economista e professor na Nova SBE, ao ECO.

A história do país ficou marcada pela onda de nacionalizações após o fim do Estado Novo, que insuflou a esfera de empresas públicas para a ordem dos milhares. “Foram setores inteiros”, diz, apontando para a banca, mas também eletricidade, petróleo, cimentos, cervejas ou correios. A esta, seguiu-se uma nova fase de privatizações nos anos 1990, que começou com o Totta e abrangeu EDP, Galp, Cimpor ou PT. Na banca, só ficaram a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e o Banco Nacional Ultramarino, que foi integrado no anterior.

Os governos PS acabaram por alienar mais capital empresarial do que o PSD“, lembra Nogueira Leite, apontando em particular para o primeiro governo do socialista António Guterres. Mas se o atual secretário-geral das Organização das Nações Unidas ficou conhecido pelas reprivatizações, é, agora, décadas mais tarde, outro Governo socialista a ficar para a história pelas nacionalizações. Incluindo já a Efacec, António Costa já assinou duas.

Governo invocou BPN para nacionalizar a Efacec

No ano passado, depois da onda de incêndios que afetou o país, o Estado quis garantir que o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança (SIRESP) não voltava a falhar e, para isso, comprou a parte detida pelos operadores privados, Altice e Motorola, por sete milhões de euros. A nacionalização, que ficou efetiva a 1 de dezembro de 2019, aconteceu depois de o Estado ter pago aos privados 487 milhões de euros desde 2006, quando foi celebrado o contrato inicial.

"O SIRESP é um caso diferente. O Governo considerou que o SIRESP, dada a sua natureza, devia estar na esfera do Estado.”

António Nogueira Leite

Economista e professor da Nova SBE

As dimensões não são comparáveis, nem mesmo as razões. “O Governo considerou que o SIRESP, dada a sua natureza, devia estar na esfera do Estado”, diz o professor da Nova SBE. Diferente é o caso do Banco Português de Negócios (BPN), que foi uma nacionalização para travar o impacto da queda na economia, tal como acontece agora com a nacionalização da Efacec.

Aliás, o Governo invocou um anexo da lei das nacionalizações feita para o BPN para se apropriar da Efacec. Em 2008 — estava a Europa a importar a crise do subprime dos EUA e a gerar a sua própria crise da dívida soberana –, o Banco de Portugal encontrava um buraco de 700 milhões de euros no BPN. Após uma injeção de capital, o então ministro das Finanças Fernando Teixeira dos Santos anunciava a nacionalização do banco, que viria pouco depois a falir.

Mesmo sem nacionalização, Governo reforça na TAP

“Se falamos do passado, temos de falar da forma como o Estado abandonou a golden share da PT, da privatização da ANA ou da venda do Novo Banco a um investidor sem qualquer interesse na banca”, diz Pedro Lains, historiador económico e investigador da Universidade de Lisboa, que foi coordenador da “História Económica de Portugal, 1700-2000”. “Não se pode diabolizar nem tratar as nacionalizações com estigma. Não é algo do PREC“, aponta.

Lains considera que uma nacionalização tem de ser colocada na perspetiva tanto das circunstâncias de crise como do contexto europeu, apontando que a Renault foi nacionalizada depois da segunda guerra mundial ou que França nacionalizou um porto há dois anos.

"Se falamos do passado, temos de falar da forma como o Estado abandonou a golden share da PT, da privatização da ANA ou da venda do Novo Banco.”

Pedro Lains

Historiador económico e investigador da Universidade de Lisboa

No caso da TAP, não é uma nacionalização porque (ao contrário da Efacec) houve um acordo com os acionistas privados para o Estado ficar com a maioria do capital (por 55 milhões de euros), haverá ainda um pacote de ajuda pública até 1.200 milhões de euros. Neste caso, lembra que a Alitalia vai receber apoio público de Itália, a Lufthansa da Alemanha, a KLM dos Países Baixos ou que os EUA têm preparado um pacote com 25 mil milhões de dólares para companhias aéreas.

“O que o Governo português está a fazer diferente é que quer garantias em troca da ajuda. Possivelmente porque não vê preocupações por parte da gestão”, refere o investigador da Universidade de Lisboa. Acrescenta que “sem contrapartidas” para a ajuda pública, corria-se o risco de que “esse dinheiro público desaparecesse como se está a esfumar o dinheiro público entregue ao acionista“.

Apesar de já haver acordo, o futuro da TAP está ainda dependente da recuperação de todo o setor após a pandemia. “Não é o fim da linha para a TAP porque está num setor muito específico e porque vai ter de haver uma reestruturação“, acrescenta Nogueira Leite sobre um cenário que tanto Pedro Nuno Santos como António Costa já admitiram que será difícil para a empresa.

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