Acordo “é bom, mas não excelente” e tem riscos para o futuro

  • Lusa
  • 22 Julho 2020

Miguel Poiares Maduro, Bernardo Pires de Lima e António Goucha Soares analisam o acordo alcançado que apesar das oportunidades que traz, não está isento de riscos.

O acordo dos 27 sobre o orçamento plurianual e o fundo de recuperação “é bom” por permitir fazer face à crise, mas acarreta riscos, e oportunidades, para o futuro da integração europeia, segundo especialistas ouvidos pela Lusa.

“Eu acho que é um bom, e não excelente, mas um bom resultado imediato”, disse à Lusa Miguel Poiares Maduro, especialista em Direito Europeu, alertando contudo para que ele “é incerto quanto aos seus efeitos futuros”.

Como aspetos positivos, Poiares Maduro salientou que se trata de “um montante substancial de fundos”, “que aqui há poucos meses muitos achariam que era altamente improvável”, que foi “uma resposta relativamente rápida da União” e que, para Portugal, “significa que no curto prazo […] vai receber mais fundos do que alguma vez recebeu, mesmo no período pós-adesão”.

O especialista apontou contudo que o acordo terá “consequências incertas”, umas potencialmente positivas, outras negativas, no processo de integração europeia no médio e longo prazo.

“Do lado da avaliação positiva, eu diria que há um precedente importante na adoção de um programa de recuperação económica assente em apoios diretos, a fundo perdido, e na emissão de dívida europeia”, um “precedente novo” e “um passo positivo” que, associado ao compromisso para novos recursos próprios, “vão no sentido do reforço da integração europeia porque reforçam a capacidade de integração, a capacidade orçamental e a integração fiscal na União Europeia”.

Poiares Maduro identificou por outro lado “passos preocupantes” e de “risco para o processo de integração europeia”: a intergovernamentalização subjacente à decisão de submeter os programas nacionais para as verbas do fundo de emergência à aprovação por maioria qualificada dos 27 e a lógica de “troca de fundos permanentes para compensar pelo maior financiamento temporário”, referindo-se à redução do orçamento para programas geridos por Bruxelas para compensar a dotação do fundo de recuperação.

António Goucha Soares, também especialista em Direito Europeu, também apontou como positivo ter-se conseguido um acordo europeu, destacando como se estava “na iminência de este acordo não ser alcançado” a tempo e que ele responde a graves problemas económicos que a pandemia provocou.

“A UE está a fazer testes de sobrevivência sucessivos e a pandemia também expôs a UE a uma série de perigos, nomeadamente aos fundamentais da sua essência, como é o mercado interno. […] Depois de a UE ter passado pela crise grave do euro, quase uma década, depois de ter perdido o Reino Unido, se agora rebentasse também o mercado interno, não sabemos o que é que iria ficar”, explicou, considerando que “de alguma forma”, o acordo “tem esta dimensão existencial”.

Goucha Soares desvalorizou por outro lado os cortes no orçamento comunitário, em programas como o de ciência ou transição energética, considerando que “não se cortou significativamente” e destacando que a prioridade era o fundo de recuperação.

“Se pensarmos que este fundo de recuperação surgiu como um imperativo para acudir à situação dramática das economias, das grandes economias do mercado interno mais atingidas pela crise, e essas economias recebem este apoio […] é uma boa vitamina para esta ameaça que a UE estava a sofrer com a Covid-19”, afirmou.

Para o especialista, “é essencial para o projeto europeu que a Itália continue a permanecer alinhada com a UE e não entre numa deriva”, tal como Espanha. Itália vai receber 200 mil milhões de euros, “uma lufada brutal de oxigénio”, “uma folga financeira que lhes permite ganhar tempo […] o que significa afastar por mais meses ou por mais anos os populistas eurocéticos do poder”.

Bernardo Pires de Lima, investigador de relações internacionais, salientou que o acordo permitiu ultrapassar riscos importantes: a expectativa social de “muitos milhões à volta das televisões e das redes sociais à espera de uma resposta europeia” para problemas concretos, “a perceção dos mercados e a pressão sobre as taxas de juro [que] imediatamente iriam incidir sobre os Estados mais vulneráveis se não houvesse um acordo” e “a arrumação” do semestre da presidência alemã do Conselho.

O investigador apontou também como um resultado potencialmente positivo deste acordo a mutualização da dívida, com a Comissão Europeia a contrair dívida junto dos mercados para financiar o plano de recuperação, “um dado completamente novo” que “pode ser o embrião de uma Europa financeiramente mais federalista, chamemos-lhe assim”.

“Isso pode vir a ficar como um bom balão de ensaio para outro tipo de questões, nomeadamente de harmonização fiscal e de governance do euro, que sejam um salto em frente no sentido da justiça e da equidade entre os Estados-membros”, explicou.

Pelo lado negativo, o investigador aponta a proporção de verbas do fundo de recuperação que vão ser canalizadas a fundo perdido, que na proposta da Comissão era de dois terços e no acordo do Conselho acabou por ser pouco mais de metade, em virtude de o Conselho ceder “em demasia, a um núcleo muito pequeno de Estados que não é suficientemente poderoso nem representativo”.

Quanto aos cortes efetuados no Quadro Financeiro Plurianual, que afetam programas europeus, Pires de Lima admitiu que “necessariamente teria de haver danos colaterais”, mas apontou que “transmite um sinal político que vai ao arrepio das prioridades da comissão, alinhada com o Parlamento Europeu”, o que o faz prever “alguma tensão nos próximos meses”.

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