#Episódio 7. Lesados do BES compraram gato por lebre
A acusação do Ministério Público explica como é que centenas de investidores privados aplicaram o dinheiro em papel comercial e se tornaram nos "lesados do BES", perdendo milhões.
Ricardo Salgado, Amílcar Pires e alguns dos restantes arguidos do processo BES “contribuíram para precipitar as decisões de investimento de clientes que foram aliciados a realizar investimentos num produto apresentado como não tendo perspetiva de risco, com taxas de remuneração atrativas, e que permitia a mobilização temporária de recursos em entidades com uma imagem de sanidade financeira deturpada, quando na realidade estavam a ser conduzidos para os atos que, desde o início, eram pretendidos por Ricardo Salgado e que eram ruinosos em termos patrimoniais“.
Esta é a explicação dada pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) no que aos chamados lesados do BES toca. Segundo o Ministério Público, cuja acusação foi conhecida a 14 de julho, o ex-líder do BES, Ricardo Salgado “quis e conseguiu causar sérios danos patrimoniais nos clientes investidos em papel comercial da Espírito Santo Internacional e da Rioforte, e no próprio BES“.
Em 2017 foi encontrada uma solução (entre a associação de lesados, Governo, CMVM e BdP) para os clientes que, aos balcões do BES, investiram 434 milhões de euros em papel comercial das empresas Espírito Santo Financial e Rio Forte, e cujo investimento perderam com o colapso do Grupo Espírito Santo (no verão de 2014). A solução implicou que os lesados que aderiram ao Fundo de Recuperação de Créditos recuperassem 75% do valor investido, num máximo de 250 mil euros, isto se tiverem aplicações até 500 mil euros. Já acima desse valor, o valor recuperado seria de 50% do investimento.
Segundo a acusação do DCIAP – conhecida a 14 de julho – Ricardo Salgado terá sido o cérebro de uma rede criminosa, dentro GES e do BES, de forma a cometer sucessivos crimes “de forma organizada”. No total, são 65 crimes que o Ministério Público imputa a Ricardo Salgado, entre eles um crime de associação criminosa. São 29 crimes de burla qualificada e 12 crimes de corrupção ativa no setor privado. E ainda branqueamento de capitais, falsificação de documentos, fraude no comércio internacional e desvio de fundos.
Desta feita, na lista do grupo dos lesados estão viúvas e até emigrantes. Um dos casos referidos na acusação é o de uma senhora reformada, com apenas 265 euros de reforma mensal e que investiu 100 mil euros.
“A relação contratual com o cliente para este produto foi estabelecida sem qualquer perfilagem pelos serviços do banco para se perceber se o subscritor sabia que tipo de instrumento subscrevia, se investia todas as suas posses neste produto e se tinha condições para acomodar patrimonialmente uma eventual perda integral do investimento feito”, pode ler-se no despacho de acusação.
Diz ainda a acusação que, ao criar a “possibilidade de os clientes privados poderem investir em papel comercial em 2013, Ricardo Salgado posicionou os clientes de retalho do Grupo BES, não profissionais, para comprarem diretamente dívida de empresas que não só estavam em situação insolvente como apresentavam publicamente uma imagem patrimonial falsa, quer pela inexistência de investidores institucionais que absorvessem os impactos do desinvestimento dos FEI [fundos especiais de investimento], quer pela impossibilidade de recurso dos bancos GES para financiarem as holdings de topo da área não financeira do GES para que estas pagassem a dívida colocada nos FEI da ESAF”.
“Todo este procedimento foi minado por Ricardo Salgado, que deu instruções a José Castella e a Francisco Machado da Cruz para que em toda a cadeia de implementação da solução encontrada — da construção de programas de papel comercial doméstico aos formulários assinados pelos clientes — fosse plantada informação falsa, no caso da ESI, e informação inverídica, no caso da RFI, sempre no sentido de ocultar a insolvabilidade das emitentes”, concluiu a acusação.
Quatro anos depois do início do processo de insolvência do BES, a comissão liquidatária do banco reconheceu 4.955 credores, que vão desde os antigos administradores considerados culpados pela queda do banco até várias entidades públicas. Ao todo, os créditos reconhecidos superam os 5 mil milhões de euros.
Há ainda 21.253 reclamantes cujos créditos não foram reconhecidos pela comissão liquidatária. São, em grande parte, investidores que perderam o dinheiro aplicado em papel comercial da ESI e da Rioforte, por quem o BES diz não ser responsável, já que estas eram empresas do GES.
Em Portugal, o Novo Banco é o maior credor, com um crédito reconhecido de 277 milhões de euros, mas na lista encontra-se também Ricardo Salgado, Patrick Drahi ou as empresas falidas do GES. Internacionalmente, o maior credor é o Pimco, que tem 568 milhões de euros por recuperar.
Tal como o ECO antecipou há duas semanas, há ainda um grupo de quase 200 lesados que querem que os reguladores – BdP e CMVM – e o Estado estejam igualmente ao lado de Ricardo Salgado como responsáveis pelo colapso do Banco Espírito Santo. Para isso, segundo o que explicou o advogado Miguel Reis, a estratégia passará por este grupo se constituir assistente no processo, de forma a ter acesso ao mesmo e para requererem a abertura de instrução.
Este artigo faz parte de uma série de episódios da “Novela BES” e que contam os bastidores, os negócios, as intrigas, as alianças e as traições que marcaram a queda do Grupo Espírito Santo. As histórias e os relatos têm por base a informação do despacho de acusação anunciado pelo Ministério Público no dia 14 de julho de 2020, no âmbito da investigação ao “Universo Espírito Santo”.
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