Bastonário aplaude plano do Governo, mas está contra “privatização” da Justiça

Menezes Leitão, bastonário dos Advogados, considera ser necessário agilizar a justiça, mas defende que não pode ser feita através da "desjudicialização".

A Ordem dos Advogados (OA) reagiu ao “Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, mais concretamente sobre o ponto dedicado à justiça, e concorda que é necessário agilizar a justiça. Para o bastonário, Luís Menezes Leitão, o sistema tem o “dever de assegurar às pessoas a justiça e tem igualmente o dever de evitar que ocorra denegação” da mesma.

O documento apresentado pelo Governo refere ser fundamental “reduzir os tempos da justiça económica e fiscal”, e que apesar “das melhorias registadas nos últimos anos, impõe-se agilizar e simplificar significativamente o funcionamento do sistema de justiça”. O plano vai mais longe e diz ser necessário generalizar a desmaterialização e tramitação eletrónica dos processos.

Apesar de o bastonário concordar com a necessidade de agilizar a justiça portuguesa, que agravou o número de processos pendentes com a pandemia Covid-19, acredita que o meio da “desjudicialização da justiça” não é o mais correto.

A Ordem dos Advogados entende que “agilizar e simplificar não pode significar de forma desmesurada, a desjudicialização da justiça, ou sequer uma ‘privatização’ da mesma“. “Agilizar e simplificar significa dotar o sistema de justiça de infraestruturas e recursos humanos, capazes de em tempo útil, conceder aos cidadãos a justiça que os mesmos pretendem e sejam merecedores face ao quadro legal”, refere o líder dos cerca de 32 mil advogados.

Luís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos Advogados, em entrevista ao ECO/Advocatus - 07JAN20
Luís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos AdvogadosHugo Amaral/ECO

Para Luís Menezes Leitão é essencial aperfeiçoar os modelos de gestão dos processos judiciais, bem como a justiça em geral. No atual contexto pandémico e em situações de crise económica é preciso que todos os intervenientes “contribuam para que a curto e médio prazo a justiça ande mais célere e seja mais justa”, diz.

Simplificação processual, transformação digital e investimento na formação tanto dos magistrados, como dos funcionários judiciais, órgãos de polícia criminal e advogados, são aspetos referenciados pelo bastonário como forma a tornar a justiça mais ágil.

“Será importante proceder à generalizada colocação de assessores, licenciados em direito e com experiência forense na coadjuvação das magistraturas, exceto na realização de diligências processuais. Esta colaboração dos assessores permitiria “aliviar” a pendência judicial e permitiria “ganhar” tempo para juízes e magistrados do Ministério Público proferirem os seus despachos e promoções“, saliente Menezes Leitão. Para o bastonário, as áreas da jurisdição civil e criminal são as que mais necessitam do incremento de assessores.

Luís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos Advogados, em entrevista ao ECO/Advocatus - 07JAN20
Luís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos AdvogadosHugo Amaral/ECO

No documento apresentado pela OA é ainda evidenciada a necessidade de reforçar o número de magistrados e funcionários judiciais nos Tribunais Administrativos e Fiscais, a revisão do regime das custas processuais, e ainda a redução da taxa do IVA aplicável aos honorários devidos pelos serviços prestados pelos advogados em diversos patrocínios.

Resolução alternativa de litígios não é a mais “ajustada”

Entre os pontos destacados no plano de recuperação económica 2020-2030 está o fomento pela utilização dos meios de resolução alternativa de litígios, um dos mecanismos de desjudicialização. Mas para o bastonário da OA esta não é uma prioridade e não se revela a mais “ajustada” face ao contexto atual.

“A instalação de centros de arbitragem ou outros de natureza análoga, a formação de trabalhadores com funções de cariz administrativo e o recrutamento de profissionais com formação jurídica para resolução do litígio – assumam eles o nome de árbitro ou outro – não revela ser exequível para a resposta imediata, célere e qualificada que se pretende“, lê-se no documento de pronúncia da OA.

Sobre o apoio judiciário, Luís Menezes Leitão deixa uma sugestão: reformulação do modelo procedimental da concessão do apoio judiciário. Para tal, seria imprescindível colocar em prática um mecanismo de aconselhamento jurídico obrigatório prévio à instauração de uma ação.

“A Ordem dos Advogados entende que o estímulo a uma advocacia preventiva pode contribuir, em larga escala, para a diminuição dos conflitos e possibilitar a diminuição das pendências nos Tribunais“, refere.

Tribunais “totalmente afundados”

Em 2014, a ex-ministra da justiça, Paula Teixeira da Cruz, fez uma reforma da organização judiciária, levando ao encerramento de centenas tribunais judiciais por todo o país. Com o novo mapa judiciário, o bastonário da OA nota que os tribunais onde foram concentradas as competências “encontrem-se totalmente afundados e sem capacidade de resposta”.

“Revestindo a justiça uma importância fundamental, não só para assegurar a função coerciva do estado em todo o território nacional, mas também como importante motor que deveria ser da economia, da criação de riqueza, da anulação das assimetrias e da fixação de pessoas e empresas nos concelhos mais desertificados, urge proceder a alterações significativas na distribuição das competências dos tribunais”, assegura.

Para o bastonário uma vez que não é possível aumentar o valor do investimento no setor da justiça, existem outras formas de contornar as adversidades do setor. Entre as referenciadas está a “reafetação dos meios existentes” e que, através da “otimização dos recursos” e a “ponderação dos critérios”, sejam combatidas as assimetrias existentes no país.

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