Pandemia adia taxa de rotatividade que penaliza excesso de contratos a prazo
Estava prevista para o início de 2021, mas não será desta que as empresas vão pagar uma taxa de rotatividade se abusarem dos contratos a prazo. A pandemia retirou o tema da Concertação Social.
Mais de um ano depois de ter sido aprovada no Parlamento, a nova taxa de rotatividade ainda não saiu do papel e não deverá sair tão cedo. No final de fevereiro, o Governo tinha indicado que a regulamentação em falta seria publicada ainda no primeiro trimestre de 2020, prevendo-se que as empresas começariam a pagar a nova contribuição já no próximo ano. Tal acabou, contudo, por não acontecer. Sindicatos e patrões garantem que o assunto não chegou a ser discutido na Concertação Social. E os advogados ouvidos pelo ECO asseguram que, sem os diplomas em falta, a Segurança Social não poderá começar a cobrar a taxa em 2021.
A contribuição adicional por rotatividade excessiva foi aprovada em julho de 2019, na Assembleia da República, no âmbito da revisão do Código dos Regimes Contributivos. De acordo com o diploma, às empresas que recorram a mais contratos a prazo do que a média do setor em que se inserem deverá ser exigido um desconto adicional para a Segurança Social, com aplicação progressiva até ao máximo de 2% sobre o valor total das remunerações dos contratados a termo.
A ideia era “penalizar” as empresas que usassem em excesso a contratação a termo, tendo ficado definido que esta nova medida produziria efeitos a partir de janeiro de 2020, ou seja, só começaria a ser cobrada em 2021 com referência às contratação feitas em 2020.
A concretização desta taxa de rotatividade está, no entanto, dependente da publicação de dois diplomas. Por um lado, de um decreto regulamentar que defina os conceitos e os procedimentos necessários à sua implementação e execução, nomeadamente no que diz respeito à escala de progressão da própria contribuição.
Por outro, de um indicador setorial, que deverá ser publicado em portaria, diz a lei, no primeiro trimestre do ano civil a que a taxa respeita, isto é, no caso da taxa cobrada em 2021, o diploma teria de ter sido publicada até ao final de março de 2020. Seria com base nesse indicador que, no próximo ano, a Segurança Social apuraria de modo oficioso que empregadores teriam ou não de pagar, no prazo de 30 dias, a nova contribuição adicional.
No final de fevereiro, na ausência da publicação tanto do decreto regulamentar como da portaria do indicador setorial, o ECO questionou o secretário de Estado da Segurança Social sobre esta matéria. Em entrevista, Gabriel Bastos garantiu não haver atrasos e adiantou que iria enviar, “nas próximas semanas, aos parceiros sociais a proposta de regulamentação, assegurando que ambos os diplomas seriam publicados em simultâneo no primeiro trimestre de 2020, isto é, a tempo da cobrança arrancar em 2021.
O ECO questionou diversas vezes os parceiros sociais sobre as referidas propostas, mas sindicatos e patrões asseguraram, em todas essas ocasiões, que nada tinha chegado à Concertação Social.
No último dia de março, já em plena crise pandémica, o ECO voltou a perguntar ao Ministério de Ana Mendes Godinho se a regulamentação seria publicada a tempo de a taxa ser cobrada em 2021 e se, perante a falha desse prazo, estaria em cima da mesa um adiamento para, eventualmente, 2022. O gabinete da ministra do Trabalho não deu resposta.
Agora, quase cinco meses depois do final do primeiro trimestre, o ECO questionou mais uma vez o Ministério do Trabalho, que explica que a publicação do decreto regulamentar em causa “ficou naturalmente comprometida pela situação absolutamente excecional e imprevisível de pandemia que o país atravessa desde o mês de março, que afetou a economia nacional, as empresas e, naturalmente, o emprego e os dados a ele respeitantes”.
O gabinete de Ana Mendes Godinho sublinha que a prioridade tem sido a “implementação de medidas excecionais de resposta de urgência na proteção das pessoas, do emprego, das empresas, e destinadas a mitigar os efeitos gravosos das restrições associadas à contenção do contágio”.
O Governo não dá, contudo, a taxa de rotatividade por perdida e adianta que “oportunamente [irá] dialogar com os parceiros sociais sobre os termos da regulamentação e o momento em que se procederá à sua publicação”.
Ao ECO, o secretário-geral adjunto da UGT confirma que os diplomas em falta não passaram pela Concertação Social e lembra que, da revisão recente do Código do Trabalho e do Código dos Regimes Contributivos, ficaram a faltar vários diplomas no sentido de regulamentar estas novas normas, que ainda nem foram abordados nem publicados.
“Tudo se justifica por causa da pandemia“, explica o sindicalista ao ECO, referindo que esta questão será levada à discussão com o Governo pela UGT, na reentré, até porque a precariedade “aumentou substancialmente”, nos últimos tempos, com a crise provocada pelo surto de Covid-19.
A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal também confirma que nem os diplomas foram publicados, nem a regulamentação em falta foi abordada em sede da Concertação Social.
Em declarações ao ECO, a advogada Madalena Caldeira assegura que, segundo a sua interpretação da lei, a nova taxa não poderá ser cobrada em 2021, na ausência da publicação do indicador setorial no primeiro trimestre de 2020. A contribuição poderá, contudo, vir a ser aplicada em 2022, se nos primeiros três meses do próximo ano o Governo concretizar os diplomas em falta, admite a especialista em lei laboral.
O advogado Pedro da Quitéria Faria também confirma que, sem regulamentação, a taxa de rotatividade não poderá ser aplicada, mas admite que o Governo poderá publicar os diplomas em falta ainda em 2020, até face ao momento atual de exceção, com efeitos retroativos ao início do ano, ainda que tal possa vir a ser penalizador para as empresas. “O que me faz sentido é que, ainda assim, quando seja publicado, seja para o futuro”, defende o especialista em lei laboral.
Madalena Caldeira lembra, por outro lado, que o conceito da taxa de rotatividade não é novo. No artigo 55º do Código dos Regimes Contributivos — que foi revogado em julho de 2019 — já estava prevista uma “adequação da taxa contributiva à modalidade de contrato de trabalho” que, na prática, penalizava o recurso aos contratos a prazo. Essa norma dependia, contudo, de regulamentação, que nunca chegou a aparecer, travando a aplicação do agravamento da contribuição social dos patrões.
(Notícia atualizada às 10h48 com declarações do Ministério do Trabalho)
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