Da formação à aprendizagem, adquirir novas competências tornou-se uma experiência mais atenta às necessidades do mercado, mais flexível e, sobretudo, mais inclusiva.
Salas de formação repletas de estudantes, turmas fixas, planos de conteúdos pré-definidos e horários pouco flexíveis com aulas exclusivamente presenciais parecem ser coisa do passado. O setor da formação e os modelos de ensino estão a acompanhar a transformação digital, a transitar para o online e a desenvolver-se para oferecerem soluções “à medida” de cada aluno. Com o confinamento a que obrigou a pandemia, as soluções de desenvolvimento de competências no digital aceleraram e marcaram um ponto de viragem na formação tradicional. A mentoria e o acompanhamento presencial continuam a ser essenciais para o processo de aprendizagem no contexto da formação, mas estão a ser gradualmente substituídos por soluções no ambiente digital.
Nos últimos meses, a formação registou uma forte procura. Num inquérito a 145 candidatos, entre 1 março e 11 de julho, a Michael Page concluiu que os profissionais aproveitaram o confinamento para renovar e reforçar competências, através de formações ou webinares. Com as novas soluções digitais mais flexíveis, quem procura formação torna-se mais autónomo, mais responsável e participante ativo pelo seu processo de aprendizagem. Assiste-se, assim, à transição de uma lógica de formação para uma de aprendizagem, em que cada formando pode escolher o que quer aprender. Do lado de quem oferece a formação – sejam escolas ou empresas -, o maior desafio é conseguir adaptar continuamente a oferta de formação às necessidades do mercado, mantendo o acompanhamento adequado dos formandos no processo de aprendizagem.
“Haverá uma maior discrepância entre as empresas de formação tradicionais e as novas. As antigas atuavam num regime ainda muito presencial, como uma escola. As pessoas já não querem passar uma semana inteira num centro de formação cheio de salas. Portanto, todas estas novas metodologias que a Assembly, e as outras escolas, estão a desenvolver, vão substituir completamente os centros de formação tradicionais”, lembra à Pessoas João Rodrigues, CEO da Assembly, uma escola de programação para jovens que, devido à crescente procura, criou um centro de formação para adultos com conteúdos pensados à medida das oportunidades laborais do mercado.
O futuro é “blended” e mais flexível
Live training: simula o ambiente de sala de aula e junta formandos de todo o país na mesma ação de formação, sem necessidade de se deslocarem. “Aqui os formandos podem interagir, em direto, entre eles ou com o formador, e alcançar os mesmos resultados que numa sala de aula”, realça Cláudia Vicente, responsável do centro de formação Galileu. Desde março, todas as aulas desta escola passaram a ser feitas em live training. A empresa investiu em equipamento e metodologias, e aumentou a oferta de conteúdos e-learning, para dar aos formandos acesso a conteúdos taylor-made, ou seja, feitos à medida.
Observando os resultados positivos da experiência no online, à Pessoas os responsáveis pelas escolas e empresas de formação dizem crer que a exclusivamente presencial vai deixar de existir, e o futuro passa por modelos de ensino híbridos – ou blended -, isto é, que conjugam a aprendizagem presencial e à distância. Esta última dá aos formandos mais vantagens, como a flexibilidade de horários e a possibilidade de terem acesso a mais conteúdos, mas obriga as empresas de formação a criar condições para garantir o acompanhamento, assim como pode ameaçar o sentimento de comunidade e pertença, que pode perder-se no online.
“No e-learning existe um elevado grau de flexibilidade. Os formandos gerem o seu horário e o ritmo a que avançam na matéria, não estando condicionados pelos outros formandos ou pelo formador”, sublinha Cláudia Vicente, da Galileu. E há mais vantagens: “a interação entre formandos e formador pode ser reforçada com dinâmicas e ações mais práticas ao longo da formação; e questões de dificuldade de concentração ou cansaço podem ser ultrapassadas com cargas horárias diferentes”, acrescenta.
Microlearning (formações muito curtas), live training, b-learning, e-learning ou gamificação foram algumas das apostas mais recentes do setor da formação no contexto da pandemia. A cada vez maior procura, aliada ao sucesso destas ferramentas, fez ainda com que as empresas reforçassem a oferta de conteúdos formativos. Na empresa de formação Cegoc, o processo de digitalização já tinha sido implementado há mais de duas décadas, por isso a transição para o digital não foi tão abrupta. Lançaram o programa Ready2GoDigital, com percursos de aprendizagem 100% online e aulas virtuais, e os webinares gratuitos do programa Keep Calm & Start Learning, que entre março e maio registaram mais de 20.000 participantes. “Mais do que falarmos em soluções blended aos dias de hoje, consideramos que as soluções acabam por ser em formatos 100% digitais. É importante responder ao que o mercado procura”, destaca Cátia Silva, head of open courses business development e multimodal learning & development advisor na Cegoc.
Formação para todos
O ensino online tem permitido às escolas de formação chegar a mais pessoas, contribuindo para a democratização do acesso a conteúdos formativos. Na escola de marketing digital Lisbon Digital School todos os conteúdos migraram para o online a partir de março e, do total de inscritos desde esse mês, mais de 30% residia fora de Lisboa, conta Virgínia Coutinho, diretora-geral da instituição.
Para Alexandre Teixeira, responsável pela unidade de qualificação do centro de formação Inovinter, a tecnologia trouxe grandes vantagens em termos práticos, pedagógicos, de acesso e de oferta de conteúdos. “Temos a possibilidade de ir mais longe, de abarcar mais públicos sem a limitação geográfica que muitas vezes está adstrita à nossa atividade. Podemos ir onde não existem condições físicas para ministrarmos formação. Conseguimos também, com a flexibilidade e diversificação de horários, abarcar um público maior e que, em condições normais, fica de fora da oferta formativa”, destaca o responsável.
O sentimento de comunidade não é tão forte e o sentimento de pertença a uma comunidade é fundamental, sobretudo no processo de follow up para a experiência de aprendizagem.
Na IES Business School, escola de negócios focada em inovação social para líderes e empresas, o online permitiu escalar o projeto para outras geografias e, na Academia de Código, escola de programação nascida em Portugal, receberam muito mais inscrições provenientes de vários pontos do país. Na IES Business School todas as experiências de aprendizagem foram digitalizadas, os alunos foram mais pontuais e tornou-se mais fácil gerir o tempo. Contudo, “o sentimento de comunidade não é tão forte e o sentimento de pertença a uma comunidade é fundamental, sobretudo no processo de follow up para a experiência de aprendizagem. Sinto que essa dimensão pode ser onde temos de trabalhar e investir mais tempo”, ressalva Carlos Azevedo, CEO da IES.
Tecnologia e soft skills são as áreas mais procuradas
A transformação digital tem levado mais pessoas a procurar requalificação em áreas tecnológicas, para reforçarem competências, aumentarem a possibilidade de conseguirem emprego e estarem preparadas para um futuro mais tecnológico. Atualmente, as áreas tecnológicas e as soft skills têm sido a grande aposta.
Marketing digital, design de comunicação, software developer, especialista em tecnologia outsystems, programação java e python, e-commerce, business inteligence, gestão de redes sociais e até ferramentas básicas de TI foram algumas das áreas de formação com maior procura nos últimos meses. “Houve um despertar para a necessidade de dominar ferramentas TIC básicas. Estivemos perante uma mudança brusca da realidade e quem dominava as ferramentas partiu à frente”, sublinha Alexandre Teixeira, da Inovinter.
Segundo Cláudia Vicente, diretora-geral da Galileu, “os clientes particulares procuram maioritariamente percursos de média/longa duração em áreas como infraestructure (cibersegurança, redes e sistemas), desenvolvimento, base de dados e business intelligence, project management, marketing digital ou design de comunicação. Também procuram habitualmente cursos, de duração mais curta, que desenvolvam competências técnicas específicas”.
A flexibilidade e a capacidade de (re)aprender a aprender são hoje competências que se tornaram ativos muito procurados e valorizados tanto por organizações como por colaboradores.
Também no novo centro de formação para adultos, a Assembly vai apostar em três carreiras nas áreas da TI – desenvolvimento de software, gestão de infraestruturas e gestão de projetos em equipas – tendo como base as tabelas salariais das empresas que financiam as bolsas de formação. “Vamos ver que ofertas de emprego existem no mercado e construímos os cursos com base nesses pedidos”, conta João Rodrigues, CEO da escola, dando como exemplo a formação de junior developer.
Já na Academia de Código, uma startup de impacto social que aposta na requalificação de profissionais desempregados, a oferta formativa é atualizada de seis em seis meses. Para setembro estão agendados mais cursos em tecnologia OutSystems. Até ao final do ano, a Inovinter também terá novidades: lança mais de uma centena de novos cursos nas áreas tecnológicas, de soft skills, social, saúde e comércio, com especial enfoque nos setores de maior empregabilidade, como é o caso do turismo.
Apesar de o futuro se adivinhar mais tecnológico, a procura por formação de soft skills continua. Um estudo da Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação (APDSI), sobre as competências e qualificações nas TICE para o ajuste da oferta formativa, revela que são oito as soft skills necessárias para o desempenho de funções nas áreas das tecnologias da informação, comunicação e eletrónica (TICE): resolução de problemas, criatividade e inovação, trabalho de equipa, comunicação, negociação, pensamento computacional, pensamento crítico e ética.
Na Cegoc, por exemplo, a formação neste tipo de competências tem-se focado em características como a agilidade, a adaptabilidade, a criatividade e o sentido de inovação, e a capacidade de colaborar remotamente. “A flexibilidade e a capacidade de (re)aprender a aprender são hoje competências que se tornaram ativos muito procurados e valorizados, tanto por organizações como por colaboradores, ambos desafiados por uma nova era pautada pelo imperativo da requalificação profissional – do upskilling e reskilling – que promete ser uma aposta coletiva nos próximos anos. O mercado de trabalho é, e será cada vez mais, um mercado de revolução de competências”, remata Cátia Silva.
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Autonomia, inclusão e flexibilidade. Desenvolver competências depende (cada vez mais) de si
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