In house: Como liderar multinacionais em tempos de pandemia?

Ana Patrícia Carvalho e Hugo de Almeida Pinho são advogados in house da Nestlé e Siemens Healthineers, respetivamente. À Advocatus partilharam a sua visão sobre a pandemia.

Ninguém estava preparado para os efeitos devastadores da pandemia e Hugo de Almeida Pinho e Ana Patrícia Carvalho são dois exemplos disso. Os dois profissionais são advogados in house na Siemens Healtineers e na Nestlé, respetivamente, e contaram à Advocatus como está a ser o processo de sobrevivência à Covid-19.

“No que concerne à Siemens Healthineers, naturalmente sentimos o impacto inevitável decorrente da pandemia Covid-19. No entanto, somos uma empresa que atua na área da saúde e, como tal, fomos chamados a responder a diferentes necessidades com as nossas soluções, contribuindo decisivamente no apoio à linha da frente no combate a este flagelo, entre outros”, refere Hugo de Almeida Pinho, diretor jurídico da Siemens Healthineers.

O advogado explicou à Advocatus que a empresa apresentou soluções inovadores que permitiram um suporte eficaz e em segurança na luta contra a doença e que a equipa de terreno foi um grande suporte aos clientes.

“Relativamente ao departamento jurídico, os desafios foram semelhantes, obrigando-nos a conciliar esta nova realidade com um pico de trabalho significativo e uma necessidade de desenvolvimento de soluções jurídicas inovadoras”, acrescenta Hugo de Almeida Pinho.

Hugo de Almeida Pinho, diretor jurídico da Siemens HealtineersD.R.

Para Ana Patrícia Carvalho, general counsel R&D do Grupo Nestlé, o ano de 2020 tem sido um ano sem precedentes. “A Nestlé foi, a meu ver, pioneira na forma e rapidez com que reagiu e se adaptou aos desafios criados pela pandemia. Para tal, foi decisivo o contributo prestado pela área de R&D do Grupo, o que em parte se pode justificar pela natureza científica do departamento, mas onde a criatividade, pragmatismo e espírito empreendedor das equipas, foram de igual forma determinantes”, explica.

A advogada referiu que o Grupo Nestlé alterou as suas prioridades, destacando a saúde e segurança de todos os colaboradores e respetivas famílias, comunidades e parceiros de negócio, tornando as suas instalações em locais seguros, com elevados standards de medidas de prevenção, garantiu a continuidade da distribuição de alimentos durante e após as medidas de confinamento obrigatório/voluntário, e apoiou os setores da sociedade mais afetados pela pandemia.

“O departamento jurídico e de compliance do Grupo, ao nível da sede (localizada na Suíça), e dos diversos países onde opera, prestou um importante contributo para assegurar a disponibilidade de alimentos e bebidas aos consumidores em todo o mundo e, em simultâneo, aprendeu, num curto espaço de tempo, a trabalhar à distância, de forma próxima, aos negócios e operações”, nota Ana Patrícia Carvalho.

"O departamento jurídico e de compliance do Grupo, ao nível da sede (localizada na Suíça), e dos diversos países onde opera, prestou um importante contributo para assegurar a disponibilidade de alimentos e bebidas aos consumidores em todo o mundo.”

Ana Patrícia Carvalho

General Counsel R&D do Grupo Nestlé

Tanto Hugo de Almeida Pinho como Ana Patrícia Carvalho referem que o volume de trabalho aumentou com a pandemia, mas não só. Para a general counsel R&D do Grupo Nestlé intensificou-se também a conciliação entre a vida pessoal com o trabalho. “Se, por um lado, o teletrabalho pode oferecer maior flexibilidade aos colaboradores em matéria de gestão de tempo e conciliação de horários, por outro lado, é igualmente desafiante já que pode conduzir a formas de trabalho contínuas, sem ou com poucas interrupções”, explica.

Mas com a pandemia muitas foram as dúvidas que assombraram os profissionais das diversas empresas e dos diversos setores. A Nestlé e a Siemens Healthineers não foram exceção, tendo o departamento jurídico um papel fulcral.

“A proximidade do departamento jurídico com as restantes áreas da empresa aumentou ainda mais nesta fase, estando as principais questões relacionadas com a referida produção legislativa em “catadupa”, nomeadamente no que concerne aos regimes especiais que surgiram no âmbito da contratação pública e restrições decorrentes dos estados de exceção declarados, com a proteção de dados pessoais no âmbito da proteção da saúde dos colaboradores e temas relativos a direito laboral”, assegura Hugo de Almeida Pinho.

"A proximidade do departamento jurídico com as restantes áreas da empresa aumentou ainda mais nesta fase, estando as principais questões relacionadas com a referida produção legislativa em “catadupa”.”

Hugo de Almeida Pinho

Diretor jurídico da Siemens Healthineers

Também os membros da equipa da general counsel R&D do Grupo Nestlé, composta por Patent Counsels, R&D Counsels, Paralegais, Patent Searchers e IP analysts, estiveram envolvidos de forma intensa na avaliação jurídica dos impactos provocados pela pandemia.

“Mantivemos o nosso contributo para a inovação, proteção e crescimento dos negócios do Grupo, o que passou pelo desenvolvimento de estratégias de propriedade intelectual, patentes, novos modelos de colaboração, segredos comerciais, consultoria jurídica focada, contratos, entre outros”, acrescentou Ana Patrícia Carvalho.

A advogada in house da Nestlé garante que em momento algum tiraram o “pé do acelerador” e continuaram a apoiar o crescimento sustentado do Grupo, “protegendo e defendendo a sua reputação e mitigando os riscos de uma forma positiva”.

Empresas lutam contra as adversidades da pandemia

Enquanto existem empresas que mantêm os seus trabalhadores em regime de teletrabalho por tempo indeterminado, outras já receberam de novo os seus profissionais nas instalações.

No caso do diretor jurídico da Siemens Healthineers encontra-se em teletrabalho, por política da empresa. “Tirando em casos pontuais em que tenho necessidade de me deslocar, nomeadamente ao escritório ou a clientes, mantenho-me a trabalhar em casa. Nestas deslocações, cumprimos todas as regras de segurança definidas pela empresa e em linha com as orientações emanadas pelas entidades de saúde pública”, explica.

Já Ana Patrícia Carvalho desde maio que regressou gradualmente ao escritório na Suíça, após cerca de dois meses em teletrabalho. “A generalidade dos membros da minha equipa já regressou ao escritório, repartidos em dois grupos que, de forma rotativa, vão ao escritório em momentos alternados por forma a não se encontrarem. O teletrabalho em tempo parcial continua”, conta.

Ana Patrícia Carvalho, general counsel R&D do Grupo NestléD.R.

A Siemens Healthineers encontra-se a trabalhar arduamente de forma a ultrapassar as dificuldades da pandemia e a disponibilizar o melhor apoio possível às Unidades de Saúde em cada estágio da Covid-19 no cuidado ao paciente: diagnóstico, terapia e follow-up, segundo o diretor jurídico.

“O nosso mote de potenciarmos inovações que permitam às pessoas viver vidas mais longas e com mais qualidade é mais válido hoje do que nunca. Consideramos que as dificuldades impostas pela Covid-19 devem ser encaradas como uma oportunidade de nos chegarmos à frente enquanto parceiros dos sistemas de saúde, ajudando-os a entregarem aos pacientes e respetivas famílias um tratamento de valor acrescentado”, nota Hugo de Almeida Pinho.

Também a multinacional Nestlé tem procurado manter os colaboradores seguros tendo adotado várias medidas, como a medição de temperatura, postos de trabalho com o devido distanciamento, implementação do mecanismo de espelho de equipas, uso de máscara e cancelamento de viagens profissionais internacionais.

"O nosso mote de potenciarmos inovações que permitam às pessoas viver vidas mais longas e com mais qualidade é mais válido hoje do que nunca.”

Hugo de Almeida Pinho

Diretor jurídico da Siemens Healthineers

“Nas operações, tomamos medidas de forma a garantir a continuidade da produção e distribuição de alimentos, adaptando os nossos processos às condições especiais de circulação de alimentos, matérias-primas e embalagens entre os países, por forma a ultrapassar as dificuldades criadas pelo encerramento das fronteiras”, acrescenta.

Mudanças na advocacia são esperadas

Penso que o setor da advocacia, tal como muitos outros setores de advisory/consultoria, estará mais remoto e mais flexível, quer em termos de organização do trabalho – onde o teletrabalho, que já era uma tendência cada vez maior, se irá instalar de vez e será vista como uma forma de potenciar o chamado work life balance e a inerente atratividade enquanto meio de recrutamento e retenção, por um lado, e, por outro, uma forma de reduzir custos de estrutura -, quer em termos de proximidade com os clientes e de capacidade de desenvolver novas soluções adaptadas às necessidades específicas de cada cliente”. Foi assim que Hugo de Almeida Pinho perspetiva que se encontre o setor da advocacia daqui a um ano.

"A eficiência e produtividade dos advogados terão de deixar de ser medidas pelas horas em que os mesmos estão no escritório.”

Ana Patrícia Carvalho

General Counsel R&D do Grupo Nestlé

Já relativamente aos advogados in house, o diretor jurídico da Siemens Healthineers pensa que assistiremos a um novo fenómeno de “internalização” em várias empresas e a um consolidar dos departamentos jurídicos como business partner, uma vez que “os desafios resultantes desta pandemia irão exigir uma maior proximidade entre o negócio e o advogado, nomeadamente no que respeita ao conhecimento pormenorizado do negócio e das respetivas especificidades”.

Para a Siemens Healthineers, Hugo de Almeida e Pinho perspetiva que “continuará, como até agora, a consolidar o seu lugar cimeiro enquanto uma das principais empresas “Medtech” a nível mundial e um dos principais parceiros das Instituições de Saúde, sempre focados nas reais necessidades dos nossos clientes e da comunidade como um todo”.

Ana Patrícia Carvalho afirma que o setor da advocacia, tal como as restantes profissões, terá de aprender a trabalhar na “nova realidade” e que o teletrabalho será um “teste à eficiência e ao desempenho” do trabalho dos advogados, à “rapidez” e ao “pragmatismo da sua resposta”.

“A eficiência e produtividade dos advogados terão de deixar de ser medidas pelas horas em que os mesmos estão no escritório. A nova realidade será muito mais digital, com um acréscimo significativo das reuniões virtuais. A advocacia do futuro avizinha-se mais dinâmica no uso das ferramentas tecnológicas e da inteligência artificial e quem porventura não se adaptar dificilmente subsistirá”, refere a general counsel R&D do Grupo Nestlé.

Para a in house é ainda necessário colocar os clientes no centro do negócio e existir uma oferta de uma melhor experiência, “apoiando os departamentos jurídicos das empresas a concentrar-se nas atividades que acrescentam valor aos negócios e operações”.

Hugo de Almeida Pinho, diretor jurídico da Siemens Healtineers, e Ana Patrícia Carvalho, General Counsel R&D do Grupo NestléD.R.

A advogada perspetiva ainda que dificilmente o Grupo Nestlé, e a sociedade, voltem à realidade pré-Covid. “O terramoto pandémico mudou o local de trabalho, reuniões presenciais transformaram-se em conferências via Teams ou Skype, conversas nos corredores viraram mensagens Teams Chat ou WorkChat. Os anteriores padrões de trabalho mudaram de forma abrupta e a questão que agora todos nós colocamos é saber quais as mudanças efémeras e as que estão para ficar”, reflete.

Ana Patrícia Carvalho está convicta que o trabalho à distância não pode ser uma solução para todos os colaboradores cuja atividade pode ser totalmente desempenhada à distância. “Neste contexto, as empresas poderão vir a alargar as suas políticas de flexibilidade, evoluindo para modelos que não sejam 100% presenciais, nem 100% virtuais”, acrescenta.

Questionados se a economia portuguesa conseguirá erguer-se rapidamente, ambos querem acreditar que si.

“Temos de olhar para esta situação como uma oportunidade de podermos fazer melhor e aprender com alguns erros do passado. Existem várias áreas que necessitam de investimento e temos, neste momento, com os olhos postos no futuro, a oportunidade de fazer algumas das reformas necessárias para nos podermos aproximar dos países do topo da Europa e, como consequência, estar melhor preparados para crises futuras”, afirma Hugo de Almeida Pinho

Afastada da realidade portuguesa, Ana Patrícia Carvalho acredita que para se reerguer a economia é necessário existir uma alteração profunda do emprego e dos setores de atividade das empresas. “Só para dar um exemplo, o setor do turismo e lazer terá de sofrer alterações significativas para se adaptar a uma nova procura e às novas necessidades criadas pela pandemia”, exemplifica.

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