Quatro zangas que provocaram o divórcio entre Governo e BE

O Novo Banco, a nova prestação social, o Serviço Nacional de Saúde e as regras do trabalho foram os quatro grandes pontos da discórdia entre Governo e Bloco de Esquerda.

O Governo e o Bloco de Esquerda estão de costas voltadas, depois de Catarina Martins (à direita) ter revelado a decisão de votar contra o Orçamento do Estado proposto por António Costa (à esquerda).

O Governo esperava contar com a aprovação ou abstenção do Bloco de Esquerda (BE) na votação do Orçamento do Estado (OE) na generalidade, tendo feito “aproximações” ao longo dos últimos meses. Mas o partido liderado por Catarina Martins entendeu não ter condições para deixar passar o documento, tendo anunciado a decisão de votar contra a proposta de António Costa.

Este domingo à noite, a líder bloquista disse que “não foi possível chegar a acordo em matérias fundamentais”. Em causa estão quatro assuntos que o partido tem vindo a reiterar semana após semana. Em alguns, o Governo fez propostas diferentes, noutros o Executivo garante que não podia ir mais além. Conheça as zangas que provocaram o divórcio.

Nova prestação social

O que o Governo deu?

A proposta de OE para 2021 inclui um novo apoio social para garantir que os cidadãos não ficam desprotegidos em plena pandemia. Trata-se de um apoio mínimo de 50 euros, a partir de janeiro, para que “todos os trabalhadores que terminam atividade e vejam chegar ao fim o seu subsídio de desemprego ou subsídio social de desemprego não fiquem sem nada”, como resumiu o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, esta segunda-feira.

O que o Bloco queria?

Desde cedo que o BE pretendeu criar este novo apoio social. No entanto, perante a proposta do Executivo, o partido considerou que a medida não teria o efeito pretendido. “Passámos dessa ideia inicial, que era um combate robusto à pobreza, para uma intenção de um novo apoio extraordinário, que para muitas pessoas não vai durar mais de seis meses ou um ano, e com uma condição de recursos, ou seja, regras de acesso, que transformam aquilo que queríamos que fosse uma medida muito robusta de combate a pobreza num fogacho orçamental”, disse há semanas a deputada Mariana Mortágua. O partido queria, por isso, um valor mínimo mais alto e uma diferente condição de recursos.

Como o Governo tentou desbloquear?

Duarte Cordeiro explicou esta segunda-feira que a medida do novo apoio social foi “evoluindo” ao longo das semanas. E revelou que, ainda este domingo, esteve em cima da mesa o alargamento da abrangência do apoio a mais portugueses, nomeadamente “os trabalhadores independentes cuja atividade tenha sido interdita por decisão do Governo ou das autoridades de saúde”.

Zero euros para o Novo Banco

O que o Governo deu?

Depois de um primeiro “susto” — uma verba que parecia ser para o Novo Banco mas afinal é para a CP –, a proposta de OE não prevê um empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução para o Novo Banco. Inclui, contudo, um impacto de 275 milhões da instituição no défice.

O que o Bloco queria?

O partido liderado por Catarina Martins é muito crítico da atuação do Estado em relação ao Novo Banco, mais concretamente em relação aos termos acordados no contrato de venda ao Lone Star. Este domingo, a coordenadora considerou ser o “maior escândalo financeiro do nosso tempo”. Há poucas semanas, Mariana Mortágua resumia o problema, exigindo que “não exista mais dinheiro para o Novo Banco sem verificação da forma como o Lone Star está a gerir o banco”. “O que o Governo pede à Assembleia da República, tanto quanto conhecemos da versão do OE, é que os partidos à esquerda se comprometam com uma verba para o Lone Star”, disse, já depois de conhecida a proposta.

Como o Governo tentou desbloquear?

Esta segunda-feira, Duarte Cordeiro voltou a lembrar que a proposta do Executivo não inclui qualquer verba para o Novo Banco. E, sobre a auditoria, lembrou que o grupo parlamentar do PS “já concordou com nova auditoria pelo Tribunal de Contas”. “Cumprimos o que era essencial nesta matéria”, considerou.

Mais profissionais para o SNS

O que o Governo deu?

A proposta de OE para 2021 prevê que a receita consolidada do Ministério da Saúde ascenda a 12.565,4 milhões de euros, um aumento de 722,2 milhões do que a estimativa de execução de 2020. A despesa total consolidada deverá aumentar em mais de 500 milhões de euros. O Governo prevê ainda contratar mais 4.200 profissionais para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e 261 novos profissionais para o INEM.

O que o Bloco queria?

Primeiro, o partido considera que os compromissos assumidos pelo Governo para o ano corrente não se materializaram como deviam. Por isso, o BE apelou ao Governo que assumisse um “compromisso sério” de contratação de mais profissionais para o SNS, com calendarização, e de criação de “condições” de trabalho para que esses profissionais se pudessem manter no SNS. Este domingo, Catarina Martins reforçou o apelo: “Os serviços estão a rebentar e ainda não chegámos aos piores momentos da pandemia”, indicou.

Como o Governo tentou desbloquear?

Duarte Cordeiro garantiu esta segunda-feira que “o Governo não falhou nem falhará ao SNS” e que “procurou com o BE ir ao encontro das preocupações”. Na visão do secretário de Estado, o Executivo “mostrou disponibilidade para calendarizar a contratação de profissionais de saúde” e foi mais além: “Estávamos disponíveis, e estamos disponíveis, do ponto de vista da especialidade, para acolher propostas sobre a formação médica especializada”, indicou.

Mudanças nas regras do trabalho

O que o Governo deu?

No âmbito das negociações do OE, o Governo submeteu ao Parlamento um diploma para suspender a caducidade da contratação coletiva. O OE também veio determinar que grandes empresas que recorram a linhas de crédito, tenham benefícios fiscais ou distribuam lucros fiquem impedidas de despedir até ao fim do próximo ano, sob pena de terem de devolver os apoios. O subsídio mínimo de desemprego foi aumentado para 505 euros.

O que o Bloco queria?

O partido liderado por Catarina Martins considera que não se pode falar de “apoios à economia sem discutir regras do trabalho”. Queria, por isso, que as empresas com lucros fossem proibidas de despedir trabalhadores. Este domingo, Catarina Martins reforçou também pretender um aumento da compensação por despedimento e a redução do período experimental dos trabalhadores à procura de emprego.

Como o Governo tentou desbloquear?

Inicialmente de 18 meses, a moratória na caducidade da contratação coletiva deverá ser de 24 meses na proposta que o Governo deverá submeter ao Parlamento. Já esta segunda-feira, Duarte Cordeiro disse às televisões que o Governo “não tencionava negociar alterações à legislação laboral neste OE”, mas mostrou abertura para o fazer face às exigências dos bloquistas. “O Governo decidiu avançar com diversos compromissos na lei laboral”, garantiu, exemplificando, precisamente, com a suspensão da caducidade da contratação coletiva e a proibição de despedimentos em empresas que recorreram a apoios.

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