Estático ou dinâmico, o CV continua a ser válido mas, hoje, complementa-se com o LinkedIn. Deve ser simples e refletir o valor dos candidatos porque o mais importante será sempre o conteúdo.
“O papel? Qual papel?” A expressão celebrizada por Ricardo Araújo Pereira nos Gato Fedorento bem podia adaptar-se aos currículos. É que, nas últimas décadas, o documento pouco mudou mais do que no suporte: deixou de ser em papel.
A sua função – a necessidade de agregar a experiência profissional num só documento – continua a ser a mesma, mas a tecnologia trouxe novas formas de tornar a ferramenta mais original.
A triagem de currículos em resmas de papel é uma ação ultrapassada mas, por si só, o documento continua a valer, asseguram os especialistas. Contudo, construir um CV é mais do que fazer um “copy-paste” de experiências sem critério para responder a um anúncio de emprego. Há regras a cumprir e podem fazer toda a diferença na hora de escolher os potenciais candidatos.
Proposta de valor pode fazer a diferença
Vamos à prática: no início de cada currículo, logo a seguir aos contactos e dados pessoais, deve constar uma breve introdução, com uma dimensão entre um a dois parágrafos, onde o candidato faz um resumo sobre si e descreve a sua “proposta de valor”.
“Deve ser um texto introdutório sobre a pessoa, que demonstre as expectativas do candidato e aquilo que pode distingui-lo no mercado de trabalho. É o primeiro pitch em que a pessoa diz ‘eu sou diferente’, ou eu ‘sou uma mais valia por isto”, começa por explicar à Pessoas Ricardo Carneiro, diretor de recrutamento da empresa de recrutamento Multipessoal. Esta introdução é quase uma substituição da clássica “carta de apresentação”. Deve ser adaptada a cada oferta de emprego e há formas originais de o fazer, destaca o responsável, que recorda um candidato que se apresentou no LinkedIn a partir dos seus falhanços.
No caso dos perfis mais juniores, com pouca experiência profissional acumulada, este primeiro passo pode ser mais desafiante: as sugestões passam por abordagens mais criativas, como formatos de vídeo ou LinkedIn.
Muitas vezes, em processos de procura, a pesquisa começa no LinkedIn, entramos em contacto com a pessoa e, numa segunda fase, vamos analisar o currículo.
Descrever o impacto e não as funções
“Um diretor de marketing que não diga só que era responsável do departamento de marketing e pela parte da comunicação, mas que diga que teve num projeto de debranding, em que a empresa não tinha website e passou a ter, ou que a empresa não tinha e-commerce e passou a ter. Essas são as realizações que ficam”, explica Ricardo Carneiro, que alerta para a importância de optar por “exemplos tangíveis” e até números para descrever o impacto da passagem por cada organização, em vez da partilha de uma mera descrição do cargo que assumiu na empresa. O responsável de recrutamento da Multipessoal confessa que a maior parte dos currículos que analisa são muito descritivos, não acrescentando “muito valor”. “Acaba por não se perceber qual foi a marca que a pessoa deixou na organização”, realça.
“A maioria das pessoas não se sabe vender em currículo. Partem do princípio que o que estão a fazer é uma coisa básica que não é valorizada e às vezes não é bem assim. O essencial é a pessoa descrever, não em excesso, mas descrever bem as suas responsabilidades e não as da área“, acrescenta Marco Arroz, national manager e especialista em recrutamento na área das tecnologias e IT da Multipessoal.
Relativamente ao formato, os especialistas garantem que o Europass não está ultrapassado, mas pode ter algumas limitações de dimensão à medida que se acumula experiência profissional. O ideal será personalizar o CV à sua medida e ter formatos cada vez mais adaptados.
Os erros mais comuns no CV
No contexto da pandemia e face ao aumento do desemprego, a empresa de recrutamento Multipessoal lançou um “assistente virtual” de avaliação de currículos, totalmente gratuita. Em 500 currículos analisados pela Multipessoal, só 5% continha o resumo introdutório com a proposta de valor e, entre os erros mais comuns, destacam-se a ausência de contactos da pessoa e os erros ortográficos. “É interessante verificar que os pontos de melhoria acabam por ser sempre os mesmos”, refere Ricardo Carneiro.
Seja um algoritmo a recrutar, seja um ser humano, vai haver o passado. As coisas têm de lá estar escritas, não há volta a dar, seja no LinkedIn ou numa outra plataforma que possa surgir no futuro.
Ao construir um CV, deve ainda ter atenção às datas, incluir a atividades extra profissionais que comprovem outro tipo de competências de liderança ou de comunicação, como associativismo, voluntariado ou desportos praticados. Acima de tudo, a informação no CV deve ser clara e objetiva, porque nunca se sabe quem vai lê-lo. “É uma questão de as pessoas se colocarem no lugar de quem vai interpretar”, sublinha Marco Arroz. Uma das formas de garantir que nada falha, é reler e pedir uma segunda opinião sobre o seu currículo, aconselha o responsável.
LinkedIn, o parceiro ideal do CV
Pode pensar-se que é recente, mas o LinkedIn está perto de comemorar quase duas décadas de existência. Quase como um currículo “aberto 24 horas por dia”, a rede social profissional LinkedIn é uma plataforma cada vez mais requisitada como complemento do currículo. “Este equilíbrio entre olhar para o LinkedIn e olhar para o currículo é cada vez mais uma avaliação que se faz. Muitas vezes, em processos de procura, a pesquisa começa no LinkedIn, entramos em contacto com a pessoa e, só numa segunda fase, vamos analisar o currículo”, assegura Ricardo Carneiro.
No LinkedIn, também é importante não esquecer o texto introdutório, o designado summary ou resumo que também se pode incluir no CV, em que o candidato deve escrever um pequeno texto com um máximo de dois parágrafos sobre a sua proposta de valor e as suas ambições profissionais.
Sendo pública, a rede social permite aos potenciais candidatos “entrar” nas empresas e “conhecer” quem lá trabalha, consultando o percurso profissional em cada perfil. Assim, lembra Marco Arroz, o candidato poderá ter uma perspetiva mais real do percurso necessário para chegar a determinada posição, ou até o grau de rotatividade de determinada empresa.
Mas, claro, há o lado da exposição do próprio candidato a potenciais interessados: neste caso, o perfil do LinkedIn é quase um currículo dinâmico, sempre à disposição para se consultar e com a possibilidade de ser atualizado a qualquer momento. Uma das estratégias para quem “navega” no LinkedIn é a possibilidade de contactar os empregadores ou eventuais ex-colegas, aumentando as probabilidades de conseguir um novo emprego ou projeto, mas a exposição ainda causa alguma “inibição”, destaca Marco Arroz. Em tempos de pandemia, “o que interessa é que as pessoas tenham o à vontade de entrar em contacto com as empresas, especialmente as de recrutamento. O “não” está garantido e podem acontecer mil e uma coisas”, aconselha o especialista.
No caso dos perfis mais seniores, é ainda mais importante ter LinkedIn, destaca o responsável. Não ter um perfil nesta rede social pode ser quase como não existir. “Apesar de haver muita informação facebookiana, continua a ser uma base de dados para muitas empresas a nível mundial. Se a pessoa quer alterar a sua situação profissional, o LinkedIn tem de estar atualizado e ativo, porque se está à procura de emprego e não tem LinkedIn é muito mais difícil”, reafirma.
O futuro do CV também é tecnológico
Recuando 40 ou 50 anos, a única coisa que mudou nos currículos foi o facto de já não ser exclusivamente em papel, por isso o futuro também se adivinha mais tecnológico. O CV não vai desaparecer, mas passará a estar acompanhado por outras plataformas, como formatos de vídeo ou o próprio perfil no LinkedIn. “Seja um algoritmo a recrutar, seja um ser humano, vai haver o passado. As coisas têm de lá estar escritas, não há volta a dar, seja no LinkedIn ou numa outra plataforma que possa surgir no futuro”, sublinha Marco Arroz.
Tal como o LinkedIn, os conteúdos em vídeo serão complementos fundamentais no CV do futuro, mas também uma forma de o candidato demonstrar outras competências de comunicação à distância e de destreza digital.
Marco Arroz prevê que a maior mudança venha a ser a necessidade de destacar no currículo as “palavras-chave”, as designadas keywords. “Temos de ser inteligentes ao ponto de perceber quem está do outro lado, e que se calhar existe um Google dentro da base de dados destas empresas que pesquisa por keywords. Pode desaparecer o formato, mas o conteúdo nunca vai desaparecer”, ressalva. “O currículo vale e vale bem, porque seja ele estático em Word ou PDF, ou dinâmico no LinkedIn, o que interessa é que aquilo espelhe o percurso da pessoa, e é uma porta que se pode abrir para uma eventual entrevista”, conclui Marco Arroz.
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O CV ainda vale, mas já não vem só
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