Concorrência aplica multas recorde de 730 milhões em apenas dois anos
A Autoridade da Concorrência faz história ao aplicar a maior multa de sempre em Portugal: 304 milhões. Em apenas dois anos, a mão pesada de Margarida Matos Rosa já custou 733 milhões às empresas.
A notícia caiu como uma bomba nas sedes das empresas que gerem os supermercados Modelo Continente, Pingo Doce, Auchan, Intermarché, Lidl e E.Leclerc. A Autoridade da Concorrência (AdC) aplicou a maior multa de sempre em Portugal por concertação de preços a seis cadeias de supermercados e a duas fornecedoras de bebidas, a Sociedade Central de Cervejas e a Prime Drinks.
Foi esta segunda-feira que a AdC anunciou que “impôs coimas no valor total de cerca de 304 milhões de euros a seis cadeias de supermercados, a dois fornecedores de bebidas e a dois responsáveis individuais, por concertarem, de forma indireta, os preços de venda, uma prática prejudicial aos consumidores”.
Na prática, o que fizeram de mal? A AdC acusa estas empresas de uma prática que, na terminologia do direito da concorrência, é designada de “hub-and-spoke”, ou seja, as cadeias de supermercados terão recorrido a um fornecedor comum para assegurar o alinhamento dos preços de venda ao público em todas as superfícies, restringindo a concorrência pelo preço entre supermercados e privando os consumidores de preços diferenciados. Além disso, os supermercados “monitorizavam as lojas que se afastavam da prática, pressionando para que todos praticassem o mesmo preço”.
Existem mais processos semelhantes a correr no setor. Há cerca de um mês a AdC anunciou que acusou o Modelo Continente, o Pingo Doce, a Auchan e o fornecedor de bebidas alcoólicas Active Brands, que detém as marcas Licor Beirão e Porto Velhotes, de concertarem os preços praticados ao consumidor nos supermercados. Correm ainda processos relativos à Sumol+Compal e Sogrape e à Bimbo Donuts, também envolvendo os supermercados.
Esta coima recorde de 304 milhões de euros junta-se a mais três que já tinham sido aplicadas ao longo deste ano:
- A AdC aplicou coimas de 1,8 milhões de euros à Fergrupo e à Somafel por cartel na contratação pública em manutenção ferroviária;
- E uma outra de 3,6 milhões de euros à Associação Portuguesa de Agências de Publicidade (APAP) por limitar a concorrência das associadas nos concursos de aquisição de serviços de publicidade;
- E ainda uma outra de 84 milhões de euros à Meo por um alegado cartel com a NOWO, sendo que esta última ficou dispensada da coima porque fez um pedido de clemência.
Com estas coimas, 2020 foi um ano recorde de multas por parte da AdC que, no total, ascenderam a 393,4 milhões de euros (ver gráfico em baixo).
Em 2019, a mão pesada de Margarida Matos Rosa já tinha levado a Concorrência a aplicar coimas avultadas no valor de 340 milhões de euros, num ano em que foram sobretudo os setores da banca e dos seguros a estar na mira da AdC. Ou seja, em apenas dois anos, a Concorrência aplicou multas no valor de 733 milhões de euros.
Na banca, 14 bancos foram alvo de uma multa de 225 milhões de euros por terem, alegadamente, partilhado informação comercial sensível entre si, restringindo a concorrência no mercado de crédito, “prejudicando famílias e empresas”. Já o cartel dos seguros levou a AdC à aplicação de coimas de 55 milhões de euros a empresas como a Lusitânia, Zurich, Fidelidade e Multicare.
Matos Rosa e as “coimas dissuasoras”
Desde que tomou posse como presidente, em novembro de 2016, Margarida Matos Rosa já aplicou coimas no valor de 784 milhões de euros, um nível sem paralelo na história da AdC que foi criada em 2003. Nos sete anos anteriores, de 2010 a 2016, o somatório de todas as coimas da AdC não chega aos 50 milhões de euros.
E para onde vai todo este dinheiro? 60% do dinheiro das multas e das coimas aplicadas pela AdC vão para o Estado, para os cofres do IGCP, e o remanescente 40% fica nos cofres da própria AdC.
Para o aumento exponencial das coimas da AdC terá contribuído a nova Lei da Concorrência de 2012, uma imposição da troika, que veio dar maior independência ao supervisor e maior capacidade de prioritizar as investigações. Até então, a AdC — que atualmente conta com uma equipa de 91 pessoas, — era obrigada, por exemplo, a abrir um processo por cada denúncia que recebia o que consumia recursos e dificultava o trabalho.
Além da mudança da lei, o crescimento exponencial das multas e condenações tem muito a ver com a figura de Margarida Matos Rosa que logo em 2016 disse ao que vinha. Definiu como prioridade para o mandato — que termina no próximo ano — “a dinamização da política de concorrência junto das empresas e administração pública”. Matos Rosa afirmou que queria uma AdC “independente e transparente, consistente nos seus processos, eficaz e dissuasora. Para este último objetivo concorre, sem dúvida, o reforço da capacidade de investigação”. E assim tem sido, pelo menos a julgar pelo valor das coimas.
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