A importância da desmaterialização dos actos e assinatura electrónica no contexto pandémico

  • Raquel Ferreira
  • 28 Dezembro 2020

De facto, o reduzido controlo que muitos utilizadores têm sobre as ferramentas digitais, poderá significar um maior risco de fraude.

Numa altura em que são impostas medidas de distanciamento social, surgem novas formas de lidar com as formalidades do dia-a-dia e assistimos a um crescimento da utilização dos meios digitais, seja pela necessidade de manter os negócios em curso, seja pela praticidade destas soluções.

No que concerne à actividade imobiliária, tornou-se premente a adopção de soluções de celebração de contratos à distância, que permitisse a continuidade de formalização de negócios. É neste contexto de necessidade da transformação digital que a assinatura electrónica assume especial relevo. Esta corresponde a um instrumento digital para subscrever, de forma válida e segura, documentos electrónicos à distância, cumpridos determinados pressupostos para garantia da sua autenticidade e segurança.

Existem três tipos: a simples, a avançada e a qualificada. A assinatura electrónica simples normalmente é a utilizada em processos de aceitação online, feita através de um simples “clique”; a assinatura electrónica avançada já identifica o seu titular como autor, permitindo detectar qualquer alteração ao conteúdo de um documento assinado; Finalmente, a assinatura electrónica qualificada reúne todas estas características sendo gerada através de um dispositivo seguro de criação de assinatura certificado por uma entidade devidamente credenciada.

Parece-me que sempre que legalmente for exigida a aposição de uma assinatura autógrafa a um documento, será necessária a aposição de uma assinatura electrónica qualificada, de forma a garantir a validade da mesma. Assim, a título de exemplo, face à legislação em vigor, a assinatura de um contrato de mediação imobiliária deverá necessariamente ser concretizada através da assinatura electrónica qualificada.

E quanto aos contratos para os quais a lei exige forma de documento autêntico ou documento particular autenticado? Será possível celebrar um contrato de compra e venda de um imóvel à distância? Entendo que não.

Não obstante o princípio da liberdade de celebração de contratos por via electrónica ou remota em que assenta a redacção do Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de Janeiro, que regula o comércio electrónico no mercado interno e o tratamento de dados pessoais, é o artigo 25.º, n.º 2 do próprio normativo que expressamente exclui do “do princípio da admissibilidade” da contratação por via electrónica os “negócios legalmente sujeitos a reconhecimento ou autenticação notariais” e “reais imobiliários, com excepção do arrendamento”.

O nosso Código Notarial exige que o documento seja lido em voz alta e explicado o seu conteúdo, perante todos os intervenientes. Ora, actualmente é possível a um notário ou advogado/solicitador convocar as partes para uma videoconferência, apurando-se dessa forma a vontade das mesmas e explicando-se o conteúdo do acto…

Fica, no entanto, em falta (parece-nos) um elemento essencial: a garantia da identidade dos intervenientes.

De facto, o reduzido controlo que muitos utilizadores têm sobre as ferramentas digitais, poderá significar um maior risco de fraude.

Entendemos que será por isso de excluir da tendência da desmaterialização, os contratos que requeiram documento autêntico ou documento particular autenticado – e que, por isso, exigem a presença das partes – uma vez que ainda não dispomos de ferramentas que nos permitam aferir a identidade de alguém com quem estamos em contacto, por exemplo, através de videoconferência.

Na dimensão real, a identidade civil é baseada na confiança que depositamos no Registo Civil, e na documentação que permite comprovar a nossa identidade perante qualquer autoridade ou perante terceiros… E na dimensão digital? Não dispomos actualmente de um quadro jurídico completo e claro quanto à identidade digital, que estabeleça procedimentos adequados à criação e verificação de identidade biométrica.

Será, por isso, interessante aproveitar o ensejo desta pandemia para legislar para o futuro quanto à identidade digital, pois só quando estiverem garantidos determinados requisitos de segurança será possível recorrer a estas soluções para celebrar contratos em que as exigências formais sejam acrescidas, com a devida segurança jurídica. Tal contribuiria de forma essencial para o desenvolvimento da actividade económica, promovendo, desta forma, a prática célere, e segura dos negócios em geral, e em especial os respeitantes ao comércio jurídico imobiliário.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

  • Raquel Ferreira
  • Advogada do departamento jurídico da IAD Portugal

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