A pandemia, a recuperação económica e a unidade do país. O guia do discurso de vitória de Marcelo
Já perto da meia noite, Marcelo Rebelo de Sousa fez o discurso da vitória esperada com o foco na pandemia e na crise económica. Em 17 minutos, resumiu o que os portugueses querem e o que não querem.
Marcelo Rebelo de Sousa elegeu a pandemia como a sua “primeira missão” enquanto Presidente da República reeleito para um segundo mandato que arrancará a 9 de março, assumindo que tirará “ilações” dos votos dos portugueses que interpretou como mais e melhor “gestão da pandemia”. Nos 17 minutos do seu discurso de vitória, o inquilino de Belém falou de unidade e democracia liberal, em contraste com “aventuras”, e prometeu determinação para que “a esperança não esmoreça”: controlada a Covid-19, o foco estará na “reconstrução” da economia e no combate à pobreza, às desigualdades e à exclusão.
“Tenho consciência de que a confiança agora renovada é tudo menos um cheque em branco“, disse Marcelo no seu discurso de vitória numa eleição em que conseguiu melhorar o resultado face a 2016 (52%), alcançando 60,7% dos votos (2.533.799 votos). O que fará com esta votação? É uma incógnita o que esta frase significará para o segundo mandato, o qual tende a ser visto como de maior confrontação com o Governo. Rui Rio pediu-lhe isso mesmo, para ser “um bocadinho mais exigente com o Governo”, mas confrontado com a declaração do líder do seu partido o Presidente hesitou e disse que “as circunstâncias mudam, mas a pessoa é a mesma”.
A pandemia: “Tudo começa no combate à pandemia” que é a sua “primeira missão”
Começou e acabou o discurso na pandemia. Marcelo Rebelo de Sousa interpretou o reforço do voto dos portugueses como dando prioridade, “e de modo urgente”, a ter mais e melhor “gestão da pandemia”. “Entendi esse sinal e dele retirarei as devidas ilações“, acrescentou, sem concretizar. O objetivo é ter a pandemia “dominada o mais rápido possível” para que os portugueses deixem de ter a “vida congelada”.
“Tudo começa no combate à pandemia. Se a pandemia durar mais e for mais profunda, tudo o resto que queremos tanto será pior“, diz Marcelo, reconhecendo que “tudo é urgente, mas o mais urgente do urgente é o combate à pandemia e por isso temos de fazer tudo para travar e depois inverter um processo que está a pressionar em termos dramáticos as nossas estruturas de saúde”. O Presidente da República apelou a todos os portugueses que ajudem os profissionais de saúde que se sacrificam para cuidar dos doentes para que não haja “dois Portugais”.
“Continua a ser essa, e é bom que isso fique claro esta noite, a minha primeira missão“, disse, prometendo colaboração institucional com o Governo, a Assembleia da República e os parceiros sociais. Só depois é possível fazer ao resto. E voltou a colocar-se no centro da gestão da pandemia: “Não deixa de ser uma desafiante ironia do destino que esta missão possa continuar a contar como Presidente reeleito com alguém que pertence a um grupo de risco, simbolizando que estamos todos unidos — os mais novos e os menos novos –, a unidade essencial do nosso combate comum. Mais um combate que custe o que custar vamos vencer”. “A melhor homenagem que podemos prestar aos mortos é cuidar dos vivos e com eles recriar Portugal“, disse.
A outra interpretação que o Presidente fez dos resultados eleitorais é que “os portugueses não querem uma pandemia infindável e uma crise económica sem termo à vista” — notando os efeitos na pobreza e na desigualdade –, o que levará a um “empobrecimento agravado e um recuo em comparação com outras sociedades europeias”.
Os portugueses “querem uma recuperação mais rápida de emprego, rendimentos, crescimento, investimento, exportações e mercado interno”, disse, prometendo trabalhar para que haja “uma perspetiva de futuro efetivo para as micro, pequenas e médias empresas (MPME)”. O objetivo é que a “reconstrução vá além da mera recuperação”, dando prioridade às “qualificações, clima, energia, digital, justiça, na luta contra a corrupção, na reforma do Estado, na defesa e na segurança”. E tal obrigará a “fundos europeus bem geridos em transparência e eficácia“, tal como já tinha assinalado ao ECO.
“Dentro de três anos, estaremos no meio século do 25 de abril e é inconcebível que não se possa dizer então que não somos muito mais livres, muito mais desenvolvidos, solidários e justos do que éramos no início da caminhada e tanto quanto prometemos nesse início”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, que foi deputado da Assembleia Constituinte, assumindo que “temos de partir o quanto antes para se atingir a meta a tempo de não deixar esmorecer a esperança”.
A unidade: “O Presidente é um só e só um e representa todo o Portugal”
Como é habitual no discurso de vitória, o Presidente da República fez questão de sublinhar que “exercido o voto, o Presidente é um só e só um e representa todo o Portugal”. Ou seja, vai “continuar a ser o Presidente todos”. Mas foi mais além da simples mensagem de unidade, admitindo que a pandemia promoveu ainda mais a divisão da sociedade portuguesa. “Temos de reencontrar o que perdemos na pandemia, refazer os laços desfeitos, quebrar as barreiras erguidas, ultrapassar as solidões multiplicadas, fazer esquecer as xenofobias, as exclusões, os medos instalados“, pediu. Em contrapartida, “temos de recuperar e valorizar todos os dias as inclusões, as partilhas, os afetos, as cidadanias esvaziadas pela pobreza, pela dependência, pela distância”.
As “aventuras”: “Os portugueses não querem radicalização e extremismo”
Na noite em que a extrema-direita ficou em terceiro lugar com 11,9% (496 mil votos), Marcelo Rebelo de Sousa não fez referência diretas, mas não se esqueceu do fenómeno, utilizando palavras subtis. Será “um Presidente próximo, que estabilize, que una, que não seja de uns, os bons, contra os outros, os maus, que não seja um Presidente de fação, um Presidente que respeite o pluralismo e a diferença, que nunca desista da justiça social”, prometeu, contrastando com a promessa de André Ventura de ser o “presidente dos portugueses de bem”.
Para o Presidente da República os resultados eleitorais mostram que os “portugueses não querem radicalização e extremismo nas pessoas, nas atitudes, na vida social e política“. E notou novamente a sua preocupação por promover um “sistema político estável e uma alternativa também forte para que a sensação de vazio não convide a desesperos e a aventuras“, uma palavra que não foi usada por acaso. “Os portugueses querem que a democracia constitucional responda aos seus dramas e angústias. Uma democracia democrática, não iliberal, ou seja, não democrática”, rematou.
A lei eleitoral: Marcelo vai insistir no voto por correspondência
Não esquecendo que a taxa de abstenção atingiu um recorde de 60,5% — ainda que inferior aos níveis temidos por causa da pandemia –, Marcelo Rebelo de Sousa prometeu aos portugueses que irá “persuadir” quem faz leis (leia-se, os deputados) para que reveja as “objeções” contra o voto postal ou por correspondência, de modo a que os próximos atos eleitorais possam “ajustar-se a situações como a vivida”. Essas objeções “tanto penalizaram os eleitores”, em especial os emigrantes, pelo que insistirá para que seja “finalmente acolhido” o voto por correspondência.
Nesta eleição presidencial houve milhares de eleitores que não tiveram a oportunidade de votar seja por terem ficado infetados ou em isolamento profilático após a data limite para pedirem voto domiciliário, seja por terem de ser deslocar presencialmente às mesas de voto nos consulados ou embaixadas no estrangeiro (e a impossibilidade de votar antecipadamente em mobilidade em território nacional), o que complicou o voto dos emigrantes.
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