Idade da reforma pode cair pela primeira vez e a culpa é da pandemia

Os demógrafos ouvidos pelo ECO estimam que a pandemia poderá levar à inversão da tendência crescente da esperança média de vida e, consequentemente, fazer a idade da reforma recuar.

O ano de 2023 poderá trazer um recuo histórico da idade de acesso à reforma, cuja evolução é determinada pela esperança média de vida aos 65 anos. De acordo com os demógrafos ouvidos pelo ECO, por efeito da pandemia e do consequente aumento da mortalidade, é provável que o indicador estatístico em causa registe um recuo, já no triénio de 2019 a 2021, o que, a confirmar-se, significaria também que o fator de sustentabilidade — um dos cortes aplicado às pensões antecipadas, e cujo cálculo tem por base, igualmente, a esperança de vida aos 65 anos — seria desagravado.

Até 2013, a idade normal de acesso à pensão de velhice fixou-se nos 65 anos. Em 2014, aumentou, contudo, para 66 anos e, a partir daí, passou a ser atualizada, anualmente, em linha com a evolução da esperança média de vida aos 65 anos. À boleia dessa fórmula de cálculo, a idade da reforma subiu, por exemplo, para 66 anos e quatro meses em 2018 e ficou estacionada nos 66 anos e cinco meses, em 2019 e 2020.

Já em 2021, a idade da reforma aumentou um mês para 66 anos e seis meses, face ao aumento da esperança média de vida aos 65 anos de 19,49 anos, no triénio entre 2016 e 2018, para 19,61 anos, no triénio entre 2017 e 2019.

No final do ano passado, o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou a sua estimativa provisória deste indicador para o triénio entre 2018 e 2020, prevendo uma subida de 0,08 pontos, o equivalente a mais um mês na idade da reforma, ou seja, a idade de acesso à pensão em 2022 deveria subir, assim, para 66 anos e sete meses.

Tudo somado, à boleia da tendência crescente da esperança de vida aos 65 anos, tem sido “tradição”, de modo geral, que a idade normal de acesso à pensão de velhice suba, ano após ano. A pandemia poderá, contudo, marcar uma inversão nessa trajetória.

Os demógrafos ouvidos pelo ECO indicam que o excesso de mortalidade causado pela Covid-19 poderá levar o INE a rever em baixa os números relativos à esperança de vida aos 65 anos divulgados no final de 2020 — mas dificilmente abaixo do triénio anterior, dizem os especialistas — e deverá, por outro lado, resultar num declínio desse indicador, no triénio de 2019 e 2021, face ao anterior.

Maria João Valente Rosa explica que, no triénio entre 2018 e 2020, o efeito da pandemia ainda não deverá ser sentido de modo muito significativo — a estimativa provisória do INE “não deve ser muito mexida” –, podendo estar, no entanto, à espreita “uma surpresa”, logo no triénio seguinte.

“O triénio 2019-2021 já deverá traduzir o efeito da pandemia, mas isso dependerá muito de como 2021 se comportar. Se 2021 decorrer como 2020, então é certa uma redução da esperança média de vida aos 65 anos, face ao triénio anterior“, frisa a professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, referindo que, a confirmar-se, esse seria o primeiro recuo da esperança média de vida aos 65 anos desde, pelo menos, o início do século.

O demógrafo Filipe Ribeiro, da Universidade de Évora, corrobora as estimativas de Maria João Valente. O professor diz que é “bastante provável” que a projeção do INE para o triénio de 2018 a 2020 “seja revista para valores inferiores, mesmo não apresentando ainda um declínio em relação ao triénio anterior”. Isto por causa do agravamento da pandemia, no final de 2020. E acrescenta: “Sendo que, em janeiro de 2021, a mortalidade associada a estes grupos de idade continuou a aumentar, na minha perspetiva, é bastante certo que o triénio 2019-2021 apresente já um declínio comparativamente a 2018-2020, mesmo que ligeiro“.

Tal significa, segundo os cálculos do ECO, que em 2022, a idade da reforma poderá ter um de dois comportamentos: subir um mês, se o INE confirmar os números provisório ou revir em menos de 0,05 pontos a esperança de vida aos 65 anos para o triénio entre 2018 e 2020; ou estacionar nos 66 anos e seis meses, se o INE revir em mais de 0,05 pontos o dado em questão, mas não em mais que 0,08 pontos, já que os demógrafos defendem que não é expectável uma quebra face ao triénio anterior.

Já em 2023, a idade da reforma poderá tomar uma de duas outras trajetórias: ou ficará estacionada no mesmo valor que vigorar em 2022, assumindo-se que o recuo da esperança média de vida aos 65 anos no triénio de 2019 a 2021 face ao anterior não será suficiente para provocar uma quebra neste limite; ou poderá mesmo vir a cair, o que aconteceria pela primeira vez.

Por outro lado, a confirmar-se o recuo da esperança de vida aos 65 anos, também o fator de sustentabilidade — que se apura igualmente com base no indicador estatístico em questão — passaria a castigar menos as pensões antecipadas.

Com base na estimativa provisória divulgada no final de 2020 pelo INE, é expectável que o fator de sustentabilidade a ser aplicado às pensões antecipadas pedidas em 2021 suba para 15,54%. O Governo ainda não confirmou esse salto, isto é, não publicou a portaria que fixa o corte a vigorar este ano. O ECO questionou o Ministério do Trabalho sobre esse diploma, mas ainda não obteve resposta.

No entanto, uma vez que os demógrafos ouvidos pelo ECO admitem que a estimativa do INE poderá vir a ser revista em baixa, é possível que, afinal, o fator de sustentabilidade venha a ser inferior ao inicialmente previsto ou mesmo igual ao que vigorou em 2020, no caso da esperança de vida aos 65 anos no triénio 2018-2020 ficar igual à do triénio anterior, por efeito da pandemia.

Por exemplo, segundo os cálculos do ECO, se em vez de 19,69 anos, a esperança de vida aos 65 anos for 19,64 anos (0,03 pontos acima do triénio anterior, mas 0,05 pontos abaixo do previsto no final de 2020 pelo INE), o corte a aplicar às novas pensões antecipadas será de 15,33%, 0,22 pontos abaixo do inicialmente previsto.

Além disso, se no triénio de 2019 a 2021, a esperança média de vida aos 65 anos cair mesmo face ao triénio anterior, como projetam os demógrafos, tal significaria que o fator de sustentabilidade aplicado já no próximo ano será inferior ao esperado para este ano.

Esta hipótese é destacada por Maria João Valente Rosa, que explica que não é expectável que o indicador estatístico em questão caia abaixo do valor de 2000 (que serve de base ao cálculo do fator de sustentabilidade), pelo que o corte nas pensões antecipadas irá certamente manter-se, mas é provável que seja atenuado. “Porventura, o corte poderia ser menor que o do ano anterior, quando a regra tem sido haver sempre um agravamento”, sublinha a professora.

Valente Rosa frisa, por outro lado, que tal poderia ser problemático para as contas da Segurança Social, já que o fator de sustentabilidade foi desenhado para “amortecer o impacto [financeiro] do envelhecimento demográfico” no sistema e um alívio desse corte significaria, portanto, um reforço dos gastos com pensões, além de abrir a porta “a um aumento dos pedidos antecipados de reforma, o que poderia acentuar os desequilíbrios”.

Além do fator de sustentabilidade, a generalidade das pensões antecipadas sofre um corte uma penalização de 0,5% por cada mês antecipado face à idade legal da reforma. Isentos destes cortes estão os portugueses que peçam a antecipação da reforma aos 60 anos de idade, tendo pelo menos 48 de descontos, ou que o peçam aos 60 anos, se contarem com 46 anos de contribuições e se tiverem iniciado a sua carreira aos 16 anos ou em idade inferior. O mesmo “alívio” é aplicado aos portugueses de profissionais consideradas de desgaste rápido.

Os valores finais da esperança média de vida aos 65 anos para o triénio de 2018 a 2020 — que confirmarão a idade da reforma em 2022 e o fator de sustentabilidade em 2021 — serão divulgados com as tábuas de mortalidade para Portugal, a 28 de maio de 2021, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística. Já os valores provisórios para o triénio de 2019 a 2021 – que sinalizarão a idade da reforma em 2023 e o fator de sustentabilidade em 2022 — deverão ser conhecidos no final deste ano.

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