Conversas com unicórnios

Marcelo Rebelo de Sousa quer ouvir os unicórnios com ADN português para anotar as suas visões disruptivas, a propósito do Plano de Recuperação e Resiliência. Será universal a língua dos unicórnios?

No dia em que a Feedzai, quarto unicórnio com ADN português e o único que mantém a sede em Portugal, ganhou estatuto de animal mágico que denomina startups avaliadas em mais de 1.000 milhões de dólares, Nuno Sebastião, CEO da empresa, desafiou o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, a conversar com ele sobre o tema. “(…)com sede em Portugal e segundo a lei portuguesa, isto é que ainda não tinha acontecido, já que as restantes têm a sede fora. Se quiseres, depois falamos das coisas que temos de melhorar para ser competitivos com Londres, NY, Luxemburgo, Amesterdão”, escreveu o português, em resposta ao tweet de felicitações de Siza Vieira.

Pedro Siza Veira não respondeu publicamente ao cofundador e CEO da Feedzai e Marcelo Rebelo de Sousa antecipou-se. Esta semana o Jornal de Notícias escreve que o Presidente da República quer receber em Belém, não só Nuno Sebastião como representantes dos outros unicórnios fundados por portugueses – Farfetch, OutSystems e Talkdesk – para conversar. Adianta o jornal que o Presidente da República quer aproveitar o Plano de Recuperação e Resiliência como mote a uma mudança de paradigma no plano empresarial nacional e, por isso, faz parte dos planos de Marcelo ouvir personalidades com visões mais disruptivas.

Então, o que se pode esperar destas conversas entre o Presidente e os unicórnios?

Ainda que Portugal tenha dois nomes — Lisboa e Porto — na lista de cidades-berço dos futuros unicórnios europeus, a verdade é que, dos quatro fundados por portugueses, apenas um tem sede em Portugal. E isso faz pensar nas razões que levam os empresários portugueses a retirarem as sedes das suas empresas de território nacional. Em conversa com o ECO, no dia em que a Feedzai anunciou a avaliação de unicórnio, Nuno Sebastião contava que a ronda de financiamento foi sendo adiada até ao momento em que os investidores aceitaram manter a sede da empresa em Portugal.

Nós, muito teimosos, queríamos fazer isto a partir de Portugal, com uma equipa portuguesa. Estávamos a assinar os documentos e, do nosso lado, estávamos só ‘tugas’: nós, a equipa de legal, a equipa interna. Do outro lado, gente de São Francisco, de Nova Iorque, de Londres, e nós negociámos tudo cá. Isso dá trabalho, tentar explicar como isto funciona. (…) Tivemos muitas ofertas nos últimos dois anos e dissemos muitas vezes que não. Repara, isto não é só a avaliação. Quando negoceias uma coisa destas, negoceias duas coisas: avaliação e controlo, e muito pouca gente consegue as duas“, contava Nuno Sebastião.

Controlo e avaliação, diz o unicórnio. Mas há mais. Já por diversas vezes, os CEOs destes unicórnios manifestaram publicamente um ambiente empresarial pouco competitivo existente em Portugal, sublinhando o valor da tecnologia, do conhecimento e de um mercado livre num espaço como o norte-americano, em contraste com o português.

Em março, Paulo Rosado, cofundador e CEO da OutSystems dizia, na RTP, que realidades como as dos despedimentos deveriam ser facilitadas para que as empresas tenham maior flexibilidade para “emagrecer ou aumentar” as equipas. “Em Portugal, onde arrancámos, passámos por muitas dificuldades num caminho de pedras muito longo. Tivemos alguma sorte porque não perdemos o mercado”, assinalou.

Meses antes, em entrevista à TVI, em 2020, José Neves, CEO e fundador da Farfetch, argumentava que faltava, em Portugal, melhorar as “competências digitais” dos cidadãos como forma de reduzir o desemprego. Também no ano passado, o CEO da plataforma tecnológica de moda de luxo lançava a fundação com o seu nome, para promover a educação e a formação em solo nacional, numa ótica de reskilling e upskilling que salvaguarde as competências do futuro ao serviço das empresas e da economia em solo nacional, com o objetivo de ajudar a transformar Portugal numa sociedade de conhecimento.

Em dezembro de 2019, à Exame, Tiago Paiva, CEO e cofundador da Talkdesk, apontava a visão redutora das empresas nacionais, “muito focadas no país”. “O País está um bocado na moda, mas acho que por cá continuamos a criar empresas pequenas, muito focadas no País… (…) somos um país pequeno, portanto, naturalmente temos menos probabilidade de ter sucesso. E isto falando genericamente. Acredito que temos de mudar, também, a forma como olhamos para algumas coisas“.

Num mundo de incerteza em que se fomenta o medo, os empreendedores têm o rasgo para arriscar e a vontade de resolver problemas mas, considerando estes quatro unicórnios, apenas um terço tem a resiliência de manter a empresa em Portugal face a uma realidade que, tantas vezes, não reconhece a visão, não facilita as necessidades de rápido crescimento nem valoriza o que por cá se faz. Não basta poder criar uma empresa na hora: há que estar, hora a hora, ano a ano, a facilitar a vida às empresas e aos empresários.

Na entrevista à RTP, Paulo Rosado sublinha a “ausência de medo” e a “ambição” como princípios fundamentais para empreender. Quando os unicórnios visitarem Belém, falar-se-á de digitalização, de fiscalidade, de incentivos, de portugalidade e de mercado global. De visão, trabalho e ambição. E claro, de resiliência, que dela é feita a alma de unicórnio.

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