Pandemia acelerou setores como a saúde digital e penalizou outros como o turismo. No entanto, uma coisa é certa: o futuro das startups passa pela digitalização e, cada vez mais, pela sustentabilidade.
Saber ler as alterações de comportamento dos consumidores, identificar corretamente as suas aspirações e criar negócios que respondam efetivamente a problemas novos ou, de forma inovadora, a problemas já conhecidos. Será esta a fórmula ideal de as startups entrarem no novo ano. A convicção é de Miguel Fontes, diretor da Startup Lisboa e uma das vozes nacionais que melhor conhecem o ecossistema português.
A pandemia reforçou a ideia de que as melhores empresas são “aquelas que conseguem manter uma permanente linha de comunicação e proximidade com os seus consumidores, demonstrando disponibilidade e flexibilidade para responder às necessidades destes“, reforçando o sentido de pertença e o envolvimento com a sua comunidade/consumidores. Por isso, ainda que 2020 tenha sido um ano atípico em matéria de negócios — e de vida, em geral –, responder às necessidades de mercado continua a ser melhor forma de ganhar relevância na sociedade. No entanto, incorporar práticas de sustentabilidade social e ambiental, tanto nos produtos como até nos modelos de negócio será, acredita o responsável, “seguramente cada vez mais premiado pelo mercado”.
Outro fator essencial para quem está a pensar lançar ou a fazer crescer negócios é o que Hugo Augusto, membro do board da Semapa Next, chama de “willingness to pay“. “A economia vai recuperar e vai crescer. Existem poupanças, fundos europeus e injeções de capital que vão ajudar ao crescimento da economia — e nesse momento é importante que as startups estejam preparadas para dar resposta ao crescimento. Para quem começa, o principio é sempre o mesmo: onde está a dor maior e quanto estão dispostos a pagar para resolver? Criar um novo negócio para responder a um problema não é suficiente, é preciso validar a existência do willingness to pay para resolver esse problema. Quanto maior for, maior o mercado”, explica.
António Miguel, managing partner da Maze acredita que, em 2021, haverá três grandes setores em crescimento: soluções de economia de partilha que promovam acesso em vez de fomentar o consumo através de aquisição, facilitadores de e-commerce sustentável — em termos de soluções de pagamentos, monitorização de pegada carbónica, compensação, entrega: as preferências de consumidores estão cada vez mais alinhadas com a sustentabilidade e os agregadores de e-commerce começam a adaptar-se — e, finalmente, negócios ligados à área da saúde mental.
“Estamos a ver uma evolução das primeiras soluções mais baseadas em mindfulness para uma maior base de evidência científica em soluções que, não só permitem um diagnóstico mais personalizado como fazem recomendações acionáveis aos utilizadores, tornando a sua monetização mais fácil e justificável”, assinala, em declarações ao ECO.
Exemplos de negócios nessa área estão, apontam Pedro Rocha Vieira, CEO e cofundador da Beta-i, e Pedro Falcão, da LC Ventures, fundo de capital de risco da Beta-i, a spin-off universitária que desenvolve soluções de saúde digital para a gestão e terapêutica que se alicerçam na gamificação e personalização, e promovem o bem-estar de forma holística Nevaro, ou a app móvel Holi, fundada por Francisca Canais, Rita Maçorano, e Hugo Ferreira, que tem como objetivo combater o burnout, “tão exacerbado pela pandemia, também fora do contexto clínico”.
Cristina Fonseca, investidora da Indico Capital Partners, aponta, além do e-commerce, a educação online e training, trabalho remoto e ferramentas de colaboração como alguns dos projetos a ter debaixo de olho em 2021, sem esquecer os negócios relacionados com saúde e bem-estar e, também, ligados à inteligência artificial e automatização em contexto de negócio (B2B).
Além destes, Lurdes Gramaxo, managing partner da Bynd, assinala setores como o da digital health e do “gaming no geral, desde os jogos propriamente ditos até às ferramentas e plataformas associadas”.
Áreas de negócio como proptech e food tech são também apostas para Hugo Augusto, membro executivo do board da Semapa Next. O ex-Techstars sublinha o “crescimento espetacular, sobretudo nos EUA”, e a “equipa muito experiente” da Kencko, que poderão “torná-la uma empresa global”.
Para a investidora, “a pandemia trouxe muitos desafios mas também oportunidades. As startups estão numa posição privilegiada no que toca a fazer mudanças e ajustar-se ao novo contexto tirando partido das oportunidades que existem. Não tenho dúvida que vão surgir negócios muito relevantes no pós-pandemia”.
2021, ano de oportunidades?
Depois do “terramoto Covid”, 2021 será, antecipa Jorge Pimenta do Instituto Pedro Nunes, um ano de oportunidades. “Com o desafio do teletrabalho a tornar-se uma constante ou, pelo menos, parte integrante da vida de muitos, surgem oportunidade para produtos/serviços que estimulem a cooperação e criatividade de equipas e que ‘re-humanizem’ o trabalho, com especial foco no equilíbrio e saúde mental“, assinala. Além desses, também a sustentabilidade cresce, no sentido de deixar de ser um objetivo para passar a ser uma “exigência coletiva”. “Abrem-se novas oportunidades para repensar cadeias logísticas, ciclos de vida dos produtos e plataformas para partilha/utilização comum. As startups podem desempenhar um papel muito importante no redesenho de muitos ciclos de consumo, e introduzir as mudanças que os consumidores procuram e o planeta exige”, assinala o responsável pela incubadora de Coimbra.
Para Jorge Pimenta, 2021 será marcado por novos projetos “em face da mudança de hábitos de consumo, essencialmente em ideias B2C”. “Em crescimento continuarão as empresas que utilizam AI e big data (Stratio ou Ydata) mas, em particular, em saúde”, assinala, dando como exemplo projetos como a Sword Health, BSIM, Emotai e Limm Therapeutics. Talvez por isso, as apostas vão para ideias ligadas à inteligência artificial, ainda que com salvaguardas. “2020 relembrou-nos o quanto a saúde nos é vital e onde a inovação é crítica. Dado a crescente digitalização de produtos e serviços, áreas como a segurança digital, a gestão e integração de dados, mas também a logística, continuarão a expandir no próximo ano. O turismo e lazer como os conhecíamos terão uma recuperação ainda imprevisível, mas as experiências digitais como o eSports ou outras formas de evasão encontrarão muitos clientes ávidos de evasão e experiências imersivas”, antecipa.
António Lucena de Faria, da Fábrica de Startups, justifica o destaque de alguns projetos com as circunstâncias. “Foram feitas coisas que vieram facilitar a vida de quem vende e de quem compra. Tudo coisas muito simples mas que, durante muito tempo, ninguém fazia e que, de repente, todos nós percebemos que se calhar era uma ótima solução”, assinala. No entanto, o responsável adianta que o turismo, apesar do forte impacto pandémico no negócio, “continua a ser uma indústria absolutamente fundamental para o nosso futuro. “Temos uma geografia absolutamente extraordinária; um povo acolhedor, que gosta de falar diferentes línguas e conhecer pessoas; uma infraestrutura rodoviária que nos permite chegar a qualquer ponto do nosso país rapidamente; monumentos incríveis e, acima de tudo, o que eu acho o mais extraordinário, para além do clima, são as nossas histórias. Portanto, há um potencial imenso à volta do turismo. E esta situação que temos vivido, sendo dramática, vai ter um impacto muito positivo no que diz respeito ao interior do país, uma vez que, fruto desta nossa nova realidade, percebemos que muitos dos serviços podem ser feitos a partir de qualquer parte do país”.
" As startups podem desempenhar um papel muito importante no redesenho de muitos ciclos de consumo, e introduzir as mudanças que os consumidores procuram e o planeta exige.”
Pedro Rocha Vieira antecipa que a forma como 2021 se desenrolará depende muito “da forma como a aplicação das vacinas decorrer”. No entanto, aponta duas grandes tendências transversais — sustentabilidade e digitalização — que, acredita, marcarão o ano.
“A sustentabilidade e economia circular é uma temática que vai afetar todas as cadeias de produção e de serviços. A pressão que está a acontecer ao nível do investimento, por um lado, e ao nível político, por outro, vão influenciar de forma determinante a forma como os reguladores e os financiadores irão olhar para todas as áreas da economia. Temas como Sustainable Finance e toda a temática do Green Deal vão influenciar a maior parte das indústrias, da transição energética, à economia azul, produção industrial e turismo”, aponta.
Falando em transversalidade, o CEO e cofundador da Beta-i, nota ainda a importância da “digitalização”, “algo que vai continuar a acelerar e fazer com que a maioria dos processos que possam ser automatizados, desmaterializados e otimizados por meio de inteligência artificial e big data aconteçam. A chamada ‘low touch economy’ vai ser uma realidade que irá impactar a maioria das indústrias, alavancada pelo aumento do comércio eletrónico e por uma revolução nos sistemas de pagamentos”. Para o especialista, o “futuro vai acelerar a convergência de tecnologia e de indústrias e criar novos mercados e novas oportunidades“. Daí que, associado ao tema da digitalização surjam dimensões como a “cibersegurança”, a “educação e reskilling da sociedade para estar apta a acompanhar esta realidade mais digital”.
Na prática, as apostas são mais que muitas. António Miguel, da Maze, assinala nomes como o da plataforma de economia da partilha que traz empresas de aluguer para o canal online Rnters, na qual Hugo Augusto, membro executivo do board da Semapa Next, também aposta. “A Rnters está a crescer muito rápida com a sua oferta B2B SaaS para empresas de aluguer de bens de consumo e pode iniciar a internacionalização já em 2021″, explica.
O managing partner da Maze tem outros palpites: a investida Ohne, marca direct to consumer de produtos menstruais 100% orgânicos e outros produtos relacionados com o ciclo menstrual, com uma forte componente educativa para um tema tabu, ou a plataforma Student Finance, que se dedica ao financiamento de estudantes com objetivo de integração no mercado de trabalho. A Uphill (software de criação de protocolos médicos para promoção de medicina com base em evidência) e a Kitch, solução de cozinhas virtuais para os melhores restaurantes de cada cidade, estão também entre as apostas do managing partner da Maze.
Os nomes a reter em 2021
Sobre os nomes de startups a ter debaixo de olho, tome nota das apostas: Jorge Pimenta aponta a iLof e a Cosmetikke.
Entre os nomes apontados por Pedro Rocha Vieira e, por Pedro Falcão, da LC Ventures, fundo de capital de risco da Beta-i, estão a plataforma disruptiva de voz (assistente digital) que permite fazer transações bancárias, contratar crédito e cartões bancários Agentifai, a Coverflex, que quer mudar a forma como as empresas remuneram os seus funcionários e dirigentes, a Didimo — por ter criado um digital twin, com base em poucos segundos de vídeo capturado com o telemóvel, para o teste remoto de roupas e acessórios ajustados ao nosso corpo –, a LOQR, por ter mudado a forma como nos identificamos e autenticamos de forma segura, permitindo abrir uma conta bancária ou contratar um crédito sem a assinatura de contratos em papel ou a Musiversal, “por estar a mudar o paradigma da produção musical”. “Tornou possível a um compositor gravar a sua música nos melhores estúdios do mundo, de Londres a Los Angeles ou Coreia do Sul, por um preço 10 vezes inferior”, referem.
Por seu lado, entre as startups a que a Bynd vai estar atenta enquanto fundo de capital de risco, Lurdes Gramaxo destaca algumas: a Uphill, plataforma de apoio à decisão clínica, “teve uma clara afirmação durante este ano de 2020 e está a consolidar-se num espaço com um enorme potencial”; a Weezie, plataforma de gestão de fibra óptica, “que, a partir do seu centro de desenvolvimento do Porto, tem vindo a servir grandes clientes do sector das telecomunicações a nível europeu”; a Legalvision, com o seu software de digitalização de processos legais “que, após ter concluído a sua ronda Série A em 2020, tem agora os recursos necessários para uma expansão rápida a nível internacional”; a Probe.ly, solução de cibersegurança para aplicações web que, “com o seu produto de excelência está a dar resposta a uma das maiores ameaças do crescimento exponencial do mundo digital” ou a Doppio, que desenvolve jogos de voz e “termina 2020 com o lançamento do histórico PACMAN para a plataforma Alexa da Amazon, num sinal claro do potencial deste espaço que poderá explodir em 2021”.
Também na área da saúde, a TonicApp é uma aposta de Hugo Augusto. “Reforçou a sua equipa com muita qualidade e o valor da sua oferta ficou bem mais claro durante este período de 2020, o que deve ter ajudado a crescer imenso durante a pandemia”, justifica.
Áreas como a transição energética, a disrupção e redesenho do setor agroalimentar ou no setor financeiro e de seguros serão, por isso, dimensões de aposta para a Beta-i no próximo ano, “como duas peças essenciais de interface para a gestão da maioria dos setores da economia, e onde muita coisa tem de mudar para poder acompanhar e viabilizar a transformação acelerada”. Pedro Rocha Vieira acredita que a realidade pré-Covid não voltará mas duvida também do que será “este new normal em que estamos e iremos viver”. “Uma das principais adaptações aos efeitos da pandemia diria que vai ser ao nível do trabalho remoto e das alterações na cultura de trabalho. Vai ser importante integrar tudo o que estamos a viver num modelo que seja sustentável para o futuro”, assinala.
2021, odisseia de exits e unicórnios?
“Tem havido boas rondas de investimentos em Portugal nos últimos anos, o que demonstra uma boa capacidade para atrair capital para os bons projetos. Rondas como as da Feedzai, Unbabel, DefinedCrowd, Bizay, Swordhealth, Stratio, dashdash, ou Drivit dão bom alento para a consolidação de potenciais novos unicórnios”, assinala Pedro Rocha Vieira.
No que toca a exits e, ainda que num cenário de “presente instabilidade”, Jorge Pimenta sublinha os percursos de startups como a Barkyn, a Didimo e a 360 imprimir/Bizay que, recentemente, fechou uma ronda de 32 milhões para acelerar a expansão internacional.
Os exits poderão, sublinha Pedro Rocha Vieira, ser acelerados pela evolução, tanto de projetos de inovação aberta e capitais de risco corporativas como pelo crescimento de fundos nacionais e de investimentos internacionais em Portugal, assim como pelo aumento de liquidez no mercado. “As crises são normalmente momentos bons para inovar e lançar novos mercados. O ano de 2020, apesar de tudo, foi um ano excelente para a tecnologia e para o capital de risco. Um ano com vários IPO e com muito investimento. Existe bastante liquidez no mercado e acredito que essa liquidez irá continuar a existir, até mesmo aumentar, em boa parte devido aos planos de recuperação e resiliência lançados pelas principais economias”, sublinha.
As apostas de um possível unicórnio em 2021 não fogem muito às do ano passado: centram-se, assinala Jorge Pimenta, em dois “D”: Daniela (Braga) e DefinedCrowd. “Pode ser o ano em que a Daniela da DefinedCrowd avance para uma ronda mais significativa”. Para Miguel Fontes, em 2021 as startups que melhor se colocam na corrida são a Feedzai, de Nuno Sebastião, e a DefinedCrowd, liderada por Daniela Braga. Para Lurdes Gramaxo, da Bynd, um dos nomes candidatos ao exit em 2021 é o da Talkdesk.
Além dos candidatos a unicórnio Unbabel e Feedzai, António Miguel tem ainda uma terceira aposta. “Em 2021 vai nascer uma startup que se tornará unicórnio até 2030, com uma ligeira diferença: será uma startup de impacto, cuja solução vai resolver um problema social ou ambiental. Tem sido essa a tendência das novas startups que temos visto em Portugal em 2020. É sem dúvida, uma tendência positiva da pandemia”, conclui.
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Unicórnios, exits e novos setores: as startups a ter debaixo de olho em 2021
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