Passo a passo, como Rendeiro conseguiu fugir à justiça

Da sentença de condenação aos recursos, passando pela Costa Rica e Reino Unido e acabando no aviso da fuga e no mandado de detenção. Estes foram os passos dados por Rendeiro e pela juíza.

O ex-presidente do Banco Privado Português (BPP), João Rendeiro, anunciou na passada terça-feira que estava fora de Portugal e não pretendia regressar para cumprir as três penas de prisão efetiva a que foi condenado, num total de 18 anos de prisão efetiva.

A juíza Tânia Loureiro Gomes, titular do processo que o condenou a 10 anos de prisão, quebrou o silêncio sobre o sucedido. Através de um comunicado do Conselho Superior da Magistratura (CSM), a magistrada explicou todos os passos por si dados até à emissão dos mandados de detenção.

Neste processo, dos três em que Rendeiro foi condenado, a decisão instrutória foi anunciada a 13 de março de 2017, um ano e dois meses depois da acusação. O ex-presidente do BPP foi pronunciado por seis crimes de fraude fiscal qualificada, um de abuso de confiança e um de branqueamento de capitais. O caso foi “parar às mãos” da juíza no dia 30 de março de 2017.

O julgamento de João Rendeiro teve início a 2 de março de 2020 e foi desdobrando-se por diversas sessões até 27 de janeiro de 2021. Para que Tânia Loureiro Gomes ficasse focada no processo, e por determinação do CSM, ficou em exclusividade entre 2 de setembro de 2020 e 27 de abril de 2021. A leitura do acórdão foi feita a 28 de abril de 2021.

Mas quais foram os passos subsequentes? A Advocatus explica.

  • A 28 de abril 2021, o Tribunal comunicou aos arguidos alterações não substanciais de factos e concedeu-lhes um prazo para a preparação da defesa, o dia 14 de maio de 2021.
  • A 14 de maio de 2021 foi lido e depositado o acórdão proferido, tendo Rendeiro sido condenado na pena única de 10 anos de prisão, resultantes de quatro anos pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada; seis anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado; e de seis anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de branqueamento.
  • Face à complexidade do processo, aos arguidos foi concedida, a pedido da defesa, a prorrogação, por 30 dias, do prazo de que dispunham para a interposição dos recursos. Também ao Ministério Público e ao Assistente foram estendidos os prazos de resposta.
  • Os recursos interpostos pelos arguidos condenados foram apresentados dentro dos prazos e, por isso, admitidos.
  • Desde a fase de inquérito que Rendeiro e os demais arguidos se encontram sujeitos à medida de coação de termo de identidade e residência.
  • No dia 19 de julho de 2021, João Rendeiro informou que entre 15 e 21 de julho estaria ausente do país, mais concretamente na Costa Rica, “podendo ser contactado através da representação consular naquele país”.
  • A juíza refere que, até 19 de julho de 2021, “nenhum facto foi trazido ao processo que fizesse fazer crer que não se sujeitaria às consequências que decorrem da sua posição processual, designadamente, que pretendesse furtar-se ao cumprimento da pena de prisão em que foi condenado nestes autos, embora o momento do respetivo trânsito em julgado se afigure, ainda, difícil de prever”.
  • No dia 13 de setembro de 2021, o ex-presidente do BPP informou novamente a sua ausência do país, “podendo ser contactado através da Embaixada naquele país”. Desta vez, entre 12 e 30 de setembro estaria no Reino Unido. O arguido forneceu a morada da Embaixada portuguesa em Londres, tal como o número de telefone e o e-mail desta mesma representação diplomática.
  • A 22 de setembro, o Ministério Público pede a audição de Rendeiro, tendo em vista a alteração da medida de coação, isto é, a eventual aplicação de medida de coação mais grave que o termo de identidade e residência. Nesta data, também o assistente BPP requereu o mesmo, designadamente, a “aplicação de outra medida de coação destinada a prevenir a ação da Justiça”.
  • Face a ausência de resposta, a 23 de setembro a juíza notificou Rendeiro para que, no prazo máximo de 48 horas, indicasse a morada completa do local concreto onde se encontrava, alegadamente no Reino Unido. Simultaneamente, designou o dia 1 de outubro, pelas 14 horas, para a sua audição presencial em tribunal, de forma a reavaliar a medida de coação.
  • A 28 de setembro, o arguido informou que a “é sua intenção não regressar a Portugal”.
  • Logo de manhã no dia 29 de setembro foi proferido despacho pela juíza que determinou a sua sujeição a prisão preventiva e a “imediata emissão de mandados de detenção europeu e internacional”. Para tal, foi solicitada a colaboração da Interpol e da Europol na localização e captura de Rendeiro. Também foi determinado a “emissão de mandados de detenção a cumprir pelos órgãos de polícia criminal portugueses, tal como a inserção dos seus elementos identificativos no sistema SIRENE e a comunicação ao SEF, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e a todas as entidades de controlo de fronteiras, com a expressa indicação da pendência de tais mandados”.
  • No dia 30 de setembro, a juíza e o Conselho Superior enviam comunicado.

Tânia Loureiro Gomes afirma assim que até ao dia 19 de julho de 2021 não foi trazida qualquer informação da qual pudesse antever-se “nem um concreto perigo de fuga do arguido (que esteve presente em algumas sessões da audiência de julgamento), nem a concretização da sua fuga, agora anunciada“.

A juíza acrescenta ainda que, face às informações prestadas por Rendeiro a 13 de setembro, ordenou as providências adequadas e que legalmente se impunham, designadamente, “tendentes ao ulterior agravamento do seu estatuto coativo”.

“Nenhum facto foi trazido aos autos, pelos meios processuais legítimos, que permitissem, fundadamente, prever o desfecho hoje ocorrido, isto é, a fuga concretizada e assumida pelo arguido. Acresce que, afigurando-se ainda longínquo o horizonte temporal do trânsito em julgado da condenação na pena única de 10 anos de prisão (….) não era, até este momento, previsível que o arguido pretendesse subtrair-se à ação da Justiça“, explica.

Recorde-se que este processo, em que Rendeiro foi condenado a 10 anos de pena de prisão efetiva, foi extraído do primeiro megaprocesso de falsificação de documentos e falsidade informática, no qual foi condenado a cinco anos e oito meses de prisão efetiva. O tribunal condenou ainda Salvador Fezas Vital a nove anos e seis meses de prisão, Paulo Guichard a também nove anos e seis meses de prisão e Fernando Lima a seis anos de prisão.

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